Surgida na efervescente Recife da década de 90, mais precisamente em 1994, a banda Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Todos Inúteis, com pouco tempo de formada logo começou a chamar a atenção de público e crítica. Reza a lenda que a banda participou do Recife Rock Show, se apresentando como duas bandas, a própria Jorge Cabeleira e Os Mordomos, ficando em segundo lugar e terceiro lugar, respectivamente. Não demorou para que conseguissem contrato com uma grande gravadora, a Sony Music através do selo Chaos, que lançou o primeiro e homônimo álbum em 1995.
A banda preza pela fusão do autêntico som nordestino, o Baião, com o Rock de tons setentistas de bandas como Led Zeppelin, com o Punk Rock, e resgatando o trabalho de nomes da música nordestina como Zé Ramalho, Alceu Valença e Luiz Gonzaga, de quem fizeram um medley com “Cheiro de Carolina” e “Xote das Meninas” em versão Hardcore que acabou se tornando seu maior hit, alcançando o primeiro lugar no programa Disk MTV.
A recusa em mudarem para o Sudeste e as mudanças no mercado fonográfico nacional fizeram com que o contrato com a Sony fosse pro espaço. Sem gravadora, levou um bom tempo para a banda se recuperar e conseguir lançar seu segundo álbum, Alugam-se Asas para o Carnaval (2001). Em 2014, em comemoração aos vinte anos da banda, lançaram a coletânea Trazendo Luzes Eternas, que compila canções dos dois primeiros álbuns e duas inéditas.
No ano passado, após um hiato de aproximadamente dezoito anos sem lançar um novo disco, a banda lançou seu terceiro álbum, intitulado simplesmente Jorge Cabeleira III (2019), com a retomada dos elementos que fizeram parte da história da banda desde as primeiras canções e adicionando novas referências musicais, incluindo da World Music e Reggae.
Conversamos o guitarrista e vocalista Dirceu Melo, falou sobre o processo de criação do novo álbum, projetos paralelos, dificuldades de sobreviver de música no Brasil, e contou também o que levou a banda optar em continuar morando em Recife e não irem para o Sul do país, na década de 90.
Primeiramente, o que pode falar a respeito do novo trabalho?
R: O que eu acho do disco… bom tem vários aspectos em relação ao disco. Se for em relação ao aspecto musical, eu acho que é um disco ótimo! Não é difícil não curtir o próprio disco que você acabou de fazer? Mas, enfim, na verdade esse disco é a grande razão da banda ter voltado a trabalhar de três anos para cá. A banda estava parada muito tempo, voltamos em 2015, ou melhor, em 2013, se eu não me engano, para fazer alguns shows pelo Brasil. Lançamos já um material inédito naquela época, e depois acabou parando de novo, todo mundo com outros trabalhos também e tal.
De três anos para cá, me deu vontade de dar uma atualizada na música da Jorge Cabeleira ao mundo de hoje. Como é que a gente soaria em todos os aspectos, como a gente se portaria gravando, compondo depois de tanto tempo sem ter feito isso, a gente lançou o segundo disco logo no início dos anos 2000. Então eu sentia essa vontade, já tínhamos voltado, já estávamos fazendo alguns shows, pô já tinha movimentado a banda, já tava se encontrando para ensaiar e tudo mais e aí me deu essa vontade de compor material novo.
Vocês não lançavam um registro de estúdio desde 2000, como foi a produção desse disco com as entradas de Everton Belisca (bateria) e Ricardo Leão (guitarra)? De que forma essa nova formação influenciou na composição e sonoridade?
R: Pro material novo, chamei o Coelho, o Mesel, que são os membros originais, e expliquei: “Vamo fazer, cara. Tamo tendo uma condição aqui de gravar”. O pessoal topou, a única condição que eu queria era que a gente fizesse realmente um disco que a gente pudesse se orgulhar depois? Do mesmo jeito que hoje em dia a gente olha para trás e se orgulha muito do primeiro e segundo disco. Então, assim, o terceiro tinha que ser tão bom quanto, pelo menos no nosso gosto?
Sim, claro! Claro que a formação influencia em tudo? São os meninos tocando ali com a gente na realidade. O Belisca gravou as baterias, mas as guitarras foram praticamente todas gravados por mim. Eu tava a fim de fazer um trabalho completo de guitarra e tal. O Djalma, o produtor do disco que coproduziu o disco com a gente, (Djalma Rodrigues) que é músico também (guitarrista) e produtor residente do Casona Studios, acabou fazendo comigo sessões lá.
Passamos vários dias fazendo guitarra, e chegou uma hora que eu nem aguentava mais, a cabeça já tava cansada. O ouvido também! E ele é um ótimo músico, super amigo da gente, também super alinhado com a gente, ele: “Velho, faz aí uma guitarra assim assado”. E o curioso é que ia gravar, eu sentava no computador para gravar, descansando a mão e tudo mais, e aí ele ia gravar a guitarra, muito bacana todo esse processo. Então, assim, voltando à pergunta original, a gente não gravava desde 2001, já falei isso respondendo a pergunta anterior. E é isso, processo foi superbacana.
Vocês tinham lançado dois discos excelentes. No primeiro, conseguiram a combinação perfeita entre Baião, Punk Rock, Forró, Hardcore e riffs ledzeppelianos. No segundo, revitalizaram o legítimo rock nordestino criado por Alceu Valença nos anos 70, muito mais sujo e dançante que o primeiro álbum. E neste terceiro disco, com influências do Rock e da Psicodelia nordestina da década de 1970. Como foi essa transição entre os álbuns para chegar neste atual?
R: Pois é, cara, houve grandes mudanças de um disco para outro. Do primeiro até o terceiro. No primeiro tem a gente… na verdade essa base de rock setentista, é nossa principal base como banda, como formação desde o início, desde antes quando nem éramos Jorge Cabeleira. Essa coisa do Rock setentista, o Punk Rock, Sex Pìstols, Ramones, e aí principalmente o Led Zeppelin, Jimy Hendrix, The Doors, Television, e o Pixies, que é mais recente. Essas bandas eram as que faziam a cabeça da gente quando garotos. E em determinado momento eu comecei a me interessar pela música nordestina. Comecei a jogar o Baião na guitarra e essa foi a semente original de fusão que transformou a gente, que apontou para a gente no caminho saindo do rock “normal”, tradicional, digamos assim, para uma coisa de fusão, e foi onde a gente achou o nosso som.
E começamos a fusão do Rock com o Baião de forma crua no primeiro disco. Do primeiro pra o segundo disco, já foram cinco anos de intervalo, a gente já tinha descoberto, e curtindo, e absorvendo muito, muito mais ritmos e muito mais músicas de artistas de referência? Funk, Reggae, Dub, e principalmente o Blues também, de forma mais orgânica. Como o Blues é a origem do Rock foi mais profundo no Rock. E com isso chega trazendo o Blues mais para perto também. E depois disso, um grande ato né onde cada um foi para um canto, eu comecei a trabalhar com produção de eventos, tive um outro grupo chamado Eta Carinae, onde continuava comigo também o lance do Rock com o Baião, com o diferencial (na verdade essa é minha linguagem, o meu som na guitarra que eu busco) de já não ser mais tão pesado demais, mas tava lá a Psicodelia, e tinha como novidade o Samba e o uso de batidas eletrônicas.
E com essa banda eu passei dez anos excursionando pela Europa e tendo a experiência de festivais de World Music, conhecendo gente de todo lugar do mundo. Isso sempre me fascinou!
Coelho, por outro lado, se aprofundou na produção de música eletrônica. É um puta produtor de música eletrônica que tem vários projetos, com muita gente bacana, e enfim é natural, a pessoa vai mudando e vai absorvendo coisas novas e isso também se traduziu no terceiro onde você percebe a coisa da World Music. Você percebe o eletrônico, a música com Arábica que Coelho fez as bases dela e usando a escala árabe, trouxe uma coisa oriental ao World Music. Com o acréscimo da base eletrônica e tocar de uma forma Rock, enfim. Esse tipo de fusão doida que a gente adora fazer, e o terceiro disco é como os dos dois primeiros. É um retrato da gente, da nossa época, de quem a gente era, do que a gente ouvia, do que a gente gostava! Como todo músico, isso deve ser um retrato dos músicos do momento ali do momento.
Com esse disco, já se vão, nos meus cálculos, vinte e cinco anos de banda (me corrija se eu estiver enganado), como você avalia a trajetória da banda? Já fizeram essa auto-avaliação?
R: Cara, nunca fizemos, paramos para sentar e fazer uma avaliação, sabe? Vivemos o momento! Se tem uma coisa que a gente não pode ser culpado é de não ter vivido o momento, né? No primeiro disco nós éramos, digamos assim verdes! A gente surgiu na cena e cresceu muito rápido. Saímos do nosso ensaio na casa do Davi, nosso baterista original, que infelizmente não está mais entre nós. Saímos ali dos ensaios de estúdio e apresentações em pequenas festas de amigos, de turminhas e tal, para participar de um festival tirando o primeiro e segundo lugar!
Surgimos como uma grande revelação do Manguebeat e fomos crescendo vertiginosamente, aproveitando muito essa época, tocando que só no Brasil. Clips constantes no disque MTV, afinal era a parada de sucesso naquele momento. Entramos no disque MTV entre os 10 e depois foi subindo e subindo, quinto, quarto. Teve um dia que bateu o segundo, e depois o primeiro lugar no mesmo dia se nós vivemos tudo isso aí! Fomos/éramos muito verdes não soubemos administrar aquela grande oportunidade, aquele grande sucesso que a gente tinha.
A gravadora chamou a gente para ir morar no Sudeste e a gente não queria morar lá, pois não queríamos perder as raízes daqui, de estar em Recife vivendo todo aquele momento mágico que foi viver a cena Manguebeat dos anos 90, nos divertimos demais tocando aqui. Ir prestigiar os shows de outras bandas, enfim. Recife era um lugar muito foda de estar e viver toda aquela efervescência! Tínhamos esses privilégios e a gente não quis ir embora pro Sudeste, não quis deixar para trás a nossa ligação musical, isso foi um grande erro, no sentido de termos perdido essa oportunidade.
Foi uma época que as gravadoras começaram a declinar, cair, e elas começaram a cortar custos, e foi numa dessas que a gente saiu da Sony! Foi um baque muito grande para gente, pois demoramos demais para nos reerguemos desse baque. E depois então, nos reerguemos, reunimos a banda, Davi saiu da banda, Beto Legião já tinha saído. Davi foi morar nos Estados Unidos, e o Joaquim entrou, foi quando a gente começou a cozinhar ideias para o segundo. Lançamos o segundo disco numa época que o mercado independente também ainda não existia direito. Era o fim das gravadoras, e o mercado de música independente que hoje é uma coisa orgânica e que existe, consolidado e forte. Esse mercado movimenta um público bacana, movimentando dinheiro e tudo mais. No Brasil, ainda não existia na nossa época. Com isso, acabamos lançando o segundo disco e, também para procurarmos outras coisas, acabamos nos separando novamente.
Então, na verdade, não é uma avaliação que fizemos da nossa carreira. Teve uma época mais intensa e que começou com o primeiro disco, os primeiros anos foram bem intensos, depois levou até o momento do segundo, e terminado o segundo aí a gente realmente resolveu fazer uma pausa. Cada um escolheu o que queria fazer da vida, trabalhar com outras coisas, tomar seus rumos e tudo mais. E isso também acabou desembocando agora no momento que resolvemos juntar e tal.
E já estamos meio até que um pouco separados porque eu tô morando em Portugal agora. Embora eu fique indo e voltando para o Brasil por causa dos meus negócios que estão lá, os eventos. A gente tá tocando de forma mais esporádica ainda, e é isso nunca nos sentimos, na verdade, quando a gente tinha 18, 19 anos, que estávamos meio que no auge, nunca nos sentimos na obrigação de estar numa carreira ou de ir atrás daquele espaço determinado de cada banda porque a gente estava vivendo e curtindo um momento. A gente procurou realmente desenvolver uma carreira quando tivemos que trabalhar de forma independente pro segundo disco. Mas aí o mercado nacional ainda não dispunha de força.
Você conseguir circular as informações não era tão fácil como é hoje, digamos assim. Então isso não permitiu que construíssemos um bom prosseguimento de mídia e de alcance de massa.
Você sai uma gravadora como a Sony e vai trabalhar no mercado independente que ainda é incipiente, é novo, então é uma queda, isso não estimulou a gente permanecer no mercado musical, digamos assim, com a Jorge Cabeleira. Então cada um foi em busca de outras coisas. Tivemos experiências para fazer um planejamento, juntar banda, juntar recursos, articular gravar e tudo mais e aí estamos trabalhando com as outras coisas: eu com a minha produtora; Coelho com os projetos dele; cada um com suas coisas, o Mesel trabalha com informática, e vamos levando quando aparece uma oportunidade da banda se juntar, quando rola um convite bacana, uma ocasião especial a gente se junta e toca. E é isso aí!
Vocês lançaram discos em intervalos cada vez maiores. Como foi o intervalo entre esses álbuns? Por onde andou a Jorge Cabeleira nesses hiatos? O que podem falar sobre os projetos Eta Carinae e o Suvaca di Prata?
R: Uma parte dessa pergunta eu acho que já respondi lá atrás, na verdade o primeiro projeto mesmo, maior que começou a juntar público e crescer e tudo mais foi o Manga Rosa. Desculpe, na verdade, corrigindo, o Suvaca di Prata realmente surgiu primeiro. O Joaquim, o nosso baterista, que gravou o segundo disco, juntamente com o Coelho e alguns amigos nossos de Recife se juntaram e montaram o Suvaca, que inicialmente era uma banda de versões e que depois chegou a gravar um disco de originais.
O Eta Carinae surgiu já com material original desde o início, e desse eu posso falar mais. É uma banda que eu formei. Antes do Eta Carinae, eu tive a oportunidade de vir para a Europa acompanhando Naná Vasconcelos, inclusive o Coelho também participou, o Igor que chegou a tocar no Suvaca depois. E nessa vinda aqui com o Naná, tive a oportunidade de tocar com ele, nos ensaios, um puta aprendizado. Nessa viagem, pela primeira vez pude entrar em contato e ver que esse mercado aqui da World Music me fascinou, e isso foi que me deu as primeiras inspirações para formar o Eta Carinae. Aí gravamos o Eta Carinae. Conseguimos durante sete ou oito anos, acredito, em quase todos os anos seguidos tocar na Europa, nos Estados Unidos. Tocamos em mais de dez países, em diversos festivais de World Music bem conceituados, algum dos maiores.
Sobre o documentário “A Lenda do Jorge Cabeleira”, como foi para vocês serem os personagens principais e dentro desse mundo apresentar a banda de uma forma que seu publico não está acostumado a ver, com seus dilemas e conquistas?
R: Quanto ao documentário, foi bem legal. Foi idealizado pelo Eduardo Pereira, grande amigo nosso. Também foi músico, tocou na River Raid e era um fã da nossa banda. Ele também trabalha com cinema e vídeo, e convidou a gente. Primeiro pediu autorização para contar nossa história utilizando diversos registros da época e tudo mais, e foi massa, foi uma experiência muito bacana, reviver e rever os vídeos, e depois toda a experiência de passar no cinema, passando na TV a cabo. Foi incrível!
Ainda sobre o documentário, teve um momento muito triste quando vocês falaram sobre a morte trágica de Davi Lima, como foi a perda para vocês, já que estavam planejando para voltarem a ativa?
R: Sobre o Davi, não tem muito que dizer, a perda foi terrível! Além de ser nosso baterista, muito além da vida, o Davi era, é, e foi meu primeiro amigo, desde criança, e foi foda! Nós estávamos voltando e tudo mais, e aí aconteceu. A perda foi absurda, irreparável, ainda mais da forma como aconteceu, com um fio solto que já tinha sido denunciado por moradores que moravam nas redondezas. E a concessionária não fez nada. Envolve problemas característicos do nosso país, desleixo por parte da concessionaria, incompetência.
A coletânea “Trazendo Luzes Eternas”, como aconteceu, de quem veio a ideia para o retorno da banda, e quando vocês perceberam que era o momento certo para esse retorno?
R: Mais uma vez entra em cena aí o Dudu (Eduardo Pereira). A gente estava trabalhando no FIG, Festival de Inverno de Garanhuns, e ele estava fazendo cobertura de vídeo, e eu a produção de palco. Depois do festival, tomando uma cerveja, ele me fez a proposta: Rapaz, por que vocês não voltam? Vamos fazer a banda voltar, fazer show e tudo mais!
Como ninguém tinha brigado, ninguém tinha raiva de ninguém e tal, o Dudu, que tem uma produtora se propôs a assumir esse trabalho de produção e tudo mais. Ele fez o convite e a gente topou. Como eu te falei, nenhuma das paradas e separações pelas quais a banda passou foi por briga entre os integrantes nem nada, foi por consequência mesmo de escolhas de vida e tudo mais. E naquele momento ali, tendo um apoio, uma pessoa se prontificando a organizar tudo por trás e correr atrás de show e tudo mais, a gente topou.
As gravações do novo disco começaram em 2017 e foram até o final de 2018, nesse meio tempo vocês soltaram a canção “Talismã”, e o disco só foi chegar a luz do diz no ano de 2019, teve algum motivo toda essa preparação?
R: Irmão, não teve nenhum motivo para essa preparação, na verdade, a gente fez um disco totalmente independente, então a única coisa que a gente queria realmente fazer um bicho bom, um disco foda, e demorasse o tempo que fosse necessário. Demorou por causa das atribuições de cada um, o que cada um tinha que fazer, além dos trabalhos da banda, não tinha como priorizar. Parar tudo que está fazendo na vida para fazer o disco do Jorge Cabeleira, fomos administrando o tempo e a logística não só nossa, como também do estúdio Casona que foi super parceiro. Tinha também que equacionar os dias que o estúdio podia nos receber, afinal não tínhamos pressa para o disco sair do forno. Por exemplo o nosso segundo disco, passamos mais de um ano também trabalhando nele na mesma situação. Trabalhamos com o estúdio parceiro que deixava agente trabalhar na maioria das vezes em horários Livres, pois tinha outros trabalhos que podiam pagar mais do que a gente, e isso foi comandando o time do disco!
Sobre o lançamento do novo trabalho, vocês pensaram em lançar apenas no meio digital ou sempre pensaram em lançar o disco físico? E como você enxerga essa mudança no consumo de música, onde a indústria musical foi transformada completamente?
R: Sobre o disco, pensamos em lançar digital e também algumas poucas cópias físicas. Fizemos uma tiragem inicial pequena, um total de 500 discos, que tá perto de acabar.
Realmente, a indústria musical foi bastante transformada, principalmente na forma de se consumir música hoje em dia. A maioria desse consumo se dá de forma digital, tirando um pouco da importância do CD. Claro, para quem gosta do CD, de ter guardado, de olhar encarte de ter um autógrafo, esses valores sempre vão existir, mas a forma de consumir música de massa é digital. Isso é uma transformação muito grande, então por isso resolvemos lançar digital, mas também não vamos deixar de fazer o CD, até porque o CD você pode entregar em mãos ou mesmo como se fosse um cartão de visita de luxo!
Falando em Talismã (releitura da música de Geraldo Azevedo e Alceu Valença), parece que foi escrita e musicada por vocês mesmos, como foi fazer essa releitura com a participação de Tagore, um dos novos talentos da música pernambucana, e como se deu esse encontro de ideias?
R: Pois é, “Talismã”! Geraldo Azevedo e Alceu são compositores enormes em Pernambuco e principalmente Alceu com o disco Vivo, foi uma das pedras fundamentais assim por dizer, como referência nossa, como inspiração para nossa sonoridade! Nós somos fãs há muito tempo! Talvez isso explique um pouco o que você falou de se parecer que a música foi escrita e musicada por nós mesmos. É muito natural para gente.
Quanto ao Tagore, ele também faz parte dessa mesma produtora, a produtora do Eduardo, Dudu, que é a Sunset, e Tagore é uma figuraça, cara super gente boa, super talentoso, e que a gente trombou com ele! Trombadas essas por diversas vezes no estúdio, sendo de tomar uma, relaxar, tocar umas músicas, tirar um som. E uma das músicas que uma vez a gente tocou foi essa, “Talismã”, depois quando a gente começou a trabalhar no disco, eu tive a ideia de chamá-lo pra gente fazer junto. Como a gente já tinha tocado junto e tal, um dia lá no violão, fazendo em dueto, fazendo as vozes, e depois foi massa, convidei e ele topou na hora e caiu super bem!
Quando o grande público imagina o artista independente, o faça você mesmo, não é tão simples, a conquista do público é gradativa?
R: Pois é, esse lema do Punk Rock: do it yourself (faça você mesmo) é superpoderoso superbacana, mas quando você vai viver na prática, o que se mostra, é que dá um trabalho dos infernos, que muitas vezes não é recompensado do jeito que tem que ser. A conquista de público é muito difícil, e eu sinceramente preferia que hoje em dia, para ter essa receita da banda, seja ela com venda de discos e shows, precisaria ter uma estrutura por trás, como quando tínhamos gravadora. Alguém para fazer assessoria de imprensa, para cuidar da distribuição e divulgação digital, de escolher alguém para cuidar de agendamento de shows. É muito trampo!
Se diz, não é brincando, que uma banda Ideal hoje em dia tem que ter, vamos lá: um integrante que trabalha com mídias sociais, outro integrante que trabalha com logística, outro integrante que trabalha com o Booking, outro integrante que tenha dinheiro para investir, ou seja, uma banda tem que ser hoje em dia encarada como uma empresa, não dá para simplesmente se juntar no quarto ou estúdio e sair tocando. Essa é apenas a parte divertida da parada. Se você realmente quer ser profissional e atingir cada vez mais seu espaço dentro do mercado, para viver disso, então uma banda tem que ser uma empresa e não é nada fácil!
Sendo uma banda com certo tempo de atividade, vocês percebem diferenças entre o público de quando começaram para o dos dias atuais?
R: Existe uma grande diferença do público, mas acredito que isso não é nada específico para nós. As pessoas mudam, o mundo muda e o público vai mudando. Não vejo isso como uma grande característica do público dos dias de hoje. Acredito que desde que o primeiro artista subiu numa caixa e começou a tocar e o público juntou para ver esse artista, de lá até hoje o público sempre tá mudando. A forma de consumir música sempre vai mudando. Então é isso, o mundo é muito dinâmico. O tempo não para e as coisas vão mudando, você tem que se se adequar. A diferença é que a pessoa provavelmente entrou em contato com música nova, ouvindo na rádio ou com um amigo que mostrou no cassete, um disco de vinil. Hoje temos o Spotify, o Deezer, aplicativos que indicam uma banda nova, uma playlist. Ou até mesmo, você segue a Playlist de um amigo para ver o que o cara tá ouvindo. Tanto mudou a forma de consumir, como a forma de entrar em contato com essas novidades. Mas no final das contas é a curiosidade e a vontade de ouvir música boa, e isso é o que impulsiona tudo isso aí!
O que você têm escutado atualmente? E como toda essa musica influenciou esse novo trabalho?
R: Cara, o que eu tenho escutado atualmente na verdade é muita coisa (Risos). Eu acho melhor falar um pouco do que eu escuto atualmente, e que eu acredito que tenha se refletido de alguma forma no disco. Falo aí de bandas como o Queens of The Stone Age, The Mars Volta, Tame Impala, bandas mais recentes, que tem um quê de Rock Psicodélico, que influenciaram em termos de sonoridade e de timbres guitarra especialmente.
Com esse momento conturbado atual, “O dia que seremos todos inúteis” chegou?
R: Para finalizar, eu acho que nós fomos bem proféticos quando criamos esse disco, O dia em que seremos todos inúteis. E nesse momento aí, vou me ater somente ao Brasil, para não ser tão genérico, você tem um momento onde uma parte da população segue cegamente uma ideologia a outra parte da população segue cegamente uma oposta dessa ideologia, e um bocado que fica no meio que não está de acordo 100% com um lado nem 100% o outro. Eu me encaixo nesse lado aí. Acho que nenhum tipo de tipo de radicalismo é positivo e produtivo! Toda essa discussão não é ideológica, onde a única coisa que se preocupa é atacar o seu oposto e se defender dos ataques do seu rosto. Enquanto isso, nada acontece. Isso acaba virando um Fla-Flu político, e percebo que o povo não está unido contra as questões que realmente importam, em se fazer uma reforma abrangente, um reforma política de Estado, do Judiciário podre que a gente tem no Brasil.
Tudo isso vira uma questão menor diante da suposta empolgação desses opostos que ficam se atacando, e se promovendo o tempo todo. E no meio de tiroteio todo fica quem não é a favor de nenhum dos opostos. Mas, enfim, você não consegue uma união do Povo. O que o Brasil precisa, na minha leitura, é muita coisa, e que a gente jamais vai conseguir isso através das mãos dos nossos políticos, por que o problema são eles. Essa classe política, o sistema político que é formatado desde o início para favorecer a impunidade, para favorecer a corrupção. E em vez do povo se unir para atacar isso, que é o cerne da questão, ficam se atacando. Enquanto isso os políticos ficam com suas vidas de privilégios. Ficam lá do alto estimulando esse tipo de atrito porque só faz bem para eles, e o povo continua, infelizmente, sendo gado, seguindo cegamente seus mitos preferidos, esses falsos profetas, esses escrotos que só pensam neles mesmos no final das contas. E só pensam em se manter no poder, apenas exercer o poder simplesmente pelo poder! E é isso!
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CRÉDITOS | Introdução: Luciano Ferreira/Isaac Lima :: Entrevista: Isaac Lima
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