A “Última Valsa” de Robbie Robertson, a mente da The Band


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Robbie Robertson em 1987 | Foto: GEORGE ROSE / GETTY

Robbie Robertson foi pedra angular ao espírito intrínseco à natureza popular da música. Ele foi o principal compositor e mente da importantíssima The Band, que mereceu, em seus anos de atividade, o artigo definido que a faz A Banda – com letra maiúscula ainda. Robbie, dessa forma, foi O Compositor e A Mente de uma parte fundamental do cancioneiro norte-americano.

Quando teve sua morte anunciada na última quarta-feira (10/08), os nomes de seus familiares foram escritos como estando ao seu lado no leito em que morreu pacificamente. O anúncio, compartilhado no Instagram, destaca ainda o último projeto do aclamado compositor – Killers of the Flower Moon, filme de Martin Scorsese, grande amigo e colaborador de longa-data de Robertson.

Robbie foi o grande responsável, junto de Scorsese, pela realização de The Last Waltz, de 1978, que aqui no Brasil recebeu o nome de O Último Concerto de Rock. O filme é uma maravilha audiovisual indispensável a qualquer pessoa que gosta de música. Muito mais que o último concerto da The Band, e com participações de nomes como Van Morrison, Eric Clapton, Neil Young, Joni Mitchell, e claro, Bob Dylan, The Last Waltz é uma celebração da vitalidade da música em corações anglófonos.

No documentário Once We Were Brothers: Robbie Robertson and The Band, de 2020, Robbie descreve o momento em que ele e os outros integrantes do The Hawks, fase embrionária da The Band que acompanhava o rocker Ronnie Hawkins, se juntou a Bob Dylan no meio dos anos 60. Ele diz: “Estávamos andando com esse cara que estava mudando o curso da música”. E assim foi. Se Bob Dylan realizou talvez a maior revolução na música pop ao trocar seu violão por um grupo elétrico, a sua banda foi seu exército revolucionário – empunhando a bandeira do novo Rock ’n’ Roll sobre o império conquistado da Indústria Cultural.

Em meio a turnê tumultuada de Bob Dylan com sua The Band – que assim foi chamada, inclusive, por terem sido por vezes “a banda” de apoio de um outro artista – a figura de Robbie Robertson se destaca. Ele foi o que mais se aproximou de Dylan na profusão de vaias daqueles “fãs” que não entendiam nada sobre a revolução em curso que prosseguia nos palcos. Isso fica claro no documentário não acabado Eat the Document, de D.A. Pennebaker, filme-irmão do mais conhecido Dont’t Look Back, lançado em 1967 e realizado pelo mesmo diretor. Nele, Robbie aparece junto de Bob tocando violão e compondo músicas não lançadas. Entre elas, “I Can’t Leave Her Behind”, que é absolutamente linda.

Bob, Robbie e toda a banda acharam refúgio na área rural de Woodstock, NY, onde em uma casa pintada de rosa criaram uma quase utópica comunidade de criação artística. Lá gravaram o que ficaria conhecido como The Basement Tapes, que seria lançado apenas 10 anos depois. Lá, também que a banda seria, finalmente, The Band, gravando material inédito. Robbie Robertson seria o principal compositor desse material.

Dylan quando ouviu “The Weight”, do seminal Music From The Big Pink, de 1968, ficou tão incrédulo quanto orgulhoso do trabalho de Robertson. Eric Clapton declarou que o álbum mudou sua vida. E mudou a de muita gente. Na contramão das tendências psicodélicas que a música seguia no final dos anos 60, a The Band fazia música direta, emocional e emocionante. As composições de Robbie Robertson carregavam o peso de toda a tradição da contação de história da música tradicional norte-americana. O popular para a The Band era também ancestral.

A combinação da guitarra algébrica de Robbie Robertson, do órgão sempre certo de Garth Hudson e das vozes etéreas que se harmonizavam entre si de Levon Helm, que também tocava bateria, Rick Danko, que tocava baixo e Richard Manuel, que tocava piano, era hipnotizante. Hipnotizante como se fossem mágica em um show de variedades no interior da América em um momento atemporal e sempre no passado, presente e futuro. As composições que ao redor dos álbuns da The Band foram ficando cada vez mais a cargo de Robbie, sacramentavam toda a energia intrínseca ao próprio fazer da música popular que era executada pela irmandade do grupo.

https://www.youtube.com/watch?v=78gR3Dlj7l0

Canções como “The Night They Drove Old Dixie Down”, do álbum autointitulado, de 1969, dizem através de histórias a relação por muito negligenciada da classe trabalhadora norte-americana. Canções que em um transe consciente usam a música para dizer sobre seu próprio povo – sobre sua própria história. Uma autoconsciência reveladora que se gravou nas influências que o grupo deixou na música. O que se entende pelo rótulo musical “Americana” deriva de tudo o que Robbie fez junto a The Band no final dos anos 60.

“Era tão belo que se acabou em chamas”, Robertson declara no documentário já citado acima. Drogas e guerras de egos ditaram o fim de uma das bandas mais importantes da história musical. Uma banda que era muito mais que uma banda, era “A Banda”.

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Está impressa em minha mente uma cena da The Last Waltz em que a correia da guitarra de Eric Clapton arrebenta durante um solo e Robbie tem que cobrir para o amigo. Ele o faz com gigante elegância e virtuosismo paciente.

Na música, Robbie também não foi apenas um guitarrista ou um compositor, ele foi “O Guitarrista”. Ele foi “O Compositor”.

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