“Livremente inspirado na canção homônima do Belchior, ‘Como nossos pais’ é o cinema nacional em sua melhor forma“
Aonde nossas escolhas estão nos levando? Qual é o papel da mulher no mundo? Somos realmente indispensáveis para quem nos ama e para quem amamos? Estamos fadados a repetir os mesmos passos dos nossos pais? Temos o direito de julgar nossos pais? Temos o direito de julgar a nós mesmos? Liberdade é a ausência do sentimento de culpa?
Essas e outras reflexões são causadas, sugeridas ou provocadas pelo belíssimo filme dirigido pela sempre talentosa Laís Bodanzky, diretora do ótimo “Bicho de Sete Cabeças” (2000). Aqui ela chega ao ápice de sua arte, até o momento, entregando talvez o seu projeto mais pessoal e delicado. Os temas abordados no roteiro, que também é escrito pela Bodanzky, são universais e extremamente relevantes no atual contexto da nossa civilização.
Na história, Rosa, uma mulher adulta, bem sucedida, muito apegada ao pai, mãe de duas filhas pré-adolescentes, vê suas certezas desmoronarem quando sua mãe de repente revela que ela foi fruto de uma traição.
Vivendo uma crise séria em seu próprio casamento, agravada pela ausência recorrente do marido, fato que acaba gerando desconfianças, ao mesmo tempo em que passa também por uma crise profissional por não conseguir dar conta dos filhos, da casa e do trabalho ao mesmo tempo, acompanhamos o desespero contido em gestos, silêncios e sentimento de culpa da protagonista, interpretada de maneira soberba pela Maria Ribeiro, uma das atrizes nacionais mais interessantes da atualidade, que ao se perceber de origem “desconhecida”, parte em busca de respostas para questionamentos tão óbvios e comuns que soam dolorosamente familiares.
A insatisfação como fator que impulsiona o desejo de mudança e de libertação da protagonista faz com que o interesse do público pelos dilemas dela só aumentem no decorrer da história. Sua busca por significados é tão intrigante quanto corriqueira, frívola e solitária, pois embora essa seja uma história sobre família, todo o sofrimento e drama aparentemente pertencem somente a uma pessoa.
De forma muito natural, sem exageros interpretativos nem recursos técnicos mirabolantes, a direção acerta no tom e nos leva a conhecer os medos e incertezas de uma personagem que representa toda uma geração de mulheres e mães que assumem jornadas duplas ou triplas, que abrem mão de si mesmas pra cuidarem dos filhos e maridos, perdendo assim a própria identidade, subjugadas pela sociedade patriarcal injusta, a qual nenhuma emancipação feminista parece corrigir ou ao menos equilibrar.
Não poderia deixar de citar o trabalho cativante de absolutamente todos os atores e atrizes coadjuvantes. Desde a mãe falsamente fria e resiliente, vivida por Clarisse Abujamra, o pai sonhador incorrigível de linguajar rebuscado e pensamentos filosóficos, que muitas vezes funcionam como improváveis alívios cômicos, vivido pelo cantor Jorge Mautner, até o marido pacifista e aparentemente nem um pouco interessado em fazer parte do seu próprio lar, vivido por Paulo Vilhena, dentre outros.
“Como nossos pais” cumpre uma das funções mais nobres e fundamentais de toda boa manifestação artística: fazer refletir sobre o mundo no qual vivemos e o faz através de um pequeno recorte, dentro de uma pequena história, sobre uma mulher comum, mas com alma e coração gigantes, que assim como a de tantas outras “Rosas” mundo afora, só querem ser livres sem se sentirem culpadas por isso.
:: NOTA: 9,0
NOTA DOS REDATORES:
EDUARDO SALVALAIO: –
ISAAC LIMA: –
LUCIANO FERREIRA: –
MÉDIA: 9,0
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:: FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Duração: 1:42 min
Direção: Laís Bodanzky
Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi
Elenco: Maria Ribeiro, Paulo Vilhena, Clarisse Abujamra, Antonia Baudouin, Cazé, Gabrielle Lopez, Herson Capri, Jorge Mautner e outros
Data de Lançamento: 31 de agosto de 2017 (Brasil)
Censura: 14 anos
IMDB: Como Nossos Pais
:: Assista ao trailer:
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