Gaspar Noé afasta-se de seu estilo mas segue experimental em ‘Vortex’


Imagem do filme Vortex, de Gaspar Noe

Simultaneamente calmo e avassalador, em Vortex, Gaspar Noé abandona todo seu estilo típico para criar uma história tão complicada como um sonho, e tão real quanto a vida.

Muitas vezes, quando um diretor possui um estilo tão característico, suas obras podem parecer repetitivas, por mais distintas que sejam. Mas, é somente quando esse diretor abandona completamente seu estilo estético, que é possível ver sua verdadeira essência florescendo.

Tal experiência não é exatamente nova: David Lynch passou por isso em A Straight Story (1999); Michael Heneke, em Amour (2012), além de muitos outros ao longo da história. Já em Vortex, chega a vez de Noé abrir mão de sua subversividade, seu absurdismo e seu talento natural para o exagero gráfico e contar uma história que pode passar como leve, se comparada a seus outros trabalhos, porém que carrega em si o peso insuportável do realismo levado ao extremo.

Ao citar Amour, é impossível deixar de comparar as obras, visto que abordam o mesmo tema: a velhice. Ambas deixam o mesmo sentimento no espectador: o medo – mesmo que nenhuma apresente elementos de terror. Todavia, é o realismo com que representam esse destino inevitável do ser humano que gera tanto espanto. Afinal, embora todo mundo deseje viver uma vida longa, nem todos pensam em como seria essa vida de maneira prática, e é essa realidade que os dois filmes apresentam, cada um à sua maneira.

Mesmo longe de seu estilo, Noé não deixa de ser o cineasta experimental que sempre foi; e o fato do filme se passar inteiramente em tela dividida provê um ritmo e uma tensão constantes que, provavelmente, não seriam alcançados caso o filme de 140 minutos apresentasse um formato de tela convencional.

É essa divisão também que permite explorar de forma bem mais profunda os impactos que um personagem tem no outro, assim como destacar o tão importante sentido de individualidade de cada cônjuge – algo que o espectador poderia perder ao assistir esse casal que se encontra unido há décadas.

Também é válido notar a sábia e inusitada escalação do diretor Dario Argento (Suspiria, 1977) para o papel principal. Por interpretar um personagem tão apaixonado pela arte do cinema, essa escolha acaba por transmitir um ar de intelectualidade e confiança para esse segmento da trama que, em outras mãos, poderia sair forçado e até chato.

Porém, aqui, essa linha da história é uma das mais interessantes, e a cena em que seu personagem disserta sobre como o cinema, em seu sentido de espaço físico, é o lugar mais seguro e apropriado para se trazer sonhos à realidade é carregada de metalinguagem e testemunha uma autoconsciência e paixão pela sua profissão que poucos diretores possuem.

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Em síntese, Vortex é mais uma prova de que Gaspar Noé tem sim coragem de se aventurar em sua arte e fazer o que ele quer, independente dos aplausos ou vaias que possa vir a receber. Nesse caso, ele merece todos os aplausos possíveis, e Vortex merece sim seu lugar entre os melhores filmes do ano.


Poster do filme Vortex, de Gaspar Noé

FICHA TÉCNICA:

Título Original | Ano: Vortex | 2021
Gênero: Drama
País: França
Duração: 2h22min
Direção: Gaspar Noé
Roteiro: Gaspar Noé
Elenco: Dario Argento, Françoise Lebrun, Alex Lutz, Kylian Dheret, Vuk Brankovic, Kamel Benchemekh e outros.
Data de Lançamento: 13 de abril de 2022 (França)
Censura:
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes
Curiosidade: Gaspar Noé criou o projeto de ‘Vortex’ depois de sofrer uma grave hemorragia cerebral que quase o matou


O TRAILER:

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