Quando escrevi sobre Emancipação, argumentei que o longa estrelado por Will Smith omitia o complexo da estrutura escravista nos Estados Unidos em prol de uma vitimização completa da figura cativa. Como se não bastasse, o filme ainda usava a escravidão como um plano de fundo, estava apenas preocupado em entregar boas sequencias de ação. Atestei que tal forma de construir Emancipação era a nova ‘‘moda’’ em Hollywood, afinal, o mesmo foi visto em Harriet – O Caminho para a Liberdade (2019) e A Escolhida (2020). Nesse sentido, é um grande lamento ver que, mesmo ambientado no continente Africano e possuindo uma equipe do continente para trabalhar no mesmo, A Mulher Rei (2022) siga a mesma abordagem estereotipada dos filmes de grande estúdios sobre a experiência escravista.
A Mulher Rei adere à luta simplificada do bem, na forma das guerreiras Agojie e do Rei Ghezo, contra o mal, representado pelos brancos europeus (com um péssimo português de Portugal) e africanos ligados ao comércio de cativos. Para isso, o filme omite que a economia do reino de Daomé (atual Benim) era baseada na venda de pessoas de outros povos africanos para europeus e que Ghezo só chegou ao poder com ajuda de Francisco Félix de Souza, um mercador brasileiro de cativos. A produção também esconde que as Agojie, devido a status privilegiados, tinham servos cativos e que os motivos para o conflito com o Império Oió era econômico, não ‘‘humanitário’’. A quem serve essa simplificação da história não é o objetivo desse texto, mas é necessário que saibamos dos anacronismos e ‘‘liberdades poéticas’’ para entendermos A Mulher Rei e como o filme se enquadra no padrão Hollywood.
O trabalho de ambientação, de mise-en-scène de forma geral, não pode enganar, A Mulher Rei ainda é um filme onde o mais importante são as sequências de combate. Tudo bem, estamos falando das Amazonas de Daomé e não ver tais mulheres lutarem em cena seria esquisito, mas pra mim, soa ainda mais estranho ver essas mulheres lutarem por objetivos que não são claros, que são mal explorados. Dessa maneira, parece que combater o tráfico e cessar estupros são apenas vias, caminhos utilizados quando conveniente para elevar, para aumentar o peso da força e do ódio feminino que transborda quando vemos as cenas de ação. Tais cenas podem ser muito bem elaboradas por Gina Prince-Bythewood, mas quando se opta por privilegiar tais sequências ao invés de justificá-las, o fato do filme ser sobre guerreiras de Daomé lutando contra a escravidão, perde a força. O filme se torna uma produção onde vemos um grupo liderado por Viola Davis batendo em caras maus.
Concluindo que o longa é como qualquer outro filme de ação genérico, o destaque da obra está nas atuações de Lashana Lynch e Viola Davis, ambas vivendo personagens que não fogem muito de tropes do gênero, com exceção de um cuidado maior em não sexualização através das roupas. Aliás, sobre as personagens, não é exagero da minha parte dizer que é um filme sobre a personagem Nanisca e não sobre as Agojie de Daomé. Isso fica ainda mais nítido quando recebemos um plot desnecessário envolvendo a jovem recruta Nawi, personagem que toma o protagonismo e só entendemos o porquê quando é revelado sua ligação com a personagem de Viola.
+++ Leia a crítica de ‘Emancipação’, de Antoine Fuqua
A Mulher Rei não é um filme que eu recomendaria para alunos ou qualquer pessoa interessada em história do continente africano. Há muitos equívocos. Mas como um filme que não deve ser levado a sério quanto a história e observado, desejado apenas como um filme de ação, funciona muito bem.
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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
TÍTULO ORIGINAL: The Woman King
ANO: 2022
GÊNERO: Ação, Aventura, Drama
PAÍS: Estados Unidos, Português
IDIOMA: Inglês
DURAÇÃO: 2:15h
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
DIREÇÃO: Gina Prince-Bythewood
ROTEIRO: Dana Stevens, Maria Bello
ELENCO: Viola Davis, Thuso Mbedu, Lashana Lynch, Sheila Atim, John Boyega, Jordan Bolger, Jayme Lawson e outros
AVALIAÇÕES: IMDB | Rotten Tomatoes
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