Gosto de bandas que se arriscam logo após chegar ao ápice. Nos anos 90, tivemos inúmeros exemplos: Nirvana, confrontando a parte pop com o In Utero; Alice In Chains, porcionando o soturno e a depressão em doses cavalares em Dirt, dentre outros. Pouco se falou, porém, dos riscos corridos pelo Soundgarden – e talvez essa tenha sido a banda que mais se arriscou durante os 90.
Surgida em 84 em Seattle, os primeiros álbuns da banda tiveram uma orientação bastante inclinada para o Heavy Metal, especialmente para um estilo Black Sabbath – nunca negado pelos guitarristas e vocalista, Kim Thayil e o saudoso Chris Cornell.
Em 94, chegaram ao ápice do sucesso, com Superunknown, um álbum que mesclava todas as influências Heavy Metal com Psicodelia sessentista e setentista, entregues numa produção impecável e com grandes hits.
Para Down On The Upside, o álbum seguinte, de 1996, a banda sofreu um racha em sua matriz: Cornell e Thayil não entraram em acordo sobre as direções que o primeiro queria adotar no novo álbum: mais psicodélica, com mais experimentos em suas camadas sonoras. Sai Black Sabbath, entra, claramente, Led Zeppelin: experimentos eletro-acústicos psicodélicos, sem a ênfase de até então nos riffs marcados e pesados de Thayil, foi a idéia proposta por Cornell, aparentemente rechaçada pelos demais.
A perda de Kurt Cobain e Layne Staley – avessos à fama – é sugerida nos dizeres de “Pretty Noose”, poderosa canção que abre o álbum, com um riff sinuoso e com uma letra que sugere conflito pessoal, um não querer lidar com a coroa deixada ao léu pelo Grunge, e os conflitos pessoais de Cornell e da banda como unidade, são postos à prova no álbum.
De imediato, a crítica e fãs – que esperavam um Superunknown II – rechaçaram. Uma audição atenta, porém, expõe a fragilidade conflituosa que cercava Cornell.
“Burden In My Hand”, o segundo single; e “Blow Up The Outside World”, o terceiro, escancaram conflitos de dependência e depressão – temas recorrentes nas letras de Cornell, mas aqui tratados de forma explícita. A primeira lida com a tentação e a fraqueza de lidar com os vícios, enquanto a segunda, literalmente, é Cornell encarando a morte, numa interpretação absolutamente de tirar o fôlego com o poder de interpretação do vocalista.
Compassos “descompassados” evocam momentos à lá John Bonham, mostrando a versatilidade do excepcional baterista Matt Cameron, como na agradável “Rhinosaur”, e na nervosa “Never The Machine Forever” – sendo essa a única composição de Thayil. Ben Sheppard aparece em 6 das 16 composições, em contraponto ao momento tenso entre Cornell e o guitarrista.
Os acenos ao Zeppelin reaparecem com força em “Dusty”, que faria bonito em Led III ou Physical Graffiti. Outro excepcional momento do álbum é na veloz e furiosa “Ty Cobb”, um Hardcore a mil por hora, cheia de ódio, vocais berrados e solos de bandolim.
Os fãs de longa data não ficam desamparados: Thayil, mesmo a contragosto, entrega momentos sublimes de guitarras em “Tighter & Tighter” e na pesada “No Attention”.
Down on The Upside é experimental, ousado e nada moderado, quando pensamos nos rumos que o Rock estava tomando em 1996. Mantém as características da banda: riffs potentes, linhas melódicas, vocais sempre cativantes, mas dessa vez ousando em trazer elementos acústicos para compor camadas sonoras.
+++ Na coluna Prazeres Plásticos, leia sobre ‘The End of Silence’, do Rollins Band
O Soundgarden, em conflitos, encerraria a carreira no ano seguinte (retornando mais tarde, em 2009). Somente o tempo, sempre reparador, nos deu entendimento do quão ambiciosa e grandiosa era essa obra, incompreendida em seu tempo, mas tão impressionante nos dias de hoje.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 1996
GRAVADORA: A&M Records
FAIXAS: 16
DURAÇÃO: 65:56
PRODUTOR: Soundgarden, Adam Kasper
DESTAQUES: “Blow Up The Outside World”, “Ty Cobb”, “Dusty”, “Pretty Noose”, “Never The Machine Forever”
PARA FÃS DE: Heavy Metal, Grunge, Stoner Rock, Black Sabbath, Led Zeppelin
Vlw muito a resenha !
Obrigado pela leitura e pelo retorno, Rocque.
Na minha opinião é o segundo melhor deles fácil. Prefiro o “Superunknown”, deixo em terceiro o “Badmotorfinger”. Já esse, esse é denso e tenso, com um som encorpado. O que dizer de “Zero chance” e da quase epitáfio “Boot camp”? Se eles eram voltados a Black Sabbath no primeiros discos e foram considerados os Beatles fazendo grunge (por Dave Grohl) com “Superunknown”, nesse eles foram de Led Zeppelin, e porque não Ramones e Pink Floyd? Enfim, um disco bem produzido, bonito e o fim de uma era (que depois já não era, e hoje é).
Perfeita análise! Grato pela leitura!