Se o excêntrico produtor Martin Hannet foi o responsável por “criar” o som da Factory Records, o designer gráfico Peter Saville foi responsável pela parte visual, dando uma “cara” aos discos lançados pela gravadora de Tony Wilson. Muito mais conhecido por seu trabalho nos discos do Joy Division e New Order, Saville tem em seu currículo muitos outros trabalhos, que incluem não só outros artistas da gravadora como Durutti Column, A Certain Ration, Section 25, como fora do cultuado selo de Manchester, já que trabalhou também para a Virgin Records: Electronic, Brian Eno, David Byrne, Peter Gabriel, Paul McCartney, Howard Devoto, Ultravox, Pulp, Roxy Music, Beth Orton, King Crimson, Wham!, Everything But The Girl, Björk, Marianne Faithful, Suede, Brett Anderson, Ilya, Lotterboys e vários outros.
Formado em Design Gráfico pela Manchester Polytechnic, Saville chegou à Factory depois de um encontro com Tony Wilson em um show de Patti Smith. Estava formado um vínculo que duraria de 1978 a 1991, com o designer assumindo a função de Diretor de Arte e tendo total liberdade de criação não só das capas como também dos posters e cartazes de tudo que fosse ligado à gravadora. Saville tornou-se famoso por não cumprir os prazos estipulados, sempre atrasando a entrega do produto final e deizando revoltados muitos de seus clientes. Apesar disso, foi através das criações na Factory que muitas portas se abriram para o seu trabalho.
Brett Anderson grande admirador e amigo de Saville, que fez as capas de Coming Up, Head Music e do primeiro álbum solo do vocalista, o defende: “Muito disso foi feito sentado, conversando e bebendo café. É uma verdadeira troca e uma discussão. Tudo isso faz parte do seu charme. O que você perde com a eficiência do prazo é compensado pelo incrível nível de cuidado pessoal que ele dedica ao trabalho. Ele realmente mergulhou na música. Ele não é movido por dinheiro ou fama, apenas uma busca genuína pela beleza estética”.
Se pensarmos que na época em que suas criações despontaram, vigorava o formato vinil, embora o formato cassete também fosse forte, é quase 100% certo que seu trabalho foi bastante beneficiado pelo formato das capas de discos. Por seu formato mais amplo, permitiam uma maior apreciação da arte da capa, diferente do que veio a acontecer com o advento do CD. Numa entrevista de 2003, ele respondeu se lamentava a deficiência do CD enquanto formato para o design gráfico: “Sim e não. Sim porque desenvolvi uma sensibilidade para a estrutura de 12 polegadas e sua capa interna e não porque parecem muito antiquados agora”.
O reconhecimento do trabalho de Saville foi a condecoração com a medalha “London Design”, reconhecimento como o mais famoso designer gráfico do Reino Unido.Nem todo o seu trabalho está pautado em criação de capas, Saville também se envolveu em criações para o mundo da moda. E em 2004 foi nomeado diretor de criação da cidade de Manchester. Um de seus trabalhos mais recentes foi, pasmem, a criação do troféu Pornhub Awards para a plataforma de vídeos pornôs.
Voltando à capa de Movement, quando ele criou a capa do primeiro álbum da banda, lançado poucos meses após a morte de Ian Curtis, Saville já havia construído certa reputação graças às capas de Unknown Pleasures e, principalmente, Closer, lançado pouco depois da morte de Ian Curtis e que gerou alguma polêmica por trazer a imagem de um funeral. Enquanto os remanescentes do Joy Division buscavam se manter em “movimento” como forma de aliviarem o peso do suicídio de Ian Curtis e o esfacelamento de um trabalho de alguns anos, pareciam pouco preocupados com a arte que embalaria seu primeiro álbum. No caso de Closer, Peter Hook comenta em seu livro Unknown Pleasures que a capa foi discutida com a banda: “è uma capa linda. Todos nós adoramos as fotos, especialmente Ian…Na éoca que escolhemos as fotos ele teria menos de dois meses de vida pela frente”.
Saville sempre teve total liberdade criativa, e a banda nunca se envolveu muito na produção das capas de seus álbuns. Em muitos casos a banda nem via a capa que seria usada, conforme comentado pelo designer: “Às vezes eles gostavam, às vezes não. Era um contexto totalmente único e que me moldou. No mundo real do design gráfico, o trabalho é sobre as outras pessoas [os clientes], não sobre você. Em quase toda forma de trabalho comissionado, ninguém quer saber o que aquilo significa pra você. Mas essas capas tinham a ver com o que eu queria fazer e, subconscientemente, eram sobre mim e para onde eu estava indo”
Muitas das artes de capa criadas por Saville, principalmente os trabalhos para a Factory, possuem uma tendência para minimalismo. A capa de Movement é um exemplo disso. Ele utilizou como referência um cartaz feito em 1932 pelo artista italiano Fortunato Depero (1892-1960), cujos trabalhos estavam ligados a corrente futurista. O futurismo foi um movimento de vanguarda que surgiu na Itália em 1909 e dentre suas características estão a valorização da tecnologia e da velocidade, símbolo dos avanços alcançados pela sociedade e responsáveis por levar a humanidade adiante, para frente. Por outro lado, a primeira geração do futurismo exaltava a guerra e a violência, além de terem afinidades ideológicas com o fascismo na Itália. A associação da banda com o futurismo, acabou gerando certa controvérsia, principalmente pelo histórico um tanto dúbio da banda com símbolos e nomes ligados ao nazismo desde a época que ainda se chamavam Warsaw.
Em relação ao cartaz de Depero, Saville mudou pouca coisa. Manteve as cores originais, e lançou mão de um artifício de forma a fazer com que as referências presentes na capa se conectassem com o lançamento da gravadora, com o F representando o nome Factory, e o L o lançamento de número 50 da gravadora, em romanos: Fact. 50. Ao mesmo tempo, ao utilizar um trabalho de um autor futurista, claramente buscou traduzir a ideia que estava explícita no nome da banda: New Order. Um novo início, um novo desafio, um passo para o futuro, um movimento adiante, que era tudo que o grupo precisava naquele momento.
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