NÓS (Us, 2019)


Foto de Lupita Nyong'o no filme "Nós" (Us, 2019)

“Jordan Peele apresenta filme de terror repleto de simbolismos e que merece ser visto várias vezes”

Egresso da comédia, Jordan Peele estreou em 2017 com o excelente “Corra” (Get Out), um misto de suspense e terror com tons psicológicos. Além de muito mistério, o filme trazia embutida uma pesada crítica ao racismo americano e seu “American Way of Life”. “Corra” teve quatro indicações ao Oscar 2018: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Daniel Kaluuya) e Melhor Roteiro Original (de autoria de Peele), único que ganhou. Estavam despertadas as atenções para aquele jovem e promissor diretor.

“Nós”, o badalado e esperado novo filme de Peele, conta a história de uma família, que viaja para sua casa de verão e é surpreendida por quatro pessoas que tornam um pesadelo o que deveria ser relaxamento e diversão. A premissa é batida, trazendo como diferencial o lado sobrenatural.

O filme tem inicio com uma pequena explanação sobre a existência de uma infinidade de corredores ou sistemas tubulares sob a superfície  e como todo esse sistema não tem nenhuma utilidade, algo desconhecido pela população. Em seguida, a câmera foca em um coelho dentro de uma jaula e, a medida que vai se afastando, mostra que existem mais coelhos na mesma situação, formando uma parede com várias dessas jaulas, cada uma com um coelho dentro. A cena seguinte mostra uma família que vê a filha desaparecer. Na cena ‘final”, uma família  conversando sobre passar as férias em sua casa de praia.

Essas quatro histórias são apresentadas aparentemente sem nenhuma conexão, em todas se percebe certo estranhamento. A cena que envolve a menininha é a mais incômoda: a partir de uma câmera em terceiro plano, que oscila entre a visão da menininha e visão do espectador, busca-se mostrar a vulnerabilidade da criança que enxerga tudo tão grande e, ao mesmo tempo, ameaçador. Por mais singelas que sejam as cenas vistas pela personagem, a ideia é que algo não está no lugar.

Com um orçamento relativamente modesto para o padrão das produções atuais, cerca de vinte milhões de dólares, o filme consegue apresentar uma qualidade de produção acima do que se poderia imaginar, sendo assim bem surpreendente.

No uso da câmera, Peele explora os planos fechados e recorre ao uso de sombras para representar a sensação de ameaça, como personagens que parecem ganhar vida. A cena em que Adelaide caminha pela praia é exemplar: o plano de filmagem, visto de cima, apresenta as pessoas “paradas” enquanto suas sombras se “movem”. Nesse sntido, as sombras acabam se tornando personagens interessantes da película.

Peele também lança mão de um artifício bem interessante, ao subverter “regras” de filmes de terror. Em algumas cenas, a câmera foca em um local que não tem perigo aparente, vindo uma mudança no ângulo. O habitual é se usar o jumpscare, o que não acontece aqui,  fugindo assim aos clichês de filmes de terror.

A trilha, que lembra a de “Hereditário” (2018), se utiliza de sons dissonantes de violinos, com cordas desafinadas e melodias desconfortáveis, combinando com a atmosfera esquisita do filme.

Lupita Nyong’o consegue representar diferentes nuances da sua personagem, incluindo um efeito de mudança vocal impressionante. A atriz leva jeito para o gênero. Em contraponto, Winston Duke é o alivio cômico do filme, embora seja quem mais sofre ao longo do filme. Elisabeth Moss tem uma participação pequena, mas muito importante, tecendo uma crítica pesada a indústria da beleza.

O filme faz referências e homenagens a filmes como “Tubarão”, “Violência Gratuita (Funny Games)” e “O Iluminado”. Outro ponto interessante é a forma como o diretor brinca com o espectador, antevendo eventos futuros com pistas soltas, como por exemplo o filho de Adelaide usa uma camisa e mais à frente a criança vai ser atacada por um monstro. Como nem sempre essa ameaça se realiza, cria-se uma expectativa no espectador, que pode se concretizar ou não.

“Nós” utiliza alguns simbolismos, desde o título (“Us” em inglês), uma clara referência a United States, passando pela cor da roupa dos invasores, o uso da tesoura, as máscaras, e, novamente, as sombras como representação do lado obscuro da psiquê humana. Além de trazer certos momentos de critica social.

Os minutos finais são bastante tensos. A forma como Adelaide encara sua doppelgänger é um dos momentos mais bem filmados do cinema moderno. A forma utilizada para representar as duas personagens na tela é primorosa, nunca vista antes. E uma luta em forma de dança com os violinos dissonantes é uma das ideias mais sensacionais utilizadas no cinema. Essa dança de corpos remete até à refilmagem de “Suspiria”.

A cena final é um soco no estômago dos que pregam a exclusão por diferenças quaisquer que sejam: cor, raça, gênero, nacionalidade.

O filme convida o espectador a pensar. Entretém na mesma medida que choca, pelas cenas fortes. Não é um filme fácil de se “digerir”, haja vista a quantidade de pessoas que saíram da sala antes do final. “Nós” junta o humor, marca do diretor, com cenas de gore, e um nível elevado de tensão. É de admirar que com apenas dois filmes em sua carreira, Peele tirou da zona de conforto o cinema escapista, podendo apresentá-lo como filme de arte.

:: NOTA: 9,0


NOTA DOS REDATORES:
EDUARDO JULIANO: 9,0
EDUARDO SALVALAIO: –
LUCIANO FERREIRA: 7,0
MÉDIA: 8,0


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:: FICHA TÉCNICA:
Gênero: Terror, Horror e Mistério
Duração: 1:56 min
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Elenco: Lupita Nyong’o, Winston Duke, Elisabeth Moss, Tim Heidecker, e outros
Data de Lançamento: 21 de março de 2019 (Brasil)
Censura: 16 anos
IMDB: Nós

 

 

 


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