‘Pop ao Reverso’ tem lançamento; diretor Alex Santos comenta sobre o filme


Pop ao Reverso, A trilha do Som Autoral

Existe no Brasil uma grande cena musical (ou várias cenas menores) alternativa(s) de bandas e artistas autorais fazendo trabalhos interessantes – de tendências e gêneros musicais os mais diversos -, e ao mesmo tempo, que parecem solenemente ignorados não só pela chamada grande mídia e até mesmo por publicações de menor porte e blogs voltados para a música independente. As pautas parecem seguir uma espécie de “senso comum” altamente repetitivo em torno de certos nomes. Nomes não necessariamente ruins, mas é como se houvesse uma espécie de bolha resistente a novos nomes, a despeito de sua qualidade.

“Se os meios de comunicação não apresentam o novo para o público, o público não vai chegar a ele” (Marcelo Costa)

Ao mesmo tempo, a quantidade de espaços com portas abertas para que esses chamados “heróis da resistência” são tão poucos e seguem mais ou menos a mesma lógica das publicações, impossibilitando a divulgação do trabalho de muitos artistas através do que talvez seja a motivação maior de sua existência: fazer shows. Em função disso, muitas bandas já nascem com a ideia de projeto de estúdio, considerando essa logística tão complicada de fazer shows, seja na própria cidade (santo de casa não faz milagre!) ou em outras cidades. No exterior, uma possibilidade para poucos.

Se o cenário parece desolador nesses aspectos, o que dizer do público?

Pouco mudou nas últimas décadas no que diz respeito a estar disposto a pagar pelo trabalho do artista, seja na compra do ingresso para o show, seja na aquisição dos discos ou qualquer outra forma de merch. Segue-se muito aquém do ideal ou suficiente para permitir que os músicos possam viver da sua arte. Se era espécie de sonho para quem viveu a década de 80, que incluía um contrato com uma grande gravadora, em tempos de plataformas de streaming é algo bastante improvável (para não dizer impossível) principalmente em se tratando do Rock, que segue atraindo cada vez menos pessoas, principalmente o público mais jovem.

“Infelizmente, no Brasil, a gente não tem a mentalidade de pagar por ideias. O plano das ideias no Brasil não é valorizado. A mão de obra no Brasil que é valorizada. (Mariângela Carvalho)

O que esperar então quando se embrenhar nessa mata inóspita, qual uma engrenagem disposta a seguir sua marcha inexorável sem desejar o mínimo sinal de mudança no seu funcionamento? Para que bater cabeça por aí, abrindo mão desse bem tão escasso e valioso nesses nossos corridos dias atuais, o tempo? É possível a profissionalização?

Cena do filme Pop Ao Reverso, A Trilha do Som Autoral
Mariângela Carvalho (Radialista)

São alguns dos questionamentos que o filme Pop ao Reverso: A Trilha do Som Autoral, do diretor Alex Santos, recém lançado na página do projeto O Rastro do Som, no Youtube, levanta ao longo de seus pouco mais de 30 minutos.

O filme apresenta um panorama da cena alternativa autoral da capital paulista através de entrevistas com as bandas Orange Disaster, Hitchcocks, Ordinária Hit e Loomer; administradores de selos, responsáveis por curadorias e pessoas ligadas de alguma forma ao meio alternativo, dentre eles Marcelo Costa (Scream & Yell), Mariângela Carvalho (Radialista), Rodrigo Lariú (Midsummer Madness), Maurício Bussab (Tratore), Inti Queiróz (Agitadora Cultural); além de trechos de shows, videoclipes (“Right Side of My Brain” e “Sunset Vampire”) e cenas de casas noturnas, imergindo o espectador nesse universo.

“Eu odeio quando as pessoas falam: “Vou comprar pra dar uma força… Não quero você compre um disco ou CD de qualquer banda do Midsummer pra dar uma força. Eu quero que você compre porque você gosta. Se você não gosta, não precisa comprar” (Rodrigo Lariú)

Pop ao Reverso coloca o microfone à disposição para que todos participem da discussão e contem suas experiências dentro desse universo. Ao tempo que traça um panorama da cena musical alternativa nacional, lançando seu olhar para o micro, a cena paulista, mas buscando atingir o macro, já que há muitas similaridades com outras cenas pelo país afora. E é desolador constatar que, mesmo numa cidade tão cosmopolita como São Paulo, a situação também não é da mais fáceis, e que há um longo e tortuoso caminho a ser percorrido.

É animador, entretanto, e pode ser um alento ouvir as palavras de Alex (ENTREVISTA ABAIXO) de que “há todo um sistema para catapultar essas carreiras, mas poucas pessoas conhecem ou falam sobre tal dinâmica”. Essa via possível também está no anuncio do lançamento do filme: “O filme trata da profissionalização do circuito através do sincronismo engajado entre as bandas, a produção cultural e os veículos de comunicação”.

Pop ao Reverso é, desde já, um registro importante sobre a cena alternativa despido de filtros e com uma abordagem o mais direta e real possível. Ressente-se do tempo curto para a amplitude do tema. Mas é um pontapé inicial certeiro para uma discussão que merece no mínimo mais alguns capítulos.

“Apesar de eu admirar o trabalho de várias pessoas, eu sempre enxergo que elas estão falando das mesmas bandas. Então se sai um nome no veículo X que é um pouco mais renomado, todo os menores estão falando só daquele nome, dentro desse cenário independente mesmo” (Mariângela Carvalho)

Aproveitando o lançamento do filme, enviamos para o diretor Alex Santos cinco questionamentos relacionados a produção do filme.


Alex Santos, diretor do filme Pop ao reverso - A Trilha do Som Autoral
Alex Santos – Diretor de ‘Pop ao Reverso – A Trilha do Som Autoral’

Alex, poderia nos contar como surgiu a ideia do filme? E aproveitando a frase de abertura que diz que o filme foi feito “Em um momento distante anterior ao Impeachment e a pandemia”, quais os motivos que levaram ao atraso do lançamento?

Alex: A ideia surgiu de uma inquietação pessoal, ainda na época da faculdade, há uns 8 anos. Eu ficava (e ainda fico) indignado de ver um montão de músicos bons tocando a troco de nada ou uma mixaria e, até hoje, tento entender como esse investimento de energia, tempo e dinheiro não lhes dão uma motivação para a carreira artística. Ok…o panorama do mercado cultural ainda é muito segmentado no país e as políticas publicas não contemplam a base da pirâmide como se deve e, sendo assim, é compreensível essa postura descomprometida. Porém, resolvi investigar o circuito e, no decorrer da pesquisa, notei que há todo um sistema para catapultar essas carreiras, mas poucas pessoas conhecem ou falam sobre tal dinâmica. Então, fiz umas ligações, peguei minha handcam e captei as entrevistas.

A demora do lançamento se deu por conta do próprio circuito que vinha passando por uma série de transformações ao longo do tempo e eu precisei ser cauteloso para que a abordagem não fosse descartável e isso exigiu muitas observações e análises. Um detalhe importante é que, no começo, eu não tinha muitas referências de livros, filmes, ou publicações brasileiras para me dar suporte na construção do enredo e, no final do processo, surgiram vários filmes relevantes como a da Banguela Records, Time Will Burn e o Guitar Days e a série televisiva ‘O Outro Lado do Disco’ que “atrapalhou” DE FORMA BOA o meu processo de roteirização e isso fez com que eu revisitasse o material para fazer ajustes que complementasse as histórias lançadas naquele momento. Além disso, por se tratar de um filme independente e ter custos limitadíssimos, algumas etapas eu tive que aprender na raça – como edição de imagem, mixagem de som e alguns tratamentos estéticos – e isso leva bastante tempo, principalmente se você tem outro emprego (repare o trocadilho. rs).

O filme apresenta uma série de questões interessantes levantadas pelos vários atores da chamada cena independente nacional: músicos, produtores de conteúdo, administradores de selos. Como resultado do filme, o que mudou na tua visão em relação ao cenário musical independente?

Alex: Hoje eu tenho uma visão mais otimista sobre carreiras musicais mas ainda acho o circuito problemático. Claro que há pessoas incríveis fazendo um belo trabalho mas ainda acho que existe muitos problemas estruturais…poucos espaços para muita demanda, preços altos, curadorias medianas e falta de diálogos que fazem com que o público não se interesse.

Apesar de condensado em pouco mais de 30 minutos, acredito que você deve ter muito material que não entrou no resultado final. Você tem pretensão de futuramente expandir a discussão iniciada no filme?

Alex: Tenho projeto de um spin-off mas tudo dependerá da repercussão do Pop ao Reverso.

É complicado dar conselhos a quem quer que seja, isso inclui a quem está entrando nesse universo de música independente, autoral. Tomando por base o aprendizado com o filme, o que você diria para os músicos que pretendem entrar (ou até mesmo os que já estão) nesse universo não fazerem?

Alex: Acho fundamental o diálogo e os bons relacionamentos. Diversão é essencial mas penso que tudo o que é em prol do coletivo acaba tendo mais projeção, entende? Não consigo pensar qualquer relevância sem que haja interlocuções entre os mais diversos nichos culturais ou cadeias profissionais.

Por enquanto o filme está disponível apenas no Youtube? Você pretende apresentá-lo em festivais, divulgar em outros canais? Ou melhor, existem planos para além do Youtube?

Alex: Eu inscrevi esse filme no In-Edit* desse ano (outro motivo pelo qual demorei para divulgá-lo) mas infelizmente ele não foi aceito. Entretanto, eu sempre tive mais interesse em veicular o filme na tv, já que toda a concepção foi pensada pra isso. Ainda não sei muito bem como são os critérios de envio e seleção então não tenho planos além do YouTube do ‘Rastro do Som’, o hub criativo que conduzo. Ainda não decidi se fica definitivo ou não mas o público terá uns meses pela frente pra assistir sem pressa.

*O In-Edit Brasil é um evento cinematográfico que tem como objetivo fomentar a produção e a difusão de filmes documentários que tenham a música como elemento integrador.


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