Se você acompanha a carreira dos britânicos Suede desde o lançamento do seu homônimo e brilhante primeiro álbum, em 1993, então deve estar na faixa do quarenta anos. Tente lembrar como você era naquela época, vinte e cinco anos atrás. Trace uma linha de lá até aqui e verá o turbilhão de acontecimentos pelos quais passou: partidas e chegadas, perdas e ganhos, dores e alegrias, picos e vales que moldaram o seu eu atual e, de alguma ou várias formas, distanciou seu eu atual do daquela época.
Do jovem intrépido e “imortal” de outrora ao adulto sobrecarregado de responsabilidades que começa a sentir os sinais da idade das mais variadas formas, incluindo as cicatrizes indeléveis na alma. Das canções sobre o sábado a noite e suas possibilidades às lembranças de quando éramos jovens e “assustávamos o céu com olhos felinos” às conversas com a própria sombra com as mãos sobre a cabeça. Você envelheceu, tendo amadurecido ou não, e a importância que dá às coisas que lhe cercam também mudou, assim como suas preocupações.
Diante disso você pode seguir em frente, ciente de que as coisas não podem mais ser como antes, apesar de sua essência estar mantida, ou pode embriagar-se diariamente em saudosismos que não lhe permitem dar passos à frente e libertar-se do passado.
Você não está só, os britânicos do Suede também compartilham de suas angústias, esculpindo-as em canções e, assim como você, revolvem-se nas subidas e descidas da vida. Experimentaram o topo e o vale, pagaram o preço dos excessos e, ao olharem para trás, enxergam os erros cometidos e tentam evitá-los para poder seguir em frente com a música como elemento primordial.
Fechando a trilogia iniciada com Bloodsports (2013), álbum que marcou o retorno da banda após sete anos, em The Blue Hour, oitavo álbum da carreira, eles aprofundam o lado mais introspectivo presente em boa parte do antecessor Night Thoughts (2016), trazendo à tona momentos densos pouco vistos em sua discografia. É como se pegassem a parte final de Night Thoughts, de climas mais sisudos, e esticassem por todo o álbum.
Se o Suede do início cantava e celebrava a vida urbana, o atual segue no caminho mais reflexivo, às vezes sombrio, ao falar sobre lugares desolados, rejeição, solidão e traumas, principalmente traumas. Nesse sentido, Brett, tendo o filho como inspiração (que também contribuiu para o seu livro) assume o ponto de vista de uma criança para compor esse novo trabalho.
Embora não assuma o álbum como conceitual, tudo em torno do mesmo parece ter sido muito bem pensado, desde o título, a capa, os vídeos, as letras e, principalmente a forma como as canções se conectam umas com as outras: com o uso recorrente de vozes desesperadas chamando por um garoto, simbolizado na capa de tons propositadamente azuis; diálogos e até uma letra declamada.
Dentro da trilogia, The Blue Hour é o disco de tons mais escuros, ao mesmo tempo o mais coeso. Segue com a veia melódica comum da banda, acrescenta elementos orquestrados, quase épicos e bastante teclados.
+++ Leia a crítica de ‘Night Thoughts’, do Suede
Não há uma faixa que possa chamar de hit. Funciona como um todo, como um álbum, mesmo que já de algum tempo muitas pessoas já não mais estejam ligadas a esse conceito. Pouco importa, o Suede , em alguns sentidos, está atrelado ao passado mas sem anacronismos. Envelheceu em todos os sentidos mas segue em frente, sem pressão, sem urgência, mas com a sobriedade daqueles que passaram por muito e cientes de seu lugar atual na música pop.
FAIXAS:
01. As One
02. Wastelands
03. Mistress
04. Beyond The Outskirts
05. Chalk Circles
06. Cold Hands
07. Life Is Golden
08. Roadkill
09. Tides
10. Don’t Be Afraid If Nobody Loves You
11. Dead Bird
12. All The Wild Places
13. The Invisibles
14. Flytipping
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