Com olhar feminino, ‘How to Have Sex’ fala sobre liberdade sexual e seus enfrentamentos


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‘How to Have Sex’, estreia da diretora Molly Manning Walker, fala sobre liberdade sexual feminina e os limites que homens vivem ultrapassando

As comédias ‘‘besteirol’’ que deixaram de ser populares no início 2010 parecem ter dado lugar ao seu antídoto. Digo isso considerando as comédias que foram surgindo ao longo da nova década, como Fora de Série, mas também produções dramáticas. O drama se apoderou de comuns eventos/situações presentes nessas produções de comédia, sempre escrachadas e altamente sexuais.

Por mais que as produções dramáticas não respondam diretamente ao besteirol, podemos ver na distinção de ambas as marcas de um Cinema que possui gênero. Mas não gênero no sentido cinematográfico e sim gênero na definição da biologia. Nos últimos anos, mais mulheres ganharam notoriedade dirigindo filmes e, desta forma, mais temas sensíveis a indivíduos que se identificam como mulheres, foram surgindo. Quero dizer com isso tudo que os dramas ou comédias dirigidas por mulheres vem contando os mesmos eventos presentes em filmes de besteirol, mas com uma perspectiva completamente diferente, oposta.

How To Have Sex tem personagens femininas com motivações similares aos nerds de American Pie, aos nerds de SuperBad e ao quarentão de O Virgem de 40 Anos. No entanto, a maneira como a diretora Molly Manning Walker quer falar sobre sexo é diferente. Tara (Mia Mckenna-Bruce), Sky (Lara Peake) e Em (Enva Lewis) viajam para a Grécia, para um lugar cheio de festas com o interesse de perderem a virgindade. Mas Walker não quer tratar essas mulheres como nerds, inocentes e sem-jeito com homens (e mulheres). Muito menos deseja inverter os papéis de gênero, como uma possível afronta a essas comédias machistas e consequentemente nosso mundo real. Walker quer falar sobre liberdade sexual feminina e os limites que homens vivem ultrapassando.

Para isso, How to Have Sex começa de uma maneira bem interessante. A diretora aposta bastante na artificialidade que beira até a uma possível igualdade de gênero. Homens, mulheres, não-bináries estão todos em uma posição onde assédios, desrespeitos e crimes que estão atrelados a questões de gênero simplesmente não existem. Assim, Walker nos vende uma juventude que apenas liga para bebidas, sexo e drogas. E a sua cinematografia vai acompanhá-la na venda dessa imagem, os minutos iniciais de How to Have Sex são banhados a luzes neons e a um ritmo acelerado, acompanhado de trilha sonora eletrônica. Cria-se, dessa forma, uma artificialidade bem característica de filmes que querem vender sexo e apenas isso.

Mas, dentro dessas festas e afloramento juvenil, Walker começa a nos mostrar suas verdadeiras intenções, exibe para nós o porquê de ter ganhado o prêmio Un Certain Regard em Cannes. Assim, o que começa com Tara apenas se sentindo desconectada dos ambientes que frequenta, se transforma em uma narrativa sobre abuso sexual. E é aí que Walker dá outros rumos à narrativa.

Enva Lewis, Mia McKenna-Bruce e Lara Peake em How to Have Sex (2023)
Enva Lewis, Mia McKenna-Bruce e Lara Peake em How to Have Sex (2023)

Optando sempre pelo diegético, há um trabalho louvável de conseguir exacerbar a melancolia e insegurança em meio a uma construção dentro da própria narrativa do filme, que está apontando constantemente o contrário. Quando se tem essa escolha formal, quando tudo que vemos e ouvimos também é notado pelos personagens, ou seja, estão no universo do filme, as intenções podem não sair como o planejado ou podem ser mal executadas, mas aqui há uma efetividade enorme. Walker insere facilmente o drama de Tara, que continua imersa no ambiente, ao mesmo tempo que consegue ser isolada, e apresenta uma desconexão com aquele mundo.

Essa efetividade também depende da ótima atuação de Mia Mckenna-Bruce. Seu papel aparenta corresponder a uma proposta que está sempre voltada ao corpo, a valorização ou sua violação, afinal, assim como o sexo e o silenciamento, ela deixa que seu corpo fale por ela. Assim, a própria situação que muda os rumos da produção é sugerida apenas por olhares, pelo acuamento e perceptível abatimento. Nada é dito.

Não dizer funciona duplamente na narrativa. Walker não precisa ser didática conosco, não precisa de diálogos reveladores para nos colocar a par da situação. E as meninas, imersas naquele mundo, precisam sim deixar claras suas intenções para com seus interesses sexuais, mas, às vezes, não propriamente com palavras.

Entretanto, cabe também um empenho duplo. Se é necessário a nossa atenção para entendermos o que ocorre com Tara sem ela nos dizer, é também necessário que os personagens masculinos do filme entendam que, quando um ‘‘não’’ não parece convincente (isso quando consegue ser dito), o corpo fala, ele luta ou não reage.

+++ Leia a crítica da série ‘Euphoria’, da HBO

Denunciando como os homens possuem grave dificuldade em entender a liberdade sexual feminina e a autonomia das mulheres em escolherem seu próprio parceiro(a), How to Have Sex é um filme poderoso. Molly Walker tem um grande longa de estreia.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: How to HAve Sex
ANO: 2023
GÊNERO: Drama
PAÍS: Reino Unido / Grécia
IDIOMA: Inglês
DURAÇÃO: 1:31 h
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
DIREÇÃO: Molly Manning Walker
ROTEIRO: Molly Manning Walker
ELENCO:  Mia McKenna-Bruce, Lara Peake, Enva Lewis e outros
AVALIAÇÕES: IMDB

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