As expectativas em relação ao trabalho solo de um vocalista emblemático são conhecidas: se vai soar como sua antiga banda ou se mudou radicalmente. É sempre assim. Para o artista a tarefa é árdua: manter o padrão de qualidade da antiga banda e, além disso, não soar como, nem todos conseguem essa proeza.
Bernard Sumner (New Order) já cantou na letra de “All the Way” que “leva anos para se encontrar o ponto chave, para se afastar do que você fez, para encontrar a verdade dentro de si e não depender de ninguém”. Brett Anderson demonstra em seu debut trilhar o caminho certo para isso, passa tranquilo pelos testes. Mostra muito mais o quanto sua banda dependia de sua inspiração e se reafirma como um dos grandes vocalistas surgidos nos anos 90. Não por acaso o Suede foi apontado como sucessor dos Smiths e ele o Bowie dos 90’s.
Sua voz continua a mesma, porém mais contida que nos tempos do Suede, sem afetações, se bem que no último álbum da banda já seguia essa tendência. Musicalmente não há segredos. Cercado por um time de primeira, que inclui o quarteto de cordas Dirty Pretty Strings, a ênfase passou para os luxuosos e arrebatadores arranjos de cordas que perpassam quase todas as canções. Sem Bernard Butler (Suede, The Tears) ou Richard Oakes (Suede) como parceiros, o vocalista assumiu a guitarra e o piano e assinou todas as composições, emplacando um punhado de canções pungentes, onde se destacam as baladas cheia de intensidade, que certamente não irá agradar àqueles fãs do Suede ou do The Tears, ávidos por guitarras glam rock, que podem até se decepcionar com a profusão de violinos e violoncelos.
Brett Anderson, o álbum, é de uma sobriedade e melancolia impressionante e começa com o olhar reflexivo de seu autor na foto que ilustra a capa, a cargo do lendário Peter Saville, onde são perceptíveis as marcas dos excessos no rosto de Brett, apesar dos apenas 40 anos. ‘Tentamos criar algo humano e vulnerável’, explica o vocalista. Gestado em paralelo com o álbum do The Tears, seu projeto em parceria com Bernard Butler carrega inexoravelmente o peso da perda do pai de seu autor, falecido em 2005 e homenageado na faixa ‘Song for my Father’. As letras estão mais pessoais e refletem sensações de incompatibilidade, perda e procura e chegam a bater no consumismo.
Nos anos 60, os Beatles, em sua fase hippie, cantaram que tudo que precisamos é de amor. Nos 80, Ian Curtis cantou o amor como motivo da separação, enquanto Morrissey a impossibilidade do mesmo. Nos 90, Bono descobriu que o amor é uma cegueira. Nesses tempos em que diariamente algo parece morrer dentro de nós, “Love is Dead” vai direto na ferida, cantando a morte do amor, enquanto sorrisos imaginários brotam no rosto de pessoas de plástico.
A faixa é uma das mais antigas, vem sendo executada pelo vocalista desde 2004, é envolta num clima de dramaticidade e tristeza, e será a primeira a ser lançada como single (em 12 de março). Por curtos instantes o Suede de ‘A New Morning’ vem à memória graças a ‘One Lazy Morning’. Surgida a partir de um arranjo simples, ganha contornos mais elaborados com a ajuda de piano e teclados e das cordas e um refrão meio gospel que conclui com a frase ‘One lazy morning i’m gonna find Jesus in me’.
Para os que estão à caça de algo que lembre o Suede em sua fase inicial, encontrarão “Dust And Rain” e “Intimacy”, duas faixas com timbres de guitarra e progressão de acordes no melhor estilo glam rock, que no fim soa mais como o The Tears, é só prestar atenção nos riffs de guitarra. “To The Winter” (marcante), “Infinite Kiss” (uma das preferidas) e ‘The More We Possess The Less We Own Course’ em sua sofistiçação lembram o Tindersticks ou Scott Walker. Aí se percebe que a idéia foi criar um álbum pop cheio de elegância, charme e doses precisas de glamour ao melhor estilo Brian Ferry ou David Bowie. Tire a prova disso nos acordes profundos de ‘Scorpio Rising’, com a guitarra envenenada pelo delay, cadenciamento lento, backing vocals cheios de dramaticidade, e que tanto pode servir de trilha para um namoro em tarde de domingo como para levantar memórias de relacionamentos desfeitos de outrora. Novamente o amor é deixado pra trás porque ‘é só um jogo para passar as horas’, diz a letra.
+++ Leia a crítica de ‘Love in the Time of Recession’, do The Durutti Column
Completando o álbum, duas faixas curtinhas, a ardorosa declaração quase à capela de ‘Colour of the night’, que ameaça um clima épico, e a despretensiosa, mas não menos marcante ‘Ebony’. Por fim, a homenagem ao pai – uma perda que marcou bastante o cantor – na balada tristonha ‘Song for my father’, onde a orquestração tece uma trama de cortar corações, enquanto Brett parecer expurgar a dor da perda.
Alguns provavelmente chamarão o álbum de sentimentalista, outros dirão que Anderson está velho e já não tem o mesmo pique de antes. Tudo isso é verdade, apesar de não ser um demérito, afinal quando as primaveras vão se acumulando sob os nossos ombros somos empurrados para ambientes que jamais imaginávamos estar, ninguém consegue entrar e sair ileso dos dissabores, relacionamentos rompidos e perda de entes queridos. Traduzir esses sentimentos em forma de canção e torná-las universais sem cair na autocomiseração é para poucos, Anderson é um deles.
FAIXAS:
01. Love Is Dead
02. One Lazy Morning
03. Dust and Rain
04. Intimacy
05. To the Winter
06. Scorpio Rising
07. The Infinite Kiss
08. Colour of the Night
09. The More We Possess the Less We Own of Ourselves
10. Ebony
11. Song for My Father
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