‘Crank’ é o Hoodoo Gurus cru e pesado, impecável na simplicidade


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Nunca entendi a razão do Hoodoo Gurus não ser uma banda maior. Desde o início dos anos 80, a banda de Sydney (Austrália) entrega álbuns consistentes: canções Power-Pop ganchudas, com aceno para estilos que orbitam o Rock’n’Roll clássico, como o Hard Rock, o Punk Rock e o Jangle-Pop. Em seu país natal, se mantém entre o mainstream e o Rock alternativo.

No Brasil, durante os anos 80, houve um hype de bandas de Rock australianas, e o Hoodoo Gurus estava entre elas. Eram todas muito identificadas com a galera do Surf, suas canções sempre eram compiladas em vídeos do esporte. Eles até fizeram turnês por aqui, mas dá pra contar nos dedos as músicas de grande veiculação.

Ainda assim, a banda nunca teve o mesmo apelo comercial de outras bandas daquela safra, como o Midnight Oil ou o Men At Work, por exemplo.

Crank, sexto álbum dos australianos, lançado em 1994. A banda vinha de um álbum que teve boa aceitação nos EUA (Kinky, de 1991), mas Crank foi lançado por um selo menor, o Zoo Entertainment, que, na época, apostava em bandas como Green Jelly e no Tool. Talvez isso tenha motivado a banda a entregar seu álbum mais cru e pesado, até então.

Ou talvez por conta de suas raízes calcadas no Punk Rock – todos membros do Gurus tocaram em bandas Punk. Dave Faulkner (vocal/guitarrista/letras) talvez seja o mais notório nesse aspecto, pois é sua a canção Punk australiana mais icônica, de quando foi vocalista do The Victms: “Television Addict” (1978).

‘Pesado’ e ‘punk’ é reducionista demais para adjetivar Crank. Aqui ouve-se Power-Pop feito por alguns dos alunos mais exemplares das aulas de Badfinger, Big Star e Raspberries. Há também momentos ‘solo da montanha’: aqueles solos de guitarra épicos, talvez influência do Hard Rock oitentista. E há também a crueza do Rock noventista.

Aqui o Hoodoo Gurus não se entrega a fórmulas do passado, nem dispensa sua identidade, e se insere nos anos 90. O riff que abre o álbum, de “The Right Time” é cativante. Pesado. Grudento. Simples. Aliás, exceto por “Fading Slow”, da qual falo logo mais, tudo é básico. Ou seja: ouve-se somente o necessário. Não há excessos.

“Crossed Wires” é magistral! De letra sincera, é quase um conselho paternal para alguém prestes a se perder. “Quo Vadis?”, cuja expressão do latim que significa “Onde Vais?” (e que é atribuída ao apóstolo Pedro numa passagem bíblica), é um excelente Rock, em que tudo parece funcionar corretamente – mérito da produção impecável de Ed Stadium (que tem álbuns clássicos dos Ramones em seu currículo de engenheiro e produtor, e também fez o singular Time’s Up, do Living Colour. “Nobody” é romântica e tenra, sem deixar de ser Rock!

“Less Than a Feeling”, o segundo single, soa diferente do restante do álbum, cheio de clichês oitentistas. Essa é a ironia e a graça (herança Punk): brincar com o clássico do Boston (e, porque não, do Nirvana) numa canção feita para grudar!

Brad Sheppard, o excepcional guitarrista solo e vocal ocasional, entrega suas melhores músicas com os Gurus: a rápida, barulhenta e ácida “Form a Circle”; a balada “You Open My Eyes”; e a pepita “Fading Slow”, uma canção de amor (não necessariamente romântica), com alguma dose de psicodelia, solo épico ‘da montanha’, mudanças de andamento e uma bateria matadora.

“Gospel Train” e “Hypocrite Blues” valem demais a audição e divertem.

+++ Leia sobre ‘Proper Smokes’, álbum Power-Pop do Blunt Bangs

Crank é um álbum impecável na simplicidade. Como só o Power-Pop, ou o Punk Rock, podem propor!

Não consigo precisar quando passei a prestar atenção nos Gurus. Mas, quando comprei Crank, eu já estava nas cordas! Gurus e, principalmente, Crank, me acompanham sempre. E tive o prazer de assisti-los no último dia 12/04 em São Paulo, num concerto carregado de hits e muita emoção.


Hoodoo-Gurus-Crank-Capa

 

 

 

Ano | Selo: 1994 | Zoo Entertainment
Faixas | Duração: 13 | 37:23
Produtor: Ed Stasium
Destaques:“Crossed Wires”, “Quo Vadis?”, “Fading Slow”
Pode agradar fãs de: Midnight Oil, Power-Pop, Rock’n’Roll

 

 

 


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