Jorge Cabeleira e o Dia Que Seremos Todos Inúteis


“Quando Led Zeppelin encontra Luiz Gonzaga”

Os anos 90 no Brasil foi uma época estranha em vários aspectos, o país vivia uma liberdade que não acontecera nas décadas anteriores, passando por mudanças políticas, comportamentais e culturais. Ao mesmo tempo, uma avalanche de novidades começou a pipocar para a população brasileira.

Nesse cenário, as bandas oitentistas, do tão celebrado rock brazuca, não davam pinta de que iam continuar com o mesmo sucesso de outrora, muitas dessas acabaram reduzindo seu tamanho, saindo do mainstream e se dedicando a circuitos mais alternativos, enquanto algumas poucas conseguiam se manter com relativo sucesso.

Já chegando na na década de 90, muitos discos foram produzidos em diferentes regiões brasileiras. Destas, algumas preciosidades, não tão famosas quanto outras que habitaram a cena musical do país naquele período, mas com uma diferença: tinham dados seus primeiros passos em anos anteriores com discos essenciais, como exemplo o “Supercarioca”, dos Picassos Falsos. As bandas que começaram a fazer sons que tinham influências de fora, mas ao mesmo tempo adicionando referências dos movimentos regionais que sempre permearam a cultura brasileira.

Duas dessas bandas foram Chico Science e Nação Zumbi (hoje sem o nome do seu idealizador, sendo conhecida apenas como Nação Zumbi), e Mundo Livre S.A. Surgidas em um dos cenários musicais mais produtivos do país naquele período, a região metropolitana de Recife, um caldeirão de efervescência cultural e musical, que tinha como pano de fundo um movimento chamado de MangueBeat. Recife despontava com uma quantidade de bandas de diferentes sonoridades e estilos musicais. Muitas ficaram no ostracismo, apesar de serem excelentes – a exemplo do Sheik Tosado – que revelou o cantor China -, Devotos do Ódio (hoje Devotos), Mestre Ambrósio (que revelou o grande Siba), dentre tantas outras.

Surgida na mesma safra do movimento, mas com uma musicalidade que não tinha muito a ver com o movimento dos caranguejos, havia a banda Jorge Cabeleira e o Dia que Seremos Inúteis, que influenciada pela cultura psicodélica nordestina, chamou a atenção pela sua sonoridade, algo de rock antigo meio retrô, hard rock, blues rock, com uma musicalidade que lembrava o Led Zeppelin e o Black Sabbath, sem o excesso de virtuosismo nos solos.

Faziam um som bastante trabalhado e com influências também de sons nordestinos a lá Luiz Gonzaga, Zé Ramalho, Alceu Valença, e letras que versavam sobre a seca nordestina, o diabo como influência de todos os males.

O primeiro disco, “Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Todos Inúteis”, tem participação especial de Zé Ramalho na faixa “Os Segredos de Sumé”, versão do mesmo Zé Ramalho e Lula Cortês, e outra versão da música “Sol e Chuva”, de Alceu Valença, dando novas versões a estas músicas, não parecendo em nada com as originais. O grupo apresentava uma sonoridade ainda em formação, prestes a ser lapidada. O álbum foi produzido pelo ex-Barão Vermelho Roberto Frejat e foi lançado por uma vertente de uma grande gravadora que apostava em artistas ainda em formação.

O segundo disco, “Alugam-se Asas para o Carnaval”, desta vez apenas como Jorge Cabeleira, foi lançado de forma independente. Já mostra uma banda mais coesa, consciente da sua música e com uma maturidade musical impressionante, conseguindo explorar mais detalhes em seu som. Este foi produzido pela própria banda, sem nenhuma interferência de gravadora, saindo da forma que eles pensaram, com as influências do baião mais marcantes e fazendo um casamento perfeito com o hard rock da década de 60 e 70.

Com um instrumental de guitarras distorcidas, que se une a triângulo e sanfona, juntamente com um sotaque carregado e desmazelado, o grupo equilibra a raiva do recifense urbano e do agricultor desprotegido do sertão, alcançando uma sonoridade única e que faz muita falta atualmente. Improvável que surja uma outra banda que consiga essa fusão perfeita de estilos: baião, rock pesado, forró.

Infelizmente finalizaram as atividades em 2002, com os integrantes participando de outros projetos. Mas em 2013 eles resolveram reativar a banda e continuam até hoje.

Em 2014, para celebrar os vinte anos do seu primeiro álbum, lançaram no mercado a coletânea “Trazendo luzes Eternas”, que contém músicas dos dois álbuns lançados e mais duas canções inéditas. Segundo Dirceu (vocalista e guitarrista), “elas nunca tinham sido gravadas profissionalmente, são do período de transição entre o primeiro e segundo disco. Como houve mudanças na formação, essas músicas acabaram no limbo…São as versões originais, que constam no primeiro e segundo discos”, explica.

Para quem deseja conhecer um pouco mais a banda, outro ponto de partida pode ser o documentário “A Lenda do Jorge Cabeleira” (2016), onde através de raras imagens de arquivo e comentários de Frejat, BNegão, Roger de Renor, Bactéria (Otto e ex-Mundo Livre S/A), José Telles (jornalista), Marcelo Pereira (jornalista), Canibal (Devotos) e dos próprios integrantes da banda, recontam a história do grupo sobre uma ótica nada “chapa branca”, não deixando de fora nenhuma informação relevante. O documentário tem oitenta minutos e é dirigido por Eduardo Pereira (responsável por clipes de bandas como Os Sertões e Tagore).

Pode-se dizer que são uma das bandas que comprovam que o lado criativo, o empolgante e o poético nem sempre estão dispostos de uma maneira mais aberta para o público em geral.

:: ÁLBUNS:
Jorge Cabeleira e o Dia em que Seremos Todos Inúteis (1997)
Alugam-se Asas para o Carnaval (2001)
Trazendo as Luzes (2014)

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:: Assista a apresentação da música “A História do Zé Pedrinho”, no Festival Dosol, em 2014

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