Ford Vs Ferrari é o tipo de filme que coloca o cinema como uma arte sempre investigativa, um lugar seguro para mostrar ao mundo muitos fatos e histórias que ainda não são conhecidos por muitas pessoas. Mesmo que o espectador se inteire dos fatos do filme que ocorreram em 1966, e isso é possível em tempos de internet com informações a cada canto, ainda é muito recompensante ver essa transposição para as telas. Isso por que o espectador será tomado de uma surpresa maior e mais contagiante sem saber ao menos o que a ficção, embora espelhada num fato verídico, pode lhe reservar: o resultado da clássica corrida das 24 Horas de Le Mans daquele ano, quem realmente foi Carroll Shelby e Ken Miles, o quê realmente o título do filme sugere.
Década de 60. A indústria automobilística vive um bom momento, de uma forma geral. Porém, Henry Ford II (Tracy Letts) sente a necessidade de mudar seus carros e criar algo mais inovador e arrojado. Ao tentar fazer um acordo com a Ferrari e não obter sucesso, o empresário decide criar um carro competitivo por conta própria para desafiar a empresa italiana uma vez que a mesma detinha a maioria dos títulos da famosa corrida das 24 Horas de Le Mans. Carroll Shelby (Matt Damon) aparece como o homem mais indicado para determinada tarefa uma vez que foi o único americano a vencer a competição. Só que Shelby precisa de um piloto bom e confiável o bastante para contribuir com sua criação e esse será seu amigo, o piloto Ken Miles (Christian Bale).
A empreitada de Shelby não será nada fácil. Precisa enfrentar a pressão de Henry Ford II e do tempo estipulado, os ditames da publicidade da empresa em escolher um piloto que fosse mais bonito do que exímio ao volante e dos próprios riscos de elaborar um carro tão veloz e competitivo que ao mesmo tempo fosse seguro e resistente.
O filme trabalha muito bem com duas temáticas: a relação do homem com a máquina que exige física e destreza, implica o ato de arriscar a vida, de nunca estar satisfeito e querer o melhor desempenho a cada corrida. Por outro lado temos a própria (e sempre conturbada) relação homem com homem que obriga a aceitação de pensamentos diferentes e de saber contornar a burocracia reinante no mundo dos negócios milionários. No meio de empresários egoístas que só almejam capas de revistas e mais fama com seus carros, Miles e Shelby fazem a contraparte ao mostrar um lado mais humanizado do longa. Ambos garantem o espírito de companheirismo e da importância de saber trabalhar em equipe na trama.
Ken Miles é, não somente o piloto apropriado, mas também aquele mecânico que entende a máquina em todas suas peças e dimensões e isso fará uma diferença enorme nas pistas de corrida. O filme também joga com esse contexto, uma época onde ser piloto de sucesso exigia altos riscos e que para o profissional não bastava apenas correr, mas sim, também ter uma intimidade com o automóvel e sua mecânica, de estar em sintonia com a máquina. Miles sabe dos riscos e corre não apenas pela sede de velocidade, bem como para manter sua família estável e sem preocupações.
Ford Vs Ferrari tem a mesma estética de Rush – No Limite da Emoção (2013) quando, igualmente, se incube da missão de ser um retrato bem descrito de um fato marcante da indústria automobilística, porém o filme de Mangold foca menos nas pistas, é menos cru ao não dar tanta ênfase aos acidentes em redor da pista e também destaca muito a amizade entre dois homens visionários (se pensarmos na tecnologia da época).
Entretanto, os elementos que impulsionam as duas produções são iguais: o gosto pela velocidade, a vontade de vencer, a persistência de seguir até o final, a rivalidade nas pistas.
Num dos diálogos do filme, Detroit (hoje em decadência) é citada pelo seu crescente desenvolvimento com seus inúmeros e numerosos prédios. O diretor acerta na sua produção ao se basear no contexto socioeconômico de uma época onde a indústria automobilística vivia sua efervescência.
O filme de Mangold (Logan, 2017) cataloga de forma praticamente fiel as características e os personagens que fizeram parte da indústria automobilística da década de 60. Nomes importantes da época como Enzo Ferrari (Remo Girone), Lee Iacocca (Jon Bernthal) e Bruce McLaren (Ben Rigby) dão as caras.
Ganhador do Oscar de Melhor Edição de Som, realmente o filme é impecável nessa categoria. O ronco dos carros, pneus cantando e a os ruídos que tomam conta do espaço ao redor da pista são múltiplos e estão imersos num equilíbrio coerente. Tudo gera no espectador uma sensação de estar vivendo a época, de estar presenciando uma corrida de verdade. Da mesma forma, quando a câmera foca o interior do carro de Miles e tudo fica abafado pelo silêncio o efeito também soa genial, pois além de garantir um certo suspense na curva que se aproxima, revela o homem interagindo com a máquina que foi sua criação.
+++ Leia a crítica de ‘Rush, No Limite da Emoção’, de Ron Howard
Amantes de automobilismo se sentirão bem a vontade ao ver na tela a recriação de uma época com carros clássicos como Corvette, Aston Martin, Mustang, Ferrari e o próprio Ford GT40. Mesmo quem não admira tanto carros, pode ficar tranquilo que o entretenimento é bom e consegue entregar uma trama com doses de drama biográfico, leve humor e ação, tudo combinando com a história de dois homens que souberam trabalhar em equipe focando concretamente em seus objetivos.
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama Biográfico, Ação, Esporte
País: EUA / França
Duração: 2h 32min
Direção: James Mangold
Roteiro: Jez Butterworth , John-Henry Butterworth e Jason Keller
Elenco: Matt Damon, Christian Bale, Caitrione Balfe, Jon Bernthal, Josh Lucas, Remo Girone e outros
Data de lançamento: 15 de novembro de 2019 (Brasil)
Censura: 12 anos
Avaliações: IMDB | ROTTEN TOMATOES
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