‘Cam’ alerta para a perda de identidade devido ao mundo virtual


A partir uma história real, filme abraça conceitos surreais para demonstrar o quanto o mundo virtual nos distancia da nossa própria identidade

Produção original da Netflix, Cam é um suspense envolvente de mistério, com uma personagem poucas vezes explorada nas telas: uma “Camgirl”, que é interpretada de maneira assombrosa pela atriz Madeline Brewer, mais conhecida por seu trabalho nas séries The Handmaid’s Tale e Orange Is The New Black.

No filme, ela interpreta dois papeis: Alice, uma jovem normal e dedicada a família, e Lola, o seu pseudônimo no mundo virtual.

Assim como toda Camgirl, Alice ganha a vida fazendo transmissões ao vivo em sites eróticos, se expondo sensualmente a fim de conquistar cada vez mais visualizações e, consequentemente, mais gorjetas dos usuários com os quais interage via chat. Quando não está diante da webcam, Alice acompanha de maneira extremamente competitiva o seu desempenho no site, inclusive estudando as transmissões das demais Camgirls, para melhorar suas performances e assim conseguir chegar ao cobiçado ranking das cinquenta mais acessadas.

O rumo da narrativa muda quando Alice está bem próxima de atingir esse objetivo e sua conta é hackeada misteriosamente, perdendo total acesso ao site. O mais intrigante é que ela acaba descobrindo que a pessoa que roubou sua conta além de ser uma garota extremamente parecida com ela, assumiu também a sua identidade diante das câmeras. Lola agora “pertence” a uma desconhecida.

A partir daí o filme inteiro se desenrola na tentativa desesperada da Alice em entender o que está acontecendo, recuperar sua conta e consequentemente sua identidade virtual.

Embora Lola seja apenas uma criação de Alice para a internet, portanto uma farsa, o fato dela ser aceita pelos inúmeros seguidores, faz com que Lola tenha um peso e uma importância sem precedentes no mundo real da Alice.

A história é baseada em uma situação real vivida pela roteirista Isa Mazzei, ex-camgirl, que faz aqui sua estreia de maneira extremamente competente, assim como o diretor Daniel Goldhaber, estreante em longas-metragens. A roteirista entende como ninguém o mundo das camgirls e constrói uma personagem de maneira realista e nada pejorativa ou estereotipada. O diretor também tem pleno domínio das linguagens cinematográficas e as utiliza de maneira inteligente, indo muitas vezes além dos diálogos.

Percebe-se nitidamente que qualquer cena que se passe em locações externas, seja de Alice em casa com sua família ou num supermercado, a paleta de cores utilizada é extremamente discreta, já nas cenas envolvendo as transmissões no mundo virtual as cores são berrantes e fortes e a iluminação é demasiadamente artificial. Isso estabelece o distanciamento necessário entre as duas realidades propostas e fortalece o discurso principal do filme: a perda da identidade real para a do mundo virtual.

Estamos longe de entendermos as consequências desse conflito contemporâneo de realidades. Imersos em máscaras e efeitos, mostramos versões “melhores” de nós mesmos nas quase infinitas redes sociais, pois queremos ser notados, queremos aceitação, queremos visualização e é nesse ponto que se desenha o grande dilema discutido pelo filme. Até que ponto é saudável e ético anular quem realmente somos por aprovação virtual?

+++ Leia a crítica de ‘O Sacrifício do Cervo Sagrado’, de Yorgos Lanthimos

Quem nós somos quando não estamos nos expondo através das telas negras dos celulares, computadores e câmeras?

cam-filme-netflix
FICHA TÉCNICA:

Gênero: Horror, Mistério, Thriller
Duração: 1h34min
Direção: Daniel Goldhaber
Roteiro: Isa Mazzei, Daniel Goldhaber e Isabelle Link-Levy
Elenco: Madeline Brewer, Patch Darragh, Melora Walters, Devin Drui, Imani Hakim e outros.
Lançamento: 16 de novembro de 2018 (Estados Unidos)
Censura: 16 anos
Avaliação: IMDB

 

 

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