O cenário é pós-apocalíptico. Uma família isolada numa cabana na floresta. Algo misterioso que ronda o ambiente. Dados os ingredientes, tudo parece indicar que estamos diante de mais um filme típico de terror, com uma família tentando lutar desesperadamente por sua sobrevivência e contra algo temível que a cerca. Entretanto, o filme do cineasta americano Trey Edward Shults engana o espectador e segue por outra direção, de qualquer forma, continua mantendo um clima de terror e começa de forma tensa e impactante logo nos primeiros minutos mostrando uma cena em que um dos membros da família precisa ser sacrificado ao aparentar os sintomas de um vírus contagioso que infestou a região.
Outra tática de Shultz é não se prender a detalhes pós-apocalípticos ou explicar sobre a origem da epidemia que passou a atacar as pessoas. Foge desse objetivo, melhor assim. O filme já se inicia com Paul (Joel Edgerton) e sua família com plena consciência disso e que para evitar uma possível infecção já elaboraram suas regras. Evitar sair de noite, usar máscaras ao sair para a floresta e trancar a casa ao máximo estão entre elas. Paul é o pai vigilante, pragmático e metódico que fará de tudo para proteger sua esposa e filho, para tanto, exige que as regras sejam seguidas à risca e sem falhas.
A tensão cresce quando outros personagens aparecem e enriquecem a trama colocando a segurança e a confiança da família de Paul em xeque. Os diálogos, sempre inteligentes e sem soarem redundantes, aumentam essa angústia no espectador, da mesma forma que o modo de agir de Paul com o que lhe é estranho ou possa parecer nocivo à sua família traz a inquietude (necessária) para o avanço da trama.
O longa-metragem busca recursos para trazer medo e aflição no espectador e também causar nele uma interpretação dúbia em relação aos acontecimentos que passam na tela, além da verdadeira intenção e psicologia de cada personagem. Os estranhos e horríveis pesadelos de Travis (Kelvin Harrison Jr.), por exemplo, ficaram perfeitamente encaixados na trama e não estão ali à toa, muito pelo contrário, são capazes de criar reflexões no espectador a respeito do que pode ser ameaça ou não, fortificando a angústia da cena que virá a seguir e o possível destino de alguns personagens.
A ambientação/iluminação também é excelente. Dentro da casa nos corredores e quartos ou nas cenas da floresta cercada de árvores, o escuro caiu muito bem sem sufocar o aspecto visual da película, pelo contrário, dando aquele clima de que algo está a espreita escondido atrás de uma árvore ou porta só esperando uma chance para atacar os personagens.
Sem apelar para efeitos especiais, sem cair para a exposição de vísceras e sustos previsíveis, Ao Cair da Noite foge de clichês típicos do gênero e segue pelo terror que explora o psicológico e a índole humana em questões de extrema sobrevivência.
Existe uma estética que preza o cinema independente e abre mais espaços para a fotografia escura/sombria, cria uma trilha sonora discreta porém eficaz, destaca a caracterização apurada dos personagens e valoriza o plano sequência.
A direção segura de Shults acaba nos levando até o final da trama (que fecha no tempo certo) e nos faz refletir que tudo ali presenciado acontece em nossa realidade, não precisava nem o tema pós-apocalíptico para criar um cenário tenso e dramático.
+++ Leia a crítica de ‘Aterrorizados’, de Demián Rugna
Diversas cenas do filme nos alertam para os sentimentos criados no viver da sociedade moderna: o medo que criamos fora de nossas casas e até mesmo dos nossos próprios vizinhos, as fobia sociais, paranóias, as regras impostas em família e sociedade que não podem ser contestadas, a intolerância e indiferença, o egoísmo. Ao Cair da Noite é mais uma produção que reúne o mal acumulado da sociedade em forma de ficção para servir como um alerta, preciso e necessário, para a nossa realidade.
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Suspense, terror, drama
Duração: 1h 31 min
Direção: Trey Edward Shults
Roteiro: Trey Edward Shults
Elenco: Joel Edgerton, Christopher Abott, Carmen Ejogo, Kelvin Harrison Jr., Riley Keough, David Pendleton
Data de lançamento: 9 de junho de 2017
Censura: 16 anos
IMDB: Ao Cair da Noite
ROTTEN TOMATOES: Ao Cair da Noite
Boa resenha… Não perdeu a forma como vc havia comentado – parabéns!