Focado em diálogos, ‘Entre Mulheres’ é pura sororidade e força textual


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“Por que o amor – a ausência do amor, o fim do amor, a necessidade do amor – resulta em tanta violência?”

Alguns filmes crescem depois que terminam. Alguns levam dias e até semanas nesse processo de digestão. E essa é a exata sensação após maturarmos todo o impacto do verborrágico e claustrofóbico drama, Entre Mulheres (2022).

Indicado a Melhor Filme e vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, o longa retrata um assombroso fato verídico no qual inúmeros estupros foram cometidos por vários homens numa comunidade cristã isolada e ultraconservadora. As mulheres eram drogadas com tranquilizantes de vaca e estupradas durante a noite. Ao acordarem, se viam cobertas de sangue e hematomas.

Os homens da comunidade, diziam que elas eram castigadas por Deus e possuídas pelo demônio para pagarem por seus pecados. E elas, no fervor da fé cega e da ignorância, acreditavam. O detalhe mais incômodo é que apesar das roupas de época e do fato destas mulheres não saberem ler ou escrever e viverem como no século retrasado, sem conhecimento ou acesso a nenhum tipo de tecnologia, isso aconteceu em 2010!

Após algumas mulheres engravidarem, outras testemunharem os estupradores fugindo furtivamente e uma delas atacar seu agressor com uma foice, a verdade incômoda é finalmente revelada e “aceita” por todas.

O filme parte de um exercício parcialmente imaginativo, no qual estes estupradores são detidos por alguns dias e diante da iminente libertação deles sob fiança, as mulheres da comunidade se reúnem num celeiro para, refletir, discutir, dialogar e votar em uma das três opções abaixo:

1. FAZER NADA

“Se nós não perdoarmos estes homens, abriremos mão do nosso lugar no céu”

É o que defende a personagem vivida pela Frances McDormand. Por conta de sua religiosidade, ela acredita que o perdão deve estar acima de tudo. Além disso, o perdão é algo que os homens da comunidade exigirão de suas mulheres ao voltarem para casa. O perdão forçado através de uma religiosidade rasa e sem Deus.

Neste momento inicial do filme, a diretora e roteirista premiada Sarah Polley estabelece a ambientação bucólica, o ritmo cadenciado e o tipo de dinâmica teatral que exigirá de suas formidáveis atrizes.

O filme se passa em grande parte dentro de um celeiro, o que reforça a dinâmica de uma peça de teatro e será movido pelo embate de percepções e ideias, numa estrutura na qual os diálogos densos e muito bem escritos ultrapassam as barreiras cenográficas limitadas e são proferidos em monólogos desconcertantes, ora gritados com raiva e revolta, ora sussurrados numa doçura quase inacreditável devido as circunstâncias.

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2. FICAR E LUTAR

“Eu me tornarei uma assassina se eu ficar”

Constata com desesperança a personagem da Jessie Buckley, que já atacou seu agressor anteriormente e treme de raiva só de imaginar a possibilidade de permanecer ali. Combativa e pronta para atitudes extremas, ela se recusa a crer que Deus desaprovaria qualquer atitude violenta para com seus agressores e para com os agressores de suas filhas e amigas.

O contraponto à passividade é muito bem defendido por esta personagem, assim como pela personagem da Claire Foy, pois assim como a fé, a raiva também pode cegar. A força dessas personagens deixa uma interessante imprevisibilidade no ar, que será muito bem utilizada pelo roteiro no decorrer da trama.

3. PARTIR

“Perdão pode parecer com permissão”

Reflete a pacífica personagem interpretada docemente pela Rooney Mara, que tenta entender tudo pelos olhos amorosos da fé em um Deus justo..

A sensibilidade com a qual a diretora e roteirista Sarah Polley trata esses temas tão difíceis é extremamente assertiva ao não focar nas agressões, mas nas reverberações das mesmas. Talvez se esse assunto fosse tratado por uma direção imatura, teríamos apenas uma obra ofensiva ao sexo oposto, mas felizmente não é o caso.

+++ Leia a crítica de ‘Os Fabelmans’, de Steven Spielberg

Mas, apesar de todos os acertos citados, o filme conta com uma cinematografia menor do que a que o roteiro pedia. A fotografia, injustificadamente desbotada, acaba cansando os olhos. As poucas locações também cansam, podendo dar a falsa impressão de que a história não avança. Num filme que é basicamente movido a diálogos, proferidos por mulheres fortes, e deveria ter como cenário as locações mais lindas e a fotografia que melhor casasse com o brilho intenso de suas preciosas vozes.


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Título Original | Ano: Women Talking | 2022
Gênero: Drama
País | Idioma: Estados Unidos | Inglês
Duração: 1:56 h
Classificação: 14 anos
Direção: Sarah Poley
Roteiro: Sarah Poley
Elenco: Rooney Mara (Ona), Judith Ivey (Agata), Emily Mitchell (Miep), Kate Hallett (Autje), Liv McNeil (Neitje), Claire Foy (Salome), Jessie Buckley (Mariche), Frances McDormand (Scarface Janz) e outros.
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

 

 


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2 Comments

  1. Rocque Moraes
    15/03/2023

    Parabens pela resenha !

  2. 15/03/2023

    Obrigado pela leitura e pelo retorno!

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