Dramas familiares existem aos montes, assim como filmes que denunciam formas de discriminação, como racismo e LGBTQIAP+fobia. Com um mercado tão aquecido quanto o gênero dramático, é fácil encontrar filmes que se assimilam, que parecem seguir uma mesma estrutura mesmo que as histórias sejam completamente distintas. Quando existe uma visível padronização, é fácil encontrar filmes que podem até partir de premissas velhas, mas que se destacam ao se apossar das possibilidades que a arte do cinema permite para fazer algo diferente. Afinal, o mais importante em uma história é como ela é contada, e a diretora de Os Cinco Diabos, Léa Mysius, entende isso.
Os Cinco Diabos tem aquela velha história sobre um retorno não desejado. A depender do filme, a figura incômoda guarda um grande segredo, com a sua chegada há mudanças consideradas negativas ou ela simplesmente existe enquanto o outro projeta desconfianças. Também, a depender do filme, seguimos o indesejado ou o inconformado, geralmente aquele que melhor se adapta ao que quer ser mostrado. Dessa maneira, no filme de Mysius, acompanhamos achegada de Julia (Swala Emati) à casa do irmão Jimmy (Moustapha Mbengue), situação que incomoda a filha Vicky (Sally Dramé) que nota a reação negativa de sua mãe, Joanne (Adéle Exarchopoulos). A história, entretanto, não será apresentada por Júlia ou Joanne, e sim por Vicky, que é tão inocente quanto nós nessa experiência.
Com tal proposta, Mysius propõe uma mistura entre Drama, Ficção Científica e Thriller para, aos poucos, ir nos revelando o que aconteceu naquela família. Vivendo seu próprio pesadelo com o retorno da tia, Vicky volta no tempo e começa a acompanhar acontecimentos que ocorreram anteriormente ao seu nascimento. O drama, dessa forma, se constrói no intercalar entre presente e passado, no preenchimento de lacunas e na construção de uma reparação sobre algo que ainda não sabemos. Precisamente sobre o ir e vir de Vicky, a diretora é muito concisa sobre o que nos mostrar no passado e o que nos exibir no retorno. As escolhas, além de serem benéficas, com perguntas sendo deixadas sem respostas, favorecem e engrandecem a força do elenco adulto, que tem, no presente, autoridade para tomada de decisão.
No elenco adulto, Adéle Exarchopoulos brilha. A atriz parece desempenhar dois papéis distintos: a de uma jovem cheia de vida e expectativas e a de uma adulta presa em uma rotina chata em que sua melhor amiga é a filha. O filme perpassa a todo momento sobre sua figura, tanto pelo olhar místico de adoração de sua filha, quanto pelo fim dele. Sua atuação, dessa maneira, também é bem crua, acompanhando a percepção de que o mundo dos adultos é um mundo realmente feito para adultos, onde crianças não são capazes de ler expressões com precisão. Diferente das crianças que praticam racismo com Vicky e possuem tons de atuação bem exagerados, as reações adotadas por Adéle, assim como para o resto do elenco adulto, são dosadas, favorecendo ainda a história contada pela visão de uma criança.
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Em seu segundo filme, Mysius entrega um filme surpreendente pela sua originalidade. E, convenhamos, é disso que o Cinema precisa.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
TÍTULO ORIGINAL: The Five Devils
ANO: 2022
GÊNERO: Fantasia, Drama, Thriller
PAÍS: EUA
IDIOMA: Francês, Inglês
DURAÇÃO: 1:43h
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
DIREÇÃO: Léa Mysius
ROTEIRO: Paul Guilhaume, Léa Mysius
ELENCO: Adèle Exarchopoulos, Swala Emati, Sally Dramé, Moustapha Mbengue, Patrick Bouchitey, Daphne Patakia e outros
AVALIAÇÕES: IMDB | Rotten Tomatoes
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