Ícone da cultura da moda e figura artística versátil e vibrante, a anglo-francesa Jane Birkin faleceu no último domingo (16/07). Suas filhas, as também cantoras e atrizes, Charlotte Gainsbourg e Lou Doillon, enviaram um comunicado à imprensa na noite de segunda em que destacaram a causa natural da morte e o estado de saúde em constante piora de Jane após um AVC em 2021.
Jane Birkin viveu uma vida etérea entre os homens, mulheres e demais seres na Europa borbulhante da segunda metade do século passado. Em famosa entrevista para divulgar o filme Cannabis (1970), de Pierre Koralnik, ela disse algo como “Quem quer uma vida fácil? É entediante”. Além dos filmes, Jane gravou clássicos da música pop francesa, gravou “Leãozinho”, de Caetano Veloso, e até inspirou a criação da inovadora bolsa Birkin, da marca Hermès. Foi, no entanto, com seu parceiro de elenco do longa Cannabis, o lendário artista francês Serge Gainsbourg, que ela viveria a parte mais transcendente de sua vida.
O casal que formou com Serge é tão vivo na cultura popular quanto Bonnie e Clyde. Jane e Serge existem juntos como organismo à parte quando se pensa na francofilia dos anos 60 e 70. Ele, compositor proeminente nos espaços artísticos de Paris, já tinha escrito algumas das canções mais belas já postas em língua francesa. “La Javanaise”, de 1962, e “La Chanson de Prevért”, de 1961, são composições surreais e maravilhosamente construídas que usam o Jazz e a poesia em formato de canção popular.
Jane, a jovem inglesa com a cara da Swinigin’ London dos anos 60, tinha participado do clássico Blow-Up (1966) de Michelangelo Antonioni, e de Wonderwall (1968), de Joe Massot – o filme com canção composta por George Harrison e que inspirou a música mais conhecida do Oasis. Quando conheceu Serge no set de Slogan (1969) – ele 20 anos mais velho -, a primeira impressão não revelou o impacto que o casal teria junto em toda a estética cultural (e contracultural) da França na década que viria.
O álbum Jane Birkin & Serge Gainsbourg (1969) traz apenas Jane na capa, olhando fixamente para a câmera – com algum gosto da sensualidade que apareceria de um jeito que nunca antes aparecera em forma de música. “Je t’aime… moi non plus”, faixa que abre o álbum, escandalizou o Papa e foi proibida em vários países, inclusive no Brasil da Ditatura Militar. O dueto, que inicialmente foi gravado por Brigitte Bardot em uma versão não lançada na época, é cheio de sussurros e gemidos que crescem em uma ascendência orgasmática sob um fundo musical de Pop-Barroco.
“Jane B.”, do mesmo álbum, é cantada apenas pela própria Jane B. A letra de Serge descreve a mulher por quem vivia uma das maiores e afrontosas paixões do século XX. Tudo sobre o quarto prelúdio de Chopin – “Signalement: / Yeux bleus / Cheveux châtains / Jane B./ Anglaise / De sexe féminin” (“Descrição: / Olhos azuis / Cabelo castanho / Jane B. / Inglesa / Do sexo feminino”). Foi fruto desse período um dos álbuns mais influentes de Serge e do qual também participaria Jane: Histoire de Melody Nelson (1971). Mais uma vez Jane aparece sozinha na capa, agora fantasiada de menino – o Melody.
Jane Birkin foi musa vital e perseverante no trabalho de Serge até depois do término do relacionamento romântico dos dois, e até a morte do mesmo.
Em entrevista à revista Vogue francesa ela disse que os falantes nativos achavam interessante o sotaque de terras inglesas que empregava ao seu francês. Disse, também, que o diretor Jacques Deray, de La Piscine (1969) – filme que estrelou ao lado de Romy Schneider e Alain Delon -, a fez falar com um lápis na boca para melhor articulação. De qualquer modo, Jane B., a mais francesa das inglesas, conquistou a França.
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Nessa mesma entrevista, Jane falou sobre a morte. Disse que, com seus problemas de saúde se agravando, ela não sentiu pânico, apenas “medo de não ter tempo para dizer o que queria”.
Jane Birkin disse muito através de sua arte.
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