‘The Affectionate Punch’, o disco inclassificável do The Associates


The Associates

Na lista de bandas inclassificáveis surgidas entre o final dos anos 70 e início dos 80 – que inclui nomes como Wire, Magazine, The Sound, The Monochrome Set, The Pop Group, só pra citar algumas -, o The Associates (também conhecido como apenas Associates), tem um lugar especial reservado. Embora sejam mais lembrados por Sulk, seu segundo disco, The Affectionate Punch é um álbum que deveria constar no topo dos discos referenciais lançados nos primeiros anos da década de 80.

Geralmente associados ao Pós-Punk, sua citação ou colocação em listas de ícones do gênero oscila entre o nunca e o raramente. O que de bom advém dessa incapacidade de classificação de sua música não é suficiente para superar o aspecto não tão positivo, já que o grupo parece permanecer numa espécie de limbo. Dito de outra forma, seguem como uma cult band a ser descoberta – apesar de passadas mais de quatro décadas desde que debutaram -,principalmente por aqueles que se interessam pelos anos 80, em especial por esse período de fronteiras musicais largas (pós 1978) e graciosamente prolífico em formações fora da caixinha.

Nem de Dublin nem de Humberside (parafraseando “Ask” dos Smiths), o The Associates  surgiu em 1979 em Dundee, cidade portuária da musicalmente fecunda Escócia, lar de alguns atos que irromperam ali mais ou menos no mesmo período: Simple Minds, Altered Images e Orange Juice (Glasgow), Cocteau Twins (Grangemouth), Josef K e The Fire Engines (Edinburgo), só para ficar em nomes contemporâneos da banda de Billy Mackenzie (vocalista) e Alan Rankine (guitarrista), o duo responsável por dar vida ao projeto.

O The Associates começou sua trajetória discográfica com alguma polêmica. A faixa escolhida para primeiro single foi “Boys Keep Swinging” (“Mona Property Girl” no lado B), numa versão não autorizada para uma canção do álbum Lodger, de David Bowie, lançada naquele mesmo 1979. O single atraiu a atenção de Chris Parry, fundador da gravadora Fiction Records (a mesma do The Cure), que ofereceu ao duoum contrato para lançamento de um disco cheio, ao tempo que se escalou para a produção do que seria o único álbum do grupo pelo selo, um braço da gravadora Polydor Records.

Capa de The Affectionate Punch

The Affectionate Punch foi lançado em outubro de 1980. Na capa (a cargo de Bill Smith), o duo aparece em vestimentas esportivas e posições do atletismo. Em entrevista tempos depois, MacKenzie comentou sobre a opção: “… eu relaciono música e emoção com atletismo. Atletismo é muito importante. A capa do nosso primeiro LP ‘The Affectionate Punch’ foi uma maneira de dizer isso, com nós dois curvados juntos no início do uma pista de corrida… Quando eu morava em Londres, eu estava bebendo até mesmo para tentar aliviar o tédio e acabei me sentindo podre o tempo todo. Por isso que voltei para a Escócia e comecei a me exercitar, simplesmente odeio me sentir mal”.

Oriundos do Ascorbic Ones, que compunha música de cabaré, a união dos dois inquietos escoceses sob a alcunha de Associates é um “casamento feliz” entre o timbre barítono de Mackenzie (cuja influência pode ser sentida, por exemplo, no Wild Beasts e até mesmo no Lowlife), que tanto remete a Bowie quanto as peripécias vocais de Russel Mael, dos Sparks; e a versatilidade do multinstrumentista Rankine. E não seria exagero comparar com a parceria entre McCulloch/Sergeant, do Echo and The Bunnymen.

O trabalho de guitarras em The Affectionate Punch mostra uma variedade de timbres e formas de encaixar o instrumento em cada arranjo de uma forma relativamente simples mas ao mesmo tempo criativa e original, seja no uso de riffs angulares (típicos do Pós-Punk), dedilhados ou acordes cheios. Seu estilo mostra conexões diversas, primordialmente com Phil Manzanera (Roxy Music), e se posicionando ao lado de guitarristas icônicos desse período como John McGeoch (atenção em “Paper House” e “Would I… Bounce Back”), Will Sergeant (no single “Boys Keep Swinging”), Andy Gill (em “A Matter of Gender”) ou ao próprio Robert Smith, no solo torto de “Amused as Always” que remete a “10:15 Saturday Night”.

No álbum, Rankine tocou quase todos os instrumentos do disco, exceto a bateria, por conta de Nigel Glockler. E a criatividade em estúdio estava em alta, conforme o músico declarou no documentário The Glamour Chase: “it was great fun. We just never stopped and the ideas just came and came and came”.

A conexão com o The Cure não para no nome de Parry na produção e Mike Hedges na engenharia de som, há a participação de Robert Smith nos vocais de duas faixas, na ótima “The Affectionate Punch”, que deveria estar na lista de clássicos dos anos 80 e “Even Dogs in the Wild”, que o andamento remete ao estilo cabaré de outrora do duo misturado com elementos de Jazz, algo que o The Cure até adotaria em faixas como “The Lovecats”. Outra, Michael Dempsey, entrou para o Associates quando saiu do The Cure.

The Associates
The Associates, já com Michael Dempsey

Sobre a produção de Parry não há como não notar a similaridade com outros de seus trabalhos, especificamente Three Imaginary Boys (The Cure) e o álbum de estreia do The Passions. A sonoridade do disco é crua e garageira (suavizada em algumas faixas pelo uso do piano), com bastante espaços vazios nos arranjos e pouco uso de overdubs, à exceção da faixa que dá nome ao álbum, um trabalho mais esmerado, com sobreposição de vozes, piano e sintetizadores que enriquecem o arranjo, enquanto a letra discorre sobre o que seria um “soco carinhoso”. A sonoridade do baixo é proeminente e o vozeirão singular de MacKenzie é surpreendente pelo domínio técnico e pela capacidade de, mesmo em arranjos mais simples, dar poder e emoção às canções.

Cabe lembrar que, por imposição da Warner (nova gravadora do grupo) e insatisfação da banda, o álbum ganhou uma versão remix em 82 em que as faixas ganharam arranjos mais encorpados, principalmente com uso massivo de sintetizadores, e MacKenzie regravou o vocal das canções. Essa versão, que por anos foi a única disponível em CD no mercado, tem uma sequência diferente das faixas e também a capa, que traz apenas uma foto do guitarrista. A ideia, ao que tudo indica, foi algo como harmonizar a sonoridade seca e garageira do disco original para um formato mais acessível, próximo ao disco de 82, Sulk.

+++ Leia o especial sobre a banda McCarthy

Lamentável que a parceria entre Billy Mackenzie (vocalista) e Alan Rankine tenha sido de curta duração e gerado apenas dois álbuns de estúdio e uma coletânea de singles (Fourth Drawer Down, 1981). Rankine deixou a banda em 1982, após a turnê de Sulk, depois que Mackenzie recusou um contrato de 900.000 libras com a gravadora Sire. Segundo Rankine, Billy lhe disse que não queria fazer uma turnê mundial. Mas o mais trágico na história do Associates foi o suicídio de um depressivo MacKenzie (um apaixonado por cães), em 1997, aos 39 anos.

O legado da banda continua.


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