O premiado diretor/editor/roteirista sueco Ruben Östlund, se tornou especialista em expor as mazelas humanas através do difícil exercício da sátira. Invariavelmente, as personagens de seus filmes sempre passam por situações tragicômicas vexatórias, pelo menos é isso que acontece nos ótimos Força Maior (2014) , The Square: A Arte da Discórdia (2017) e agora, no recém lançado, Triângulo da Tristeza (2022), vencedor da Palma de Ouro em Cannes, onde o filme foi ovacionado por sete minutos após a exibição; e indicado aos Oscar de 2023 nas categorias de Melhor Filme, Direção e Roteiro Original.
Em entrevistas recentes a veículos estrangeiros, Östlund confessou que gosta de colocar seus personagens, principalmente os masculinos, em situações que normalmente eles não saberiam como lidar, para que através desse desconforto surja a criatividade da qual brotam situações engraçadíssimas e questionamentos diversos sobre o mundo atual. Mas, afinal, quais são as questões que tanto o instigam neste novo projeto?
“Consegue relaxar o seu triângulo da tristeza?”
É o que indaga um consultor de moda a um dos modelos, referindo-se a área da testa entre as sobrancelhas. De acordo com este mesmo consultor, “a moda hoje em dia vem de dentro”, então não pega bem desfilar com cara de preocupação.
Franzir a testa denota problemas, perplexidade, cansaço, dor e até mesmo prazer, mas nada disso condiz com a cara de desdém exigida pelas marcas mais caras do mercado. Os clientes com maior poder aquisitivo precisam sentir que ao usarem estas marcas, estão automaticamente desdenhando dos que não podem tê-las, ao contrário das marcas mais baratas, que usam sempre modelos sorridentes por motivos óbvios.
Mas este não é um filme sobre o marketing aplicado a indústria da moda e essa não é a única referência a triângulos durante os três capítulos da história. É apenas a primeira provocação de um filme que não para de girar sua metralhadora nada sutil sobre as relações de poder que regem nossa sociedade.
“Amor, você fingiu que não viu quando trouxeram a conta?”
O modelo que foi questionado anteriormente, agora questiona sua namorada, também modelo, sobre a “injustiça” imposta pelos papeis de gênero ao ser praticamente “obrigado” a pagar a conta em um restaurante apenas por ser homem, gerando uma divertida e absurda “DR”, em mais uma provocação acertada do diretor.
Toda essa sequência serve para reforçar o potencial polêmico da obra enquanto traça o perfil do jovem casal de modelos/influencers Carl e Yaya, vividos respectivamente pelos competentes Harris Dickinson e Charlbi Dean. Detalhe: Dean morreu súbita e precocemente aos 32 anos de idade por uma infecção generalizada rara, em 29 de agosto de 2022, antes mesmo do filme estrear internacionalmente, o que acaba tornando sua presença forte e exótica ainda mais especial neste que acabou sendo o seu melhor e último trabalho.
“(Esse é um cruzeiro de extremo luxo, então…) O que é que você faz da vida?”
Ao ganharem passagens para um exclusivo cruzeiro marítimo, o casal de modelos classe média decide se enturmar e fingir costume em meio àqueles milionários e toda a esquisitice excêntrica que os muito ricos talvez considerem normal.
São pessoas acostumadas a terem tudo que querem e a pagaram uma fortuna para estarem ali, o que atiça a curiosidade e a indiscrição de saber o que levou os demais tripulantes àquele grupo tão “seleto”, rendendo vários diálogos e embates memoráveis como o do americano socialista e o russo capitalista.
Todos se mostram ansiosos para demonstrarem o poder que possuem naquela pequena bolha, exigindo coisas descabidas e praticando uma espécie de humilhação passivo-agressiva para com os funcionários do cruzeiro, obviamente amparados por uma visão totalmente distorcida, rasa e fútil do mundo real e do que é conviver em uma sociedade diversa.
“Algum de vocês sabe fazer uma fogueira?”
Após a catarse no final do segundo ato, as provocações de Östlund não param, pois apesar de toda a mudança de ambientação e a reconfiguração dos conflitos ironicamente sugerida, a “solução”, que teoricamente seria a de inverter as posições de poder, apenas demonstra a total falta de habilidades para sobrevivência dos que estão acostumados a acharem tudo de “mão beijada”, quando precisam enfrentar situações adversas.
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Apesar do uso indiscriminado de muletas narrativas no terceiro ato, apenas para que o diretor prove o seu genial ponto de vista, o filme toma rumos inesperados e realiza um corajoso e implacável final aberto e repleto de desesperança e cinismo, para nos lembrar que uma hora a brincadeira acaba e é necessário refletir para além do riso, sobre as pontes abismais que nos separam.
Título Original | Ano: Triangle of Sadness | 2022
Gênero: Drama, Comédia
País/Idioma: Estados Unidos/Inglês
Duração: 2:29 h
Classificação: 12 anos
Direção: Ruben Östlund
Roteiro: Ruben Östlund
Elenco: Harris Dickinson (Carl), Charlbi Dean (Yaya), Thobias Thorwid (Lewis), Dolly De Leon (Abigail), Woory Harrelson (Capitão) e outros
Avaliações: IMDB| Rotten Tomatoes
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