Oriundo da efervescente cena novaiorquina do final da década de 70 e início da de 80, a mesma que deu ao mundo a icônica banda Sonic Youth, Swans chega com The Beggar ao décimo sexto álbum. Com uma carreira discográfica não tão extensa quanto a sua longevidade – a banda foi formada em 1982 e debutou em 83 com o seminal álbum Filth -, o Swans segue adiante e mantém intactos alguns adjetivos que se tornaram corriqueiros em sua biografia: o não convencionalismo, as experimentações e, a chave mestra, o universo lírico repleto de “imagens” chocantes a cargo de seu fundador, o vocalista e multi-instrumentista Michael Gira, que tem na banda um veículo para suas criações sonoras sempre marcantes.
The Beggar é o sexto trabalho do Swans desde que Gira reformou e retomou a banda em 2010. Após um período de hibernação de mais de uma década, a volta rendeu o guitarreiro e ruidoso álbum My Father Will Guide Me up a Rope to the Sky. Gravado em Berlim, para onde Gira se mudou temporariamente, The Beggar é um disco longo e que foi gestado durante o período de medos e incertezas da pandemia. Ele dá continuidade a sonoridade densa e impenetrável de Leaving Meaning, seu antecessor de 2019, mas agora com o Swans em uma nova formação.
O grupo tece longos arranjos instrumentais para as composições Gira, e em torno disso ele confortavelmente desfila seus versos impostando uma voz grave e monocórdica sobre temas incômodos, como na abertura com a tensão sufocante e clima ritualístico (que permeia grande parte do disco) de “The Parasite”, sobre um “corpo” sendo consumido por um parasita. A finitude é um tema que é retomado ao longo do disco de várias formas, incluindo na melancólica faixa título (The Beggar), onde parece narrar as sensações de alguém no pré e pós morte: “Dois paralelos se cruzam / Só por pensar que estou aqui / Eu logo desaparecerei / Quem se importa e quem sabe / Onde eu estive ou irei?”.
Com mais de duas horas de duração – a faixa “The Beggar Lover (Three)” tem 43 minutos! -, e lançado em vinil duplo, The Beggar tem uma estrutura sonora e instrumentação rica apesar dos momentos de um pseudo minimalismo, quando a voz de Gira (e todo seu discurso em tom apocalíptico) parece ser a única coisa a atacar os tímpanos.
Parte daquele grupo de artistas do incômodo, o novo álbum pode ser facilmente definido como a continuidade da jornada adentro da mente insana de Gira, que persiste em se debruçar sobre perturbadores, o que em muito explica a distância que a banda se mantém dos holofotes. Nas palavras do próprio, suas letras vêm de algum lugar que não é ele, sua participação é qual a de um boneco de ventríloquo, sendo apenas um veívulo.
Apesar de a música ter sido abrandada no quesito barulho, em comparação aos esporros sonoros de trabalhos de outrora, as letras seguem cada vez mais potentes na arte precípua de narrar um cotidiano que se busca tornar invisível (apesar da sua presença constante ao longo da existência humana), logo inenarrável na música pop. Gira torna isso corriqueiro na sua poesia lúgubre, aqui a morte e os vários aspectos em seu entorno. Nesse sentido, não há como não pensar em Memento Mori, do Depeche Mode, pela similaridade temática apenas. A música do Swans às vezes soa mais como um pesadelo do qual se deseja acordar do que qualquer outra coisa.
No conjunto de onze faixas, o grupo se torna menos hermético aos não iniciados em faixas mais “convencionais”, mas não menos perturbadoras, como no ritmo mais acelerado de “Los Angeles: City of Death”, composta durante a pandemia e onde Gira rememora sua adolescência marcada pelo uso de drogas e álcool. E na ambientação épica da retumbante “No More of This”- onde é possível encontrar certa aproximação com o Spiritualized -, onde o tema da morte é retomado sob o viés de alívio pela cessação de tudo, e pela despedida: “Nada disso / Nem raiva, nem medo / Nem amor, nem felicidade / Chega disso…Adeus amantes / Adeus amigos / Adeus filha / Adeus filhos”.
+++ Leia a critica de ‘Hey What’, do Low
The Beggar é um álbum com uma enorme força emotiva, com letras recheadas de versos fortes, e com um tema quase unidimensional. Para além da rica instrumentação, recheada de elementos orquestrados, é possível encontrar traços de Psicodelia, Pós-Punk e Nick Cave & The Bad Seeds. E até há uma conexão com o The Velvet Underground, na visceral “Why Can’t I Have What I Want Any Time That I Want?”, onde Gira narra com de forma intensa a sua luta contra o vício do álccol: “Eu ainda sinto você em minhas veias, puro e refinado, enquanto eu me enfurecia… Dê-me mais, dê-me mais / Sou seu suplicante, sou sua prostituta / Estou inconsciente no chão”.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 2023
GRAVADORA: Young Gods Records
FAIXAS: 11
DURAÇÃO: 2:01h
PRODUTOR: Michael Gira
DESTAQUES: “The Parasite”, “Los Angeles: City of Death”, “No More of This”, “Why Can’t I Have What I Want Any Time That I Want?”
PARA FÃS DE: Nick Cave & the Bad Seeds, Einstürzende Neubauten, Experimentalismo
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