O que é o tempo na música? Para além de marcações de 4/4 e para além das tendências que vão e vêm, o tempo é fator essencial na criação e na permanência de uma obra. Até porquê, em valores mais abstratos, é o tempo o que nos faz humanos – e nossas criações são nossas marcas de humanidade. Sem temer a nostalgia, o Bright Eyes revisitou o passado e sobrepôs com visões do futuro suas canções que ecoam tão firmemente no presente.
No início de 2022, a banda anunciou uma série de regravações de canções de todos os discos do catálogo até antes do último álbum de originais, Down in the Weeds, Where the World Once Was, de 2020. As regravações vieram em formato de EP com seis músicas. A cada lançamento, das seis faixas, cinco eram versões reimaginadas de um dos nove álbuns que fizeram parte da série, enquanto uma delas consistia em um cover de uma música de um artista/banda que serviu de inspiração para a criação das canções daquele período no tempo.
A série ganhou o nome de “Companion” e chegou ao fim com o lançamento na última sexta-feira (16/06) dos três últimos EP’s (OUÇA AO FINAL), que revisitam os álbuns Noise Floor (Rarities 1998 – 2005), lançado em 2005; Cassadega, de 2007; e o The People’s Key, último antes do hiato de nove anos da banda no estúdio.
No período sem lançamentos originais da banda, Conor Oberst, criador das canções e dos versos de beleza e cólera melancólica pelos quais o Bright Eyes pulsa, continuou lançando projetos solo e colhendo os frutos da influência musical que exerceu na geração de compositoras e compositores que surgiram na última década. Conor formou com Phoebe Bridgers o projeto Better Oblivion Community Center, que gravou em 2019 um excelente álbum homônimo.
A forma como Oberst sintetizou o auge da melancolia na música Pop na ascensão do Emo nos anos 2000 com a tradição do cancioneiro norte-americano foi essencial para que esse segmento de compositoras-cantoras indie a que Phoebe faz parte pudesse florescer. Bridgers recentemente fez parte da explosiva The Eras Tour da Taylor Swift – que é, possivelmente, a coisa mais pop acontecendo no mundo hoje – e levou para as arenas suas canções Indie-Folk arranjadas com guitarras e explosões de catarses em gritos. Elementos que existiam em álbuns e apresentações do Bright Eyes bem no início do século.
Todos os EP’s da série Companion trazem contribuições muito significativas de outros artistas nas regravações. Phoebe participou da versão de “Haligh, Haligh, A Lie, Haligh”, originalmente presente no Fevers and Mirrors, de 2000. Agora, as irmãs Johanna e Klara Söderberg do duo sueco First Aid Kit trouxeram suas vozes folk-etéreas para faixas presentes nessa última leva de lançamentos da série.
Os novos lançamentos acompanham o relançamento de todo o catálogo coberto pelo projeto. Em um momento em que a já citada Taylor Swift grava suas Taylor’s Versions de seus álbuns em uma luta pela autonomia dos direitos de suas músicas, as novas versões parecem fazer sentido de serem criadas no mundo hoje. Algumas delas dão novo tom, cor e sabor – e certa nova lógica às canções. Um exemplo é “The Big Picture”, do álbum Lifted de 2002, que originalmente toda acústica, é recheada de guitarras hard-roqueiras que funcionam bem com a urgência emocional de Oberst.
+++ Na coluna Prazeres Plásticos, leia a crítica de ‘A Ghost Is Born’, do Wilco
Conor, juntamente com os multi-instrumentistas Mike Mogis e Nathaniel Walcott, entendem os perigos de parecerem nostálgicos e autoindulgentes em um projeto assim. Nele, porém, a banda olha para o passado reconhecendo sua força e importância no presente. Mas exercendo uma força criativa viva e pulsante que prova que ainda existe futuro para o Bright Eyes.
No Comment