O Black Midi deveria estar satisfeito com a boa e inesperada repercussão de Schlagenheim (2019), álbum de estreia que os levou a um monte de lugares, inclusive o festival Glastonbury, o Mercury Music Prize, e teria trazido os rapazes para um passeio pelas Américas, com passagem pelo Brasil, não fosse pela Pandemia.
Mas não é bem assim.
Nos quase dois anos que separam o debute e Cavalcade, seu mais novo trabalho, o grupo se viu confrontado com situações que os levou a se reinventarem: o quarteto, virou um trio, com o guitarrista/vocalista Matt Kwasniewski-Kelvin, afastado por problemas de saúde; e o processo de composição, baseado em jams, marca registrada do grupo, se tornou entediante e fez com que mudassem o modus operandi.
Esse processo orgânico de construção das canções, baseado em improvisos, conquistou uma boa fatia de público e agradou de modo geral a imprensa. A quebra do paradigma de canções estruturadas em verso-refrão-verso-refrão promovida pelo grupo e a ausência quase completa de melodias, de modo um tanto inusitado, mostrou-se atraente e alentadora um público em busca de uma banda com canções baseadas em guitarras mais que fosse não se restringisse apenas a isso.
Ao acenar com uma sonoridade inclassificável e sem limites, baseada em mudanças repentinas (do leve e contemplativo ao atordoante e caótico) o Black Midi ofereceu um caleidoscópio musical rico e multifacetado, verdadeiro quebra-cabeças de ritmos e estilos que jogou uma batata quente nas mãos de quem ousasse desvendar ou rotular sua música baseada em uma tensão crescente em busca do momento de catarse. Math-Rock? Post-Rock? Art-Rock? Pós-Punk? Prog-Rock? Experimental-Jazz? Fusion?
Que cada um junte as peças musicais apresentadas de acordo com seu manual pessoal e construa sua própria explicação. Isso é bem contemporâneo.
Apesar de surpreendente, não se pode dizer que o que grupo faz é novo. O Menomena já fazia algo semelhante em 2007, no subestimado Friend and Foe. A construção de arranjos com estruturas musicais abstratas vem de longe, Sonic Youth e várias bandas da cena No Wave novaiorquina (da qual o SY fez parte) experimentaram nesses caminhos. Kim Gordon (vocalista e baixista do SY) também seguiu por aí em seu álbum de estreia solo, priorizando o uso da eletrônica. Na atualidade, Black Country, New Road é a banda mais próxima sonoramente do Black Midi. Amigos, eles já dividiram os palcos algumas vezes, e até já se apresentaram como: “Black Midi, New Road”.
Além de se reinventar como grupo e compositores, resolveram mudar de produtor, sai Dan Carey e entra John “Spud” Murphy e Marta Salogni (responsável pela produção em John L). Para quem busca pistas em artes de capa, a substituição do monocrático por um colorido caótico de imagens distorcidas na capa do disco, cortesia de David Rudnick (responsável também pela capa do álbum anterior e dos singles da banda), entrega as mudanças da banda, jovens em idade (pouco mais de 20 anos), mas maduros na forma como tratam a sua música.
O novo álbum resulta desse processo de amadurecimento e mudanças, parte forçada, parte planejada, soando como uma tentativa de criar uma ordem dentro do caos que costuma tomar conta nas canções do grupo. Segundo Geordie Greep, o vocalista e guitarrista, eles queriam mais drama no novo disco. E é isso o que eles oferecem, uma acentuação da tensão (elemento sempre presente na sonoridade da banda) e mais momentos de drama e também de calmaria.
O disco tem apenas oito canções em que se esparramam uma enormidade de ideias e elementos sonoros, camadas de instrumentos que se somam às estruturas oscilantes dos arranjos, mais uma vez conduzidas de forma magistral pela bateria de precisão matemática de Morgan Simpson, tanto nos momentos mais explosivos (John L), quanto nos mais suaves (Marlene Dietrich) ou de puro exercício técnico (Chondromalacia Patella e Dethroned). Embora um trio, há um grupo de músicos convidados no disco, que são responsáveis por trazer toda a gama de elementos e instrumentações às canções.
+++ CRÍTICA | Black Country, New Road – For The First Time
Entre a continuidade e a mudança, o Black Midi optou pela segunda. Cumpriram o desafio sem se desviarem de sua rota, Cavalcade se distancia de Schlagenheim em vários pontos, se aproxima em alguns outros, mas mantém o grupo dentro de sua trilha tortuosa e que exige muitas audições pra entender suas retas e curvas, ou seja, seguem desafiadores.
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 26/05/2021
GRAVADORA: Rough Trade
FAIXAS: 08
TEMPO: 42:24 minutos
PRODUTOR: John “Spud” Murphy e Marta Salogni
CURIOSIDADES: Em entrevista o vocalista Geordie Greep afirmou que com o tempo todos ficaram entediados com o primeiro álbum | A ideia inicial era trabalhar com vários produtores | A versão japonesa tem faixas bônus: “Despair” e “Cruising”
DESTAQUES: “John L”, “Chondromalacia Patella” e “Ascending Forth”.
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