Semana passada, numa live , Carlinhos Carneiro, da Bidê ou Balde, disse a seguinte frase “…os Beastie Boys foram os meus Beatles…”.
Essa frase foi catalisadora para falar de Check Your Head, terceiro álbum dos Beastie Boys, lançado em abril de 1992 pelo selo da banda, Grand Royal (e distribuído pela Capitol Records).
Não é possível falar de Check Your Head sem ao menos passar por Paul’s Boutique, o álbum anterior do trio de MC’s, de 1989. Nele, o trio foi tratado a pão-de-ló pela Capitol, que apostava no sucesso adquirido com a estreia e bancou o mais ambicioso álbum de Hip Hop até então. Praticamente 100% criado à base de samples, o álbum acabou custando 250 mil dólares, mais os custos de um estúdio e moradia em Los Angeles (os Beastie Boys são de Nova York), e foi um retumbante fracasso de vendas, conquistando status de cult apenas muitos anos depois.
Sem crédito, com o Rock em alta (era o auge do Grunge, o boom do Rock Alternativo e o renascimento do Punk/Hardcore a partir das ótimas bandas Californianas), o trio resolveu, então, relembrar que, em sua gênese, eram uma banda. Eram organismos, capazes de criar música através de instrumentos, amalgamar ritmos através de suas extensas influências e, acima de tudo, propor novidade, criar algo relevante.
Sem a mesma cobrança de outrora por parte da gravadora, um tanto amornados na espera do grande público e com a ambição e pretensão de fazer a mistura sonora mais acachapante já produzida pelo trio, eles chamam os parceiros Money Mark (teclados, órgãos e sintetizadores) e Mario Caldato Jr. (produtor).
O resultado? Uma mistura orgânica de Rap, Hip Hop, Acid Jazz, Funk, Soul, Hardcore, Rock, Raggamuffin, Folk e Pop. E mais, tudo absolutamente fazendo sentido, sem necessariamente soar como mistura desproporcional.
Quando o Run DMC se uniu ao Aerosmith para uma fusão Rap/Rock, propuseram algo impensado – e sensacional, ao meu crivo – mas que o tempo provou ser datado. Sim, sejamos francos: a fusão Rock com Rap é muito legal, muito divertido e rendeu muitos discos incríveis, mas não funciona mais, cumpriu muito bem seu papel. O gênero que surgiu a partir daí, o Nu-Metal, teve seus méritos, mas já está sepultado.
A diferença para o que os Beastie Boys CRIARAM (caixa alta proposital) está na organicidade das músicas. A explicação está muito além das rimas: exceto pelas magnificências de “So What’cha Want”, “Pass The Mic”, “Jimmy James”, “Professor Booty” e “Finger Lickin’ Good”, onde o trio se mostra coeso com o flow e o tempo das rimas, propondo Hip Hop através da já tradicional bricolagem de samples, letras e rimas; Check Your Head praticamente direciona o som do banda para a experimentação com o Funk, o Soul Jazz, o Reggae, o Soul sessentista e setentista, o Hard Rock farofa, o Folk e tudo o mais. Ainda, para relembrar seus tempos de Hardcore, antes da incursão ao Hip Hop, a banda empunha seus instrumentos para as pesadas “Gratitude” e para a cover de Sly Stone “Time For Livin’”, transformada em Hardcore, talvez em versão definitiva.
E isso não faz de Check Your Head um álbum menos Hip Hop. Nem mais, na verdade.
O mérito está exatamente na capacidade de criar música nova, relevante e absolutamente salutar para o sacolejo dos nossos corpos.
A banda, a partir daqui, usou bastante essa fusão eclética, e chegou a lançar uma compilação em 1996, The In Sound From Way Out, com as faixas mais funky feitas durante o período de 1992 a 1996.
A gênese, porém, está em Check Your Head, onde as somas de toda bricolagem de estilos resulta neste produto, um álbum inimaginável e inovador e revolucionário. Tal qual os Beatles, noutra geração.
Esse foi o álbum pôs novamente os Beastie Boys na cena.
O espírito DIY, de tocar e criar, também fez parte da produção da banda como um todo: o selo Grand Royal lançou bandas relevantes e virou até revista.
Check Your Head pode não ter tido a mesma quantidade de samples de Paul’s Boutique, mas foram muitos. A diferença está na quantidade de “samples caros aos bolsos da banda”! Nessa “categoria” podemos incluir Bob Dylan, Jimi Hendrix, Thin Lizzy, Sly & The Family Stone, Kool & The Gang, Ted Nugent, The Wailers e certamente mais um ou outro que me escapa. Mas, dentre os inúmeros e incontáveis samples, ainda temos nomes “mais em conta no mercado”, mas que renderam a qualidade que o álbum merecia, como Jimmy Smith, Southside Movement, Johnny ‘Hammond’ Smith, Bad Brains, The Germs, 5th Dimension e muitos muitos outros.
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Por fim, não é possível dissociar o trabalho que o produtor brasileiro criou com os Beastie Boys, e que fatalmente acabou influenciando a produção de inúmeros artistas mundo afora. O próprio Caldato Jr. produziu o Planet Hemp em 1997 (no segundo álbum deles, Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para), e nada me tira da ideia que “Mão Na Cabeça” tem muita inspiração em “Gratitude”!
O álbum completou, no último mês de abril, 30 anos de uma história que segue inovadora.
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 21 de abril de 1992
GRAVADORA: Grand Royal | Capitol Records
FAIXAS: 20
TEMPO: 53:29 minutos
PRODUTOR: Mario Caldato Jr.
DESTAQUES: “So What’cha Want”, “Pass The Mic”, “Jimmy James”, “Professor Booty”, “Finger Lickin’ Good”
PARA QUEM CURTE: Rap, Hip Hop, mistura de ritmos e estilos
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