O mote pode de ‘Infiltrado na Klan’ pode parecer surreal: em 1978, um policial negro, Ron Stallworth (John David Washington), através de ligações telefônicas, consegue fazer contato com um dos membros da Klu Klux Klan, marcando um encontro e, posteriormente, passando a fazer parte da organização. Se o mote é surreal, o primeiro ponto a se esclarecer é mais surreal ainda. Como Stallworth obviamente jamais seria aceito pela seita, em acordo com os superiores, fica decidido que em seu lugar será enviado o policial branco Flip Zimmerman (Adam Driver).
É o tipo de roteiro que parece ter saído da cabeça de um Michael Gondry, mas o filme do diretor norte-americano Spike Lee se baseia no livro Black Klansman: Race, Hate, and the Undercover Investigation of a Lifetime, do policial de Colorado Springs (CO), Ron Stallworth, lançado em 2014. Ou seja, Infiltrado na Klan é baseado numa história real. O longa acompanha o início da trajetória de Stallworth desde o momento em que se apresenta para entrevista no Departamento de Polícia da cidade, que até então não possuía policiais negros, mas que resolveu adotar uma política de cotas para as minorias, nas palavras de um de sues entrevistadores ele seria o primeiro passo “para abrir o caminho da diversidade” dentro do Departamento.
Após participar de uma missão e convencer seus superiores de que não há perigo algum dentro do Movimento Negro Estudantil, retorna para sua rotina de trabalho, quando ao pegar um jornal local se depara com um anúncio constando o telefone de contato da Klu Klux Klan do Colorado.
Desde o início fica perceptível que, mesmo abordando um tema sério, o filme de Lee buscaria adicionar os chamados “alívios cômicos”, e eles estão espalhados em momentos diversos ao longo das mais de duas horas de duração de Infiltrado na Klan. Esse alívio está lá nas perguntas sem sentido da entrevista inicial de Stallworth, já no início, e também no último telefonema que ele dá para David Duke (Topher Grace), um dos líderes da KKK, já no final do filme.
Lee faz de seu filme, desde as primeiras cenas, um manifesto contra a discriminação racial. Em paralelo, mostra a trajetória da KKK desde os seus primeiros dias até os atuais.
Na abertura, utiliza uma famosa cena em plano geral do clássico E o Vento Levou (1939), mostrando soldados feridos num grande campo de batalha, onde a bandeira dos confederados, símbolo dos estados sulistas e escravagistas, tremula; e no inflamado discurso racista do fictício Dr. Kennebrew Beauregard (Alec Baldwin) em frente a um projetor que mostra cenas do filme O Nascimento de Uma Nação (1915), de D. W. Griffith, para muitos um clássico do cinema, mas que Lee mostra como um dos grandes responsáveis pelo ressurgimento da Klu Klux Klan com maior intensidade.
SPOILER
Mesmo com o teor biográfico da história, o diretor imprime seu estilo de direção, seja na sobreposição dos rostos sob um fundo escuro, seja no uso do movimento dolly de câmera, que faz com que o ator flutue no ambiente.
Apesar de centrado nos movimentos do Stallworth infiltrado na Klan, o filme apresenta um segundo núcleo, o do movimento negro estudantil, ancorado na figura da ativista Patrice Dumas (Laura Harrier). A fluidez com que transita entre esses núcleos mostra um belo trabalho de edição. Exemplar ao alternar a reunião promovida pelos membros da KKK e a promovida pelo Movimento Negro, onde é narrado o linchamento brutal de Jesse Washington e influência do filme de Griffith influenciou no acontecido.
Lee já havia retratado em outro filme a maneira como os negros foram representados de forma preconceituosa por muitas décadas em Hollywood, em Bamboozled (2000). E já havia tratado do tema do preconceito em Faça a Coisa Certa (1989) e O Verão de Sam (1999). Aqui ele expõe de forma mais forte sua aversão ao preconceito e ao ódio racial, ao inserir, nos minutos que antecedem os créditos, cenas reais dos acontecimentos na cidade de Charllotesville, inclusive o atropelamento de uma multidão que protestava contra o racismo, e que deixou várias pessoas feridas e causou a morte de uma jovem.
Em entrevista recente, o diretor afirmou que o filme já estava pronto quando viu as cenas do ocorrido na TV e resolveu inseri-las. Há também imagens de falas de Donald Trump e de David Duke.
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Com boa dose de humor e certo sarcasmo, Infiltrado na Klan é um dos filmes mais contundentes de Spike Lee nas últimas décadas, mostra o diretor em boa forma e interessado em falar de temas sérios que recrudesceram não só nos EUA mas ao redor do planeta.
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Biografia, Crime, Drama
Duração: 2h15min
Direção: Spike Lee
Roteiro: Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott e Spike Lee (Baseado no livro de Ron Stallworth)
Elenco: John David Washington, Adam Driver, Alec Baldwin, Robert John Burke, Harry Belafonte, Laura Harrier e outros
Data de lançamento: 22 de novembro de 2018 (Brasil)
Censura: 14 anos
IMDB: Infiltrado na Klan
Gostei do filme, inclusive no final onde Lee mostra que nada mudou e que os movimentos segregacionistas continuam a todo vapor. E isso choca tanto quanto o filme todo. Considerei bem interessante essa parceria de John David Washington e Adam Driver (quem sabe mais filmes com os dois no futuro) e essa parte onde as cenas entre a reunião da KKK e do Movimento Negro estudantil são intercaladas ficaram realmente sensacionais. Boa resenha sempre instigando aquela vontade de ver o filme.