Yo La Tengo e Built to Spill: Captando o Indie-Rock em sua essência


Yo La Tengo & Built to Spill

Estava divagando ontem à noite e me dei conta de que nunca havia escrito nada sobre duas bandas icônicas do Indie-Rock americano: Yo La Tengo e Built to Spill. Pensando sobre as semelhanças e diferenças entre elas, resolvi arriscar uma matéria que faz um paralelo da trajetória delas, realçando em tópicos o que as aproxima e diferencia. Vamos lá!

Nomes esquisitos

O batismo dos dois grupos se utilizou de referências da cultura pop. Doug Martsch, o “dono” do Built to Spill, escolheu o nome porque a expressão apareceu em um jogo de videogame que ele costumava jogar com a esposa. Já a expressão “Yo la Tengo” chamou a atenção de Ira Kaplan por aparecer numa anedota famosa sobre jogos de beisebol, com a frase sendo atribuída a um jogador de origem hispânica durante um jogo da década de 1960. Dois nomes esquisitos, sem nenhum sentido em especial e que, com certeza, não contribuíram em nada para que os grupos se tornassem mais conhecidos (o que, provavelmente, foi um dos objetivos dessas escolhas).

Costa Leste x Costa Oeste

O Yo La Tengo iniciou suas atividades em 1984, na cidade de Hoboken (vizinha de Nova York), na Costa Leste americana. Até por isso, suas vinculações estilísticas são com grandes nomes do underground local, como o Velvet Underground e o Sonic Youth. Georgia Hubley, esposa do cantor e guitarrista Ira Kaplan, é a baterista e faz um papel semelhante ao da lendária Mo Tucker, do Velvet. Ela também compõe, toca outros instrumentos e é artista visual. Já o Built to Spill foi fundado em Boise, capital de Idaho, pequeno estado separado do Oceano Pacífico pelo estado de Oregon. O estilo Lo-Fi do Beat Happening (de Olímpia, Seattle) foi uma inspiração tão grande que Martsch formou um projeto paralelo com Calvin Johnson (ícone indie, fundador da K Records e líder do Beat Happening) chamado Halo Benders. O Rock clássico também estava no radar de Doug, bem como a infusão dos solos no mundo indie feita por J Mascis (Dinosaur Jr.).

Anti-heróis da guitarra

Ambas as bandas têm como característica distintiva o uso das guitarras. Doug Martsch tem filiação com a escola de improviso de Neil Young (só que com mais técnica) e adora longas jams. As jams também fazem parte do universo de Ira Kaplan, só que no caso do YLT a pegada é bem noise e minimalista, com uso de pedais de distorção e texturas que vão do climático ao ensurdecedor. Os guitarristas/cantores são incontestavelmente os líderes das bandas, mas a abordagem do YLT é mais democrática e a presença de Hubley é marcante. Quase não houve alteração nos membros do grupo nos quase 40 anos de carreira, o oposto do que aconteceu com o BTS. Martsch concebeu a banda como um projeto individual e já afirmava desde o início que queria mudar de parceiros a cada disco. E foi o que fez. Em 2018 e 2019, por exemplo, os brasileiros Lê Almeida e João Casaes fizeram parte da banda.

Covers

O Yo La Tengo adora gravar versões para músicas de seus artistas favoritos, e o grupo já fez LP´s (Fakebook, Stuff Like That There) com predominância de covers de artistas tão diversos como The Cure e John Cale. Já no caso do Built to Spill, as versões aparecem ao vivo, com destaque para a épica releitura que eles fazem de “Cortez de Killer”, de Neil Young, que aparece no álbum LIVE (2000). Uma curiosidade é um show surpresa no Café Strictch, em San Jose (Califórnia), de 2013, e que está disponível no Youtube. Eles só tocaram covers, com destaque para versões impecáveis para “Here” (Pavement), “Age of Consent” (New Order) e “How Soon is Now?” (The Smiths). Que seleção, hein? Em estúdio, Martsch ainda prestou tributo a Daniel Johnston com um álbum inteiro de versões de canções do excêntrico cantor e compositor alternativo que faleceu em 2019.

I can hear the heart beating as one e
‘I Can Hear the Heart Beating as One’ (YLT) e ‘Perfect From Now On’ (BTS)

Vocais que não agradam a todo mundo

Se existe algum aspecto da música do BTS e do YLT que não se caracteriza como destaque positivo é o vocal. Doug Martsch possui um timbre estranho e meio desanimado, enquanto Ira Kaplan é um pouco mais versátil e consegue imitar de Lou Reed a Jonathan Richman, mas nada muito excitante. Aliás, Georgia Hubley também participa dos vocais do YLT com frequência, e confesso que para mim é difícil distinguir qual dos membros do casal está cantando.

A decisão de assinar com uma grande gravadora

Sucesso comercial nunca fez parte do vocabulário dos dois grupos. O Built to Spill assinou com a Warner depois do segundo disco, e fez suas obras mais famosas durante os mais de 20 anos em que esteve no cast da major (hoje em dia, o BTS tem contrato com a SubPop). Nada que alavancasse muito as vendas ou gerasse um hit. A liberdade criativa garantida fez com que a relação sempre fosse harmoniosa. Já o Yo La Tengo sempre rezou na cartilha independente e consolidou-se como uma das bandas símbolo de uma das mais famosas gravadoras indie americanas, a Matador.

Conteúdo lírico

Apesar das mudanças ao longo da carreira, dá pra definir bem a abordagem lírica do YLT e do BTS em uma única palavra. No caso do grupo de Nova Jersey seria “romantismo” (e a grande fonte de inspiração é o relacionamento apaixonado de Georgia e Ira), enquanto para seu contraparte da costa Oeste o “desalento” seria um bom descritor.

Ápice na década de 1990

Grande parte dos discos indispensáveis das duas bandas foi feito na década de 1990. O Yo La Tengo demorou a encontrar uma identidade. O primeiro grande álbum foi Painful, de 1993 – quase dez anos após montarem a banda. Electro-Pura, de 1995, foi outro grande triunfo, mas a obra-prima incontestável é I Can Hear the Heart Beating as One (1997), um épico que mistura Shoegazer, Bossa Nova, Funk, Folk e mais um monte de coisas, acertando sempre em cheio. O último disco da prateleira de cima de qualidade foi o calmo e introspectivo And Then Nothing Turned Itself Inside-Out (2000). Já o Built to Spill já começou de forma arrasadora com o clássico There’s Nothing Wrong With Love, de 1994. No terceiro álbum, Perfect From Now On, eles atingiram a perfeição (perdão pelo trocadilho) por meio de músicas longas e com toques mágicos da guitarra (Doug também começava a ficar cada vez mais perfeccionista, traço que se acentuou ao longo da carreira). Keep It Like a Secret (1999) foi o maior sucesso de crítica, e nos anos 2000 eles continuaram em bom nível (com destaque para o maravilhoso e incrivelmente pop You In Reverse, de 2006).

+++ Leia notícia sobre o novo álbum do Yo La Tengo e ouça o single “Fall Out”

Os dois grupos estão na ativa. O BTS lançou um disco em setembro deste ano, e o YLT anunciou um álbum novo para fevereiro de 2023. Vida longa a esses pilares da música independente!

E pra quem quer uma introdução à obra das duas bandas, segue uma playlist que mistura um pouco do melhor que eles lançaram ao longo da carreira.

https://open.spotify.com/playlist/1pGcXi1oaho10vxL3NWBfr?si=NMhyIG5CTQGhXN3LdfBOTg&utm_source=native-share-menu

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4 Comments

  1. João Levandeira
    13/11/2022

    Que resenha legal, Daniel. Adorei essa “crossover”.
    Até coloquei pra ouvir aqui pra ler a resenha.

    Grande abraço, meu caro.

  2. Daniel Rezende
    18/11/2022

    Obrigado, João! Fico feliz que tenha curtido. Abraços!

  3. 23/03/2023

    ótimo texto!!!

    amo mt as duas bandas!

  4. 23/03/2023

    Obrigado pela leitura e pelo comentário. São duas bandas queridas nossas. Turmallina também!

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