Charles Hewitt, toucas de natação e o “desfocado” ‘Leisure’, do Blur


Charles-Hewitt-Glamour-In-The-Swim
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Todos que calharam de cair aqui neste texto sabem que antes do Blur ser Blur era conhecido por Seymour! Não? Agora sabe! Com a mesma formação que levaria adiante o nome do grupo rebatizado, e que se tornaria uma dos ícones do Brit-Pop, o Seymour surgiu da amizade entre Damon Albarn (voz) e Graham Coxon (guitarra), seu ansioso colega de escola, e logo se expandiu com a adição do baterista Dave Rowntree e do baixista, e também colega, Alex James.

Musicalmente, conta-se, o grupo era uma mistura de Pixies, Dinosaur Jr. e Kurt Veill. Conceitualmente, incorporavam influências de Antonin Artaud, o criador do Teatro do Absurdo. Vale lembrar que os integrantes da banda eram oriundos da Escola de Arte. Mas a verdade é que a banda tinha seus momentos de bastante noise ao vivo, mesclados com outros não tanto. E nesse sentido, faixas como “Tell Me Tell Me” e “Shimmer”, mostram influências claras dos Pixies, enquanto “Long Legged”, por exemplo, é puro The Smiths. Algumas das faixas dessa época foram lançadas no Bootleg Out of the Box, e podem ser encontradas no Youtube, incluindo a versão crua de “Sing”.

Pode-se considerar um dos grandes feitos do grupo sob a encarnação de Seymour, ter aberto shows para o The Cramps em em sua turnê de verão pelo reino Unido.

Poucos shows após sua formação, o grupo enviou uma fita demo com quatro faixas autorais (“She’s So High”, “Dizzy”, “Fried” e “Long Legged”) para os donos da gravadora Food Records. David Balfe e Andy Ross (os donos) conferiram a banda ao vivo e marcaram uma reunião para discutir os detalhes de um contrato de gravação, mas com algumas condições, uma delas era que a banda deveria mudar nome – Seymour era uma homenagem ao romance ‘Seymour: An Introduction’, do escritor norte-americano J.D. Salinger.

Dentre as várias opções: Whirpool, Sensitize, The Shining Path, The Government e outros. Blur foi o nome escolhido, e a banda viria a fazer história na música Pop britânica e mundial com essas quatro letrinhas.

Mas o começo discográfico do grupo não foi bem o que a banda imaginava. Apesar do bom posicionamento dos singles, “She’s So High”, “There’s no Other Way” e “Bang”, o álbum foi recebido com um misto de entusiasmo e desinteresse pela imprensa, além de baixas vendagens. A própria banda viria, posteriormente, a declarar abertamente a sua decepção com o seu trabalho de estreia.

Mesmo com algumas boas canções, o que sobressai em Leisure é a falta de foco. Soa como um apanhado de singles de uma banda que não sabe exatamente qual direção seguir e, por isso, atira para todos os lados que apontam a música britânica da época: Indie-Dance/Madchester, Brit-Pop, Neo-Psicodelia e até mesmo elementos de Shoegaze. “Sing” (que viria fazer parte da trilha sonora do filme Trainspotting), junto com “She’s So High”, é uma das canções antigas utilizadas no disco de estreia.

Embora quase todos os álbuns do Blur uma grande diversidade de sonoridades, a diferença é que aqui a banda não sabe exatamente qual caminho seguir, inclusive por conta das exigências e direcionamento musical determinado pela gravadora, que por um lado queria que a banda seguisse pela sonoridade Madchester (batidas dançantes e guitarras viajadas), em alta nas raves. A quantidade de produtores (Steve Lovell, Steve Power, Stephen Street, Mike Thorne e a própria banda) foi outro fator que pesou no resultado final Leisure. Apesar disso, foi com essas canções que o grupo entrou nas paradas do Reino Unido pela primeira vez.

A capa do disco, um de nossos pontos de maior de interesse (fazendo jus ao nome dessa Coluna), é parte de uma foto de 1954, para um artigo sobre toucas de natação da revista de foto jornalismo Picture Post. A foto chama-se “Swimming Hats” e pertence a uma série chamada ‘Glamour In The Swim’, ela mostra duas jovens com touca de natação, próximas a uma piscina. A autoria é do fotógrafo Charles Hewitt (1915-1987).

O original pertence atualmente à Hulton Picture Company e foi utilizada sob licença e manipulada pela empresa de design Stylourouge (responsável pelas capas do Blur), adicionando por cima da imagem o logo estilizado da banda, também criação do estúdio. Essa parceria entre o Blur e Stylorouge chegaria ao fim após The Great Escape, álbum de 1995.

Sobre Charles Hewitt, também conhecido como Charles Harry ‘Slim’ Hewitt, há na Internet bastante fotos em preto e branco de sua autoria, a maior parte delas retrata o “british way life”, o estilo de vida britânico: música, esportes e cultura. Mas as informações sobre sua vida e obra são parcas. Seu estilo fotográfico, influenciado pelos movimentos sociais da década de 30, é geralmente associado ao Realismo. A sessão de fotos batizada de ‘One Day With Salvador Dalí’, um conjunto riquíssimo de fotos do pintor surrealista espanhol, feitas em 1955, com Dalí e sua esposa (e musa) Gala, em sua casa, também para a Picture Post, é outro de seus trabalhos comumente lembrados, junto com as fotos de Billie Holiday, feitas em 1954.

Ter uma de suas fotografias estampada na capa do disco do Blur, certamente atraiu muitos curiosos em busca de mais informações sobre seu trabalho, que de lá pra cá deve ter sido bastante revisitado. Muitas de suas fotos podem ser encontradas nesse link.

Essa arte de capa (assim como o videoclipe de There’s No Other Way) se tornaria emblemática ao longo da carreira do Blur, ao capturar a vida cotidiana britânica. Esse seria um conceito a ser explorado posteriormente em outros trabalhos do grupo, inclusive nas letras de Damon Albarn. Esse senso de identidade seria reforçado a partir de Modern Life’s a Rubish (1993), por conta também de uma turnê pelos Estados Unidos, em 1992, onde sentiram-se totalmente deslocados. “Comecei a escrever canções que criaram uma atmosfera inglesa”, afirmou Albarn em entrevista.

Comentando sobre o álbum, no documentário No Distance Left to Run (2010), o vocalista ponderou sobre seu disco de estreia com o Blur: “Graças a Deus, foi uma época em que você poderia fazer um disco que não era bom e não seria descartado no minuto seguinte”.

+++ Leia o Especial sobre capas icônicas criadas por Vughan Oliver para a 4AD

Não tanto ao Inferno quanto Albarn acredita, e não tanto ao Céu quanto foi aclamado por publicações como Revista Q, que na deu cinco estrelas ao álbum quando do seu lançamento, Leisure é um disco a ser compreendido como uma estreia marcada pela pressão e inexperiência do grupo, e com momentos muito bons e outros nem tanto.

Apesar disso, o disco aponta alguns caminhos que seriam seguidos pelo quarteto, e tornou-se  importante para muita gente, inclusive para Chris Martin (Coldplay) que, alguns anos depois, buscaria em “Sing” a inspiração para o  quarto álbum de sua banda , Viva La Vida Or Death And All His Friends (2008), citando-a como uma faixa “incrível”.

Enfim, como já dito em um outro texto: “um começo desajeitado, mas significativo”, e com uma capa que se tornou icônica.

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2 Comments

  1. elan
    18/10/2023

    Simon Rowntree?

  2. 18/10/2023

    Dave!

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