Superchunk e Merge Records – dois ícones do Indie Rock


Foto da banda Superchunk

O Rock Independente, ou Indie, ganhou força na virada da década de 1970 para 1980, como fruto do movimento Punk. Gravadoras pequenas começaram a operar e absorver uma infinidade de novas bandas que foram encorajadas a entrar no mundo da música após ouvirem Sex Pistols ou Ramones e constatarem que não era necessária muita habilidade musical para conseguir um lugar ao sol dentro desse novo cenário que se desvelara.

Enquanto na Inglaterra as gravadoras independentes eram geralmente centradas em um manda-chuva simbólico – Tony Wilson (Factory), Ivo Watts-Russell (4AD), Alan McGee (Creation), Geoff Travis (Rough Trade) -, nos EUA várias delas eram formadas pelos próprios músicos, que não tinham outra forma de divulgar seu trabalho. Jello Biafra (Alternative Tentacles), Greg Ginn (SST), Calvin Johnson (K Records) e Ian MacKaye (Dischord) são alguns exemplos.

No final da década de 1980, mais precisamente em 1989, o então casal Mac McCaughan (vocais e guitarra) e Laura Ballance (baixo) fundou duas instituições do Indie Rock americano: a banda Superchunk e a gravadora Merge. Localizados em Chapel Hill (Carolina do Norte), fora dos grandes centros culturais do país, a banda e o selo possuem uma trajetória exemplar e uma contribuição monumental à música independente.

Logo de cara, o Superchunk lançou pela Merge um single antológico, Slack Motherfucker, em que McCaughan despeja sua raiva em um colega de trabalho preguiçoso: “I’m working, but I’m not working for you”.

O primeiro álbum, homônimo, saiu no ano seguinte pela gravadora Matador (que, em breve, iria se tornar a maior e mais importante gravadora independente americana), e, embora irregular, apresentava as credenciais do grupo: riffs velozes, melodias e refrões chicletudos e uma envolvente mistura de punk e pop com energia juvenil, que ajudaram a consolidar uma cena relevante em Chapel Hill – com destaque para o incrível Archers of Loaf.

No Pocky for Kitty, do ano seguinte, elevou o padrão de qualidade a outro patamar. Produzido pelo mago Steve Albini, o álbum não tem nenhuma faixa mediana, e gerou clássicos do Indie como “Skip Steps 1 & 3”, “Cast Iron” e “Seed Toss”, fechando com a brilhante “Throwing Things”. On the Mouth veio dois anos depois e não deixou a peteca cair. A entrada do baterista Jon Wurster deu um gás ainda maior à seção rítmica, notável em petardos como “Precision Auto” (título perfeito para o ritmo alucinante) e “Swallow That”.

O contrato com a Matador havia expirado e havia uma proposta na mesa para uma renovação. Só que a Matador tinha crescido muito e fechado uma distribuição com a gigante Atlantic. Avessos a qualquer ligação com a grande indústria musical, Mac e Laura sentiram que era o momento de dar força para o próprio selo.

Foolish (1994), o LP de estreia pelo própria gravadora que haviam criado (se não contarmos a maravilhosa coletânea de singles, lados B e raridades Tossing Seeds, de 1992), representou um ponto de inflexão na sonoridade da banda, em grande parte decorrente da separação do casal (eles, no entanto, continuaram trabalhando juntos no grupo e na gravadora). Repleto de músicas lentas e tristes, é um disco mais maduro e assombrado pela fossa decorrente do divórcio e dos litros de álcool que Mac vinha ingerindo. Favorito de grande parte dos fãs, tem como destaques as baladas “Like a Fool” e “Driveway to Driveway” e a monumental “The First Part”.

Mac McCaughan & Laura Ballance, Merge Records
Mac McCaughan & Laura Ballance, fundadores da Merge Records

Enquanto isso, a Merge se fortificava com lançamentos de artistas underground originais e aclamados pela crítica, como Polvo, Lambchop e, sobretudo, com a cultuada obra-prima de fuzz folk, In the Aeroplane Over the Sea (1998), do Neutral Milk Hotel.

Em 1995, o Superchunk lançou o quinto álbum, Here is When the Strings Come In – um título irônico e que anunciava um desejo de diversificar um pouco mais a sonoridade. O quase hit “Hyper Enough” (com clipe que tocou bastante na MTV) e a pesadíssima “Detroit has a Skyline” são duas das melhores canções da discografia da banda, e o disco se destaca mesmo é por uma produção um pouco mais limpa, mas com sonoridade que ainda seguia a mesma cartilha desenvolvida no álbum que o precedeu. Ainda em 1995, saiu Incidental Music, coletânea de singles e raridades de 1991 a 1995, que é essencial para qualquer fã e contém faixas clássicas, como “Shallow End” e “Baxter”.

As inovações começaram pra valer em Indoor Living (1997) com a inclusão de floreios como instrumentos de sopro e teclados (a faixa de encerramento, “Martinis on the Roof”, é sensacional e tem uma letra engenhosa sobre impulsos suicidas), e foram incrementadas em Come Pick me Up, de 1999, que teve produção de Jim O’Rourke, músico de vanguarda que iria ficar notório na década seguinte por suas parcerias com Sonic Youth e Wilco.

A banda dava sinais de perda de fôlego criativo, e Here’s to Shutting Up (2001) evidencia isso até no nome. Começava aí um hiato de nove anos. Com o Superchunk na geladeira, a Merge decolou de forma surpreendente e se consolidou como uma das gravadoras indie mais relevantes do mundo. No cast do selo passaram artistas como Spoon, Camera Obscura, Teenage Fanclub, Bob Mould, Waxahatchee (o belíssimo Saint Cloud, de 2020), Dinosaur Jr. e Lou Barlow, mas o ponto de inflexão foi a descoberta dos canadenses do Arcade Fire. Os três álbuns deles na década de 2000 tiveram um sucesso estrondoso (especialmente The Suburbs, vencedor do Grammy de álbum do ano de 2010) e a reputação da Merge se espalhou pela cena alternativa.

O retorno do Superchunk aos estúdios foi glorioso. Majesty Shredding (2010) é uma coleção de canções pop saborosas e agitadas, e que pareciam ter sido feitas por um grupo de jovens iniciantes, tamanha a energia envolvida. As letras, no entanto, revelavam uma perspectiva de quem já chegara na meia idade, incorporando uma visão calejada do mundo e um interesse sutil por problemas sociais e política que iriam se cristalizar nos anos seguintes, especialmente no contundente e vigoroso What a Time to Be Alive (2018), marcado pela fúria com a ascensão de Donald Trump ao poder.

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Em 2022, o quarteto voltou aos estúdios e nos brindou com Wild Loneliness, um dos álbuns mais diversificados e cheios de ideias da carreira de mais de 30 anos. Comprovando a fama de queridinhos da cena alternativa, congregaram um monte de convidados especiais para as gravações, como Norman Blake e Raymond McGinley (Teenage Fanclub), Sharon Van Etten e Mike Mills (R.E.M.). Eles não mostram sinais de que irão diminuir o ritmo, mesmo já tendo conquistado o status de lendas do mundo Indie.


ASSISTA O DOCUMENTÁRIO ‘MERGE RECORDS: 25 YEARS IN 24 MINUTES’

 

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