Em determinado ponto de A Esposa, quando a personagem da esposa é questionada sobre o que faz da vida, Joan Castleman, vivida pela extraordinária Glenn Close, responde em tom de denúncia, melancolia e revolta: “Eu construo reis”, numa espécie de analogia a máxima que afirma que atrás de um grande homem sempre existe uma grande mulher.
O “rei” ao qual ela se refere é o seu bajulado marido Joe Castleman, vivido por Jonathan Pryce, numa atuação correta, que acaba de ser condecorado com o Prêmio Nobel de Literatura e é considerado por público e crítica um verdadeiro gênio na arte da escrita.
A desconstrução do mito do “rei” e o caminho para a libertação de sua “rainha” são o tema central do drama familiar A Esposa, que se passa inteiramente entre o convite que o marido recebe da organização do Prêmio Nobel, até o momento logo após a festa da premiação em Estocolmo. Nesses poucos dias, testemunhamos a dinâmica da vivência do casal, juntos há muitas décadas. Enquanto ela transborda carinho, cumplicidade e zelo, o marido esbanja egocentrismo e dependência, porém faz questão de enaltecer publicamente a ajuda, o amor e o apoio da esposa sempre que estão em público.
Acompanhamos também o desenrolar de alguns acontecimentos estranhos do passado, através de flashbacks pontuais bem inseridos, esclarecedores e até surpreendentes. Os desdobramentos envolvendo a premiação do marido, que acabam sendo a gota d’água que desperta na esposa questionamentos adormecidos por muitos anos de abuso psicológico e doméstico.
O grande mérito da história, baseada em livro homônimo, é que o abuso não só é consentido, como também conta com a proteção e o aval da vítima.
Essa zona delicada e complexa na qual o filme transita pode causar desconforto para o grande público, mais acostumado com filmes que optam por representações mais claras a respeito de assuntos polêmicos como este. Porém, para quem se dispuser a ler as nuances e os olhares reveladores de Glenn Close – em mais uma interpretação magistral que lhe valeu sua sétima indicação ao Oscar de Melhor Atriz – vai no mínimo torcer para que sua personagem se liberte da relação doentia em que se encontra, afinal o poder e a influência do gênero masculino, que o filme faz questão de evidenciar o tempo inteiro, é exatamente o que a sufoca e mortifica.
+++ Leia a crítica de ‘A Favorita’, de Yorgos Lanthimos
Infelizmente, os méritos do filme acabam aqui. A narrativa é desnecessariamente arrastada, a direção do sueco Björn Runge é pouco criativa e pouco inspirada, a trilha sonora é insossa e passa despercebida; a fotografia é banal, e as demais atuações são pouco expressivas. A exceção é Annie Starke, filha de Glenn Close na vida real, que interpreta a sua versão mais jovem durante os flashbacks.
O desfecho da história é, no mínimo, preguiçoso e metaforicamente raso, deixando a cargo da imaginação do público alguns desdobramentos que poderiam ser mostrados se o filme tivesse apenas mais dois minutos de duração.
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Duração: 1h39min
Direção: Björn Runge
Roteiro: Jane Anderson, baseado no livro de Meg Wolitzer
Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater, Annie Starke, Elizabeth McGovern e outros
Data de lançamento: 10 de janeiro de 2019 (Brasil)
Censura: 12 anos
IMDB: A Esposa
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