‘Desaparecida’ adota modos de consumo da geração Z, mas é tão fraco quanto antecessor


Megan Suri e Storm Reid em Desaparecida

A contagem do tempo não mudou, os dias continuam possuindo 24 horas, o ano ainda tem 365 dias (com exceção dos bissextos). Mas quando se trata de filmes que lidam e adotam a linguagem da internet é abundantemente interessante a capacidade de envelhecimento que essas produções estão sujeitas, podendo até serem comicamente definidas por alguns como da ‘‘idade das pedras’’, indicando que sua abordagem, temática ou dos mais diversos elementos utilizados como recursos para o filme, já estão ultrapassados. É o risco que corre Desaparecida (Missing, 2023).

Se o antecessor, Buscando (Searching, 2018), é um filme que envelheceu de modo impressionante e me causa a impressão de ser um produto realizado há séculos, mesmo que esteja perto de completar cinco anos de seu lançamento. Ele ficou velho não porque o tempo passou mais rápido, mas porque meia década para um vasto mundo em constante construção e reconstrução (a internet) soa realmente como muito tempo. Dessa forma, com as visíveis transformações no campo virtual, o cinema poderia aguardar por uma sequência antológica do sucesso, sequência que, inclusive, pode até ser encarada como de realização tardia.

Em Desaparecida, June Allen, vivida pela promissora Storm Reid, começa a reunir esforços para descobrir o que aconteceu com sua mãe e namorado, casal que estava passando férias na Colômbia. Sem poder se deslocar de Los Angeles (EUA) para o país localizado na América do Sul, June precisa cumprir todas as etapas de sua investigação com a tecnologia que tem disponível em suas mãos.

Novamente, a premissa tem como ponto central um desaparecimento, mas sua história passa longe de recorrer a mesma fórmula já utilizada em seu antecessor, principalmente no que se refere a introdução de novos elementos.

A partir da chegada do TikTok, popularização do Whatsapp em países da América Latina, smartwatch e conectividade entre câmeras de seguranças e computadores/celulares, o filme de Nicholas D. Johnson e Will Merrick sabe se apropriar de tais tecnologias, abrindo a possibilidade, inclusive, para uma expansão em relação a espacialidade, incorporando ainda mais a essência da utilização da internet para desvendamento.

Tal avanço na questão de cobertura de espaço permite sequências interessantes a partir da utilização de câmeras externas e internas, algo que não é novo no cinema, mas que em no longa permite que também vejamos o campo de ação, anteriormente não explorado e que aqui se assemelha bastante ao método de found footage. Para além das câmeras, existem passagens interessantes com o smartwatch, conectado ao Whatsapp de um colombiano e pronto para o ser o meio que irá nos exibir uma reviravolta contundente.

A utilização de todas essas engenhocas são ainda mais convenientes quando em mãos de uma protagonista de 18 anos. A partir disso, se dá uma outra diferença em relação à Buscando, aqui a montagem é mais rápida, as informações na tela que, por sinal, é a tela do computador de June, são constantes, em um interminável abrir e fechar de navegadores, chats do Iphone e tudo (literalmente tudo) que se refere a localização. Essa proposta combina perfeitamente com a atual esperteza de uma geração que nasceu com celular acoplado à mão. Contudo, com uma tonalidade de coisas sendo feitas em uma velocidade recorde, 1h50 de produção abre um amplo espaço para agravar um incômodo que eu sinto desde o primeiro filme: as inúmeras reviravoltas, aqui mais superficiais.

+++ Leia a crítica de ‘Sharper – Uma Vida de Trapaças’, de Benjamin Caron

Como problematizei na crítica de Sharper, ocorreu nos últimos anos uma proliferação de filmes com excesso de reviravoltas, e Desaparecida segue essa grande tendência. Até consigo enxergar uma boa intenção e um comprometimento com a seriedade ao entregar várias guinadas na narrativa, afinal, tudo é muito bem amarrado, se analisado. Entretanto, se ignorarmos o modo no qual essa história é contada, ele faz o mesmo feijão com arroz que outros filmes, tendo como seu grande diferencial a sua linguagem.


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Título Original | Ano: Missing | 2023
Gênero: Drama, Suspense
País | Idioma: Estados Unidos | Inglês
Duração: 1:51 h
Classificação: 14 anos
Direção: Nicholas D. Johnson e Will Merrick
Roteiro: Nicholas D. Johnson e Will Merrick, baseado em história de Sev Ohanian e Aneesh Chaganty
Elenco: Storm Reid (June), Megan Suri (Veena), Tim Griffin (James), Nia Long (Grace),  Tracy Vilar (Detective Gomez), e outros.
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

 

 


 

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