Longa de Daniel Bandeira, com Malu Galli, ‘Propriedade’ é um filme repleto de tensão e violência
Propriedade é um filme indigesto e merece ser elogiado por isso. O filme se faz indigesto através da promoção do mal-estar causado por uma verdade ainda difícil de digerir: a nítida divisão do Brasil a partir de questões econômicas. Ricos e pobres estão cada vez mais separados e os ricos exploram cada vez mais a mão de obra dos pobres. Essa realidade, entretanto, é tão difícil de aceitar, pois o neoliberalismo maquia o conceito de pobreza e promove um discurso onde não a exploração simplesmente não existe. Por isso é tão indigesto, e tão difícil aceitar que nós somos explorados.
Em Propriedade, entretanto, existe um despertar da classe trabalhadora que só reage devido a uma circunstância bastante complexa, mas não muito incomum. Descobrindo que não são donos da terra (por mais que trabalhem nela há décadas) e nem mesmo de suas casas, eles precisam deixá-la, mas só após quitarem suas dívidas. Esse povo não tem dinheiro, não possui muitos pertences, nem mesmo documentação. Diante da condição, partir não é opção para a maioria deles, principalmente se for de mãos abanando. Cria-se assim uma reivindicação por seus direitos que se manifesta, principalmente, através da violência.
Com a evocação da violência desde seu primeiro minuto, Daniel Bandeira dirige um filme que, por mais que seja puro suco de Brasil, perpassa o drama/melodrama e se identifica como um thriller repleto de sequências tensas, cruéis. Porém essa violência provém da própria classe trabalhadora, que faz de tudo que está ao seu alcance para remover a patroa Tereza (Malu Galli) de seu carro blindado.
O amargo, a dificuldade em encarar o filme vem justamente da ambiguidade moral que o conflito causa. De uma reação causada por uma situação desumana com a classe trabalhadora e de um vitimismo de burgueses que visivelmente possuem culpa, mas que podem ser isentados, pois não são as suas mãos que ficam sujas ao explorarem, ao violentarem o trabalhador.
É nessa lógica que Bandeira trabalha os 100 minutos de seu filme. Dessa forma, ao mesmo tempo que entendemos minimamente Tereza, também compreendemos as ações dos trabalhadores em revolta, compreendendo seus atos violentos e sua natureza um tanto dúbia. Nesse sentido, é muito interessante como o Propriedade assume essa ambiguidade, manifestada principalmente através da imagem e de seus simbolismos do que pelo discurso.
Assim, Bandeira trabalha o filme dividindo ambas as classes constantemente. Tereza passa quase o tempo inteiro no carro, intocável e incomunicável. Já em contraposição, os trabalhadores ocupam o lado de fora, tomam a fazenda e estão em todos os lugares, mas sempre impossibilitados de qualquer ato que possa ferir a integridade de Tereza, ou até mesmo, promover um diálogo pacífico com ela.
+++ Leia a crítica de ‘Mato Seco em Chamas’, de Joana Pimenta, Adirley Queirós
Nesse embate crescente, onde a classe trabalhadora ataca para se defender e o carro blindado defende Tereza, os limites da crueldade causada pelo desespero de ambos os lados é o grande trunfo do filme. Em tempos onde toda violência causada por minorias em filmes nacionais precisa ser justificada por um enorme monólogo antes mesmo de acontecer, Propriedade deixa o didatismo de lado, usando da própria violência para falar sobre a violência, para falar de classes e de um país que ainda não exterminou a relação entre Casa Grande e Senzala.
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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
TÍTULO ORIGINAL: Propriedade
ANO: 2022
GÊNERO: Drama, Suspense
PAÍS: Brasil
IDIOMA: Português
DURAÇÃO: 1:40 h
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos
DIREÇÃO: Daniel Bandeira
ROTEIRO: Daniel Bandeira
ELENCO: Malu Galli, Carlos Amorim, Anderson Cleber, Zuleika Ferreira e outros
AVALIAÇÕES: IMDB
O filme apresenta uma violência excessiva e desnecessária. A intenção do autor apresentar a exploração, da qual os trabalhadores são vítimas, é engolida pela voracidade que os próprios agem. Inclusive o comportamento das personagens é análogo a animais ferozes aflorando todo instinto animalesco
Em várias cenas um dos personagens ronca tal que um suíno, além do que perde a fala, isto evidência a ausência de comunicação o que insinua a falta de diálogo e o uso da força física para a resolução dos conflitos.
Acho uma boa leitura sobre os símbolos do filme! Eu só não descartaria os personagens que vão embora por não compactuar com a violência ou aqueles que fazem algo para Tereza por interesse próprio. Nem todos são animais ferozes. Mas sim, para os que ficam, a força física é a única opção, mas mesmo assim, não basta.