O ano era 1999. Os primeiros serviços de compartilhamento de música digital engatinhavam e ainda não havia real entendimento, ao menos para mim, em como ouvir as músicas sem depender de um computador – era futurístico imaginar todas as músicas baixadas num dispositivo que as reproduzisse em qualquer lugar.
Ouvinte fervoroso de Hardcore, Metal e vertentes, e iniciado há poucos anos no então ‘Rock Alternativo’, foi nesse longínquo ano, e pela primeira vez, que ouvi falar, já tardiamente, no Belle and Sebastian.
Ao buscar a banda, o Audiogalaxy me ofertou uma faixa de nome sugestivo: “This Is Just A Modern Rock Song”. Pensei: “UAU! Isso deve ser guitarrento e pesado!”. Pagando por um serviço de Internet discada, resolvi deixar, então, um álbum inteiro no ‘download da madrugada’: If You’re Feeling Sinister, o segundo da banda escocesa, de 1996. Dois nomes de músicas me chamaram atenção para tal: “Get Me Away From Here, I’m Dying” e a faixa título, da qual falarei mais adiante.
Para minha surpresa, para minha inicial decepção, para minha conseguinte curiosidade e, por fim, para minha total rendição, If You’re Feeling Sinister era, e ainda é, absolutamente diferente de tudo o que eu imaginava que fosse.
Belle and Sebastian está mais para o Folk Rock delicado do final dos anos 60, ou para o Pop Francês da mesma época, do que para um revisionismo dos 80 – dos Smiths, a quem costumam ser comparados. Mas se situa, com elegância, entre esses tempos e, segundo os próprios, com uma pretensiosa pitada de Velvet Underground.
Cada detalhe de ‘Sinister’ deve-se a Stuart Murdoch, o mentor por trás do Belle and Sebastian.
Murdoch sofreu de encefalomielite miálgica – ou fadiga crônica – até por volta dos 22 anos. Isso o impediu de viver uma vida normal, ou praticar esportes, namorar, trabalhar. Diante disso, sua juventude foi melancólica. Por ter feito aulas de piano, passou parte desse período escrevendo poemas e musicando-os. Na Faculdade de Música, encontrou pares igualmente melancólicos, desempregados e desesperados, e ali surgiu a banda e Tigermilk, o primeiro álbum, também de 1996 – uma espécie de TCC de faculdade, gravado e mixado em 5 dias.
Murdoch é um cronista. Sensível, capta as emoções humanas e conta histórias (reais ou não) a respeito das coisas mundanas. Por não se sentir normal, falava de coisas normais, de pessoas, que vem e que vão: um observador.
“Seeing Other People”, por exemplo, é sobre os amores da juventude observados por alguém que não viveu exatamente essa prática. A brilhante “The Stars Of Track and Field” carrega um misto de ironia e inveja das pessoas que puderam praticar esportes e que sempre são consideradas populares. A contemplativa “Fox In The Snow” é uma observação de vida, como alguém que observa um dia gélido do parapeito de uma janela.
A mais autobiográfica das canções, no entanto, é a faixa título. Murdoch mudou-se para uma igreja, a Hyndland Parish Church, aos 25 anos. Lá, ensaiava com a banda e também comungava o cristianismo. Porém, em versos como “se estiver se sentindo sinistro, procure um Ministro (ou um padre), ele tentará em vão curar sua dor de ser um incrédulo” fica claro que sua relação com Deus não vinha bem.
Outro belíssimo destaque é para a também autobiográfica “The Boy Done Wrong Again”, em que Murdoch entrega, em tristes versos, o valor que todos devemos às canções melancólicas.
+++ Leia sobre o texto sobre ‘It’s a Shame About Ray’, do Lemonheads
Melancolia, tristeza, mas também uma espécie de humor mordaz e irônico.
O Belle and Sebastian fez de seu segundo álbum, surpreendentemente gravado e mixado em oito dias, um clássico contemporâneo, contemplativo e atmosférico.
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 18 de novembro de 1996
GRAVADORA: Jeepster Records
FAIXAS: 10
TEMPO: 41:22 minutos
PRODUTOR: Tony Doogan
DESTAQUES: “The Stars Of Track and Field”, “Fox in the Snow”, “If You’re Feeling Sinister”, “The Boy Done Wrong Again”
PARA QUEM CURTE: Indie-Pop, Indie-Folk, Chamber Pop, Nick Drake, Donovan
CURIOSIDADES: A capa traz Ciara MacLaverty, amiga de Murdoch, fotografada pelo mesmo, com uma o livro ‘O Processo’, de Franz Kafka.
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