‘Good Morning Spider’, do Sparklehorse, é um clássico do Indie-Rock


Mark Linkous, do Sparklehorse

Good Morning Spider foi o primeiro disco gravado por Mark Linkous (que toca com o pseudônimo de Sparklehorse) após morrer pela primeira vez. Calma aí que eu explico!

Em 1996, Linkous estava em turnê pelo mundo abrindo para o Radiohead, após ter lançado um belíssimo álbum de estreia intitulado Vivadixiesubmarinetransmissionplot. Após um show em Londres, o artista apagou no chão do banheiro do hotel devido a um excesso de consumo de medicamentos e drogas, e ficou 14 horas com as pernas prensadas embaixo de seu corpo.

Ele chegou a ter uma parada cardíaca longa devido à falta de circulação de sangue, mas milagrosamente sobreviveu e, contrariando as expectativas dos médicos, conseguiu recuperar o movimento das pernas após meses de tratamento. Sobre a segunda morte de Mark eu falo daqui a pouco.

Good Morning Spider avança ainda mais no estilo Lo-Fi de seu antecessor, tendo sido gravado e produzido integralmente por Linkous em um estúdio caseiro montado no seu rancho em Richmond, Virginia, com participações esporádicas de outros instrumentistas. E ele abusa dos barulhinhos, chiados e efeitos, além de transições abruptas entre faixas, variações de volume e outros truques que quase sempre acertam em cheio e conferem um toque de estranheza peculiar às composições.

Linkous tem uma capacidade absurda para forjar belas melodias, e ele estava especialmente inspirado nesse momento da carreira. “Pig”, a faixa de abertura, começa no modo voz e guitarra, para logo em seguida engatar um riff sujo e um vocal “quase” Hard Rock que cospe palavras de baixo calão. É um cartão de visitas insólito e avassalador, que acaba com pouco mais de dois minutos.

Capa de 'Good Morning Spider', do Sparklehorse

Logo em seguida, a chave muda completamente com “Painbirds”, uma balada delicada e cantada com voz suave. Aliás, com vozes suaves, pois nessa e em diversas outras faixas os vocais versáteis de Linkous são gravados em vários canais, com efeitos hipnotizantes (experimente ouvir o álbum com fones de ouvido).

“Saint Mary”, dedicada às enfermeiras que cuidaram dele no hospital, dá prosseguimento ao tom intimista de “Painbirds” no modo voz e violão, e a letra caracteristicamente oblíqua tem um dos versos mais reveladores sobre a paixão do autor pela natureza: “I must get back to the woods” [Eu devo voltar para a floresta] .

Linkous tinha como passatempo andar pelas redondezas de seu rancho e admirar os animais e plantas, captando os barulhos emitidos por eles – ele chegou a declarar que suas músicas não eram compostas por ele, e que seria apenas uma fonte de passagem, um mero condutor de sons existentes no planeta. Numa das poucas vezes que se referiu à sua experiência de quase morte, ele disse que o episódio aguçou mais ainda essa sua capacidade de observação e registro de coisas mundanas.

Aliás, a peça central do disco, “Sunshine”, é outra pérola em que o autor discorre sobre sua relação de simbiose com o mundo natural: “I opened my eyes/ and watched the sunshine/ It had been out all night/ To relax and unwind”. A canção se arrasta de forma preguiçosa, levada por uma linha de teclado inebriante e belos arranjos de cordas. Nessa faixa e em algumas outras, Linkous entrega um vocal mais agudo que lembra muito o de Jonathan Donahue, do Mercury Rev.

Além do modo baladeiro e do modo Indie sujo, o disco traz algumas vinhetas dispensáveis, como a faixa-título, e outras curiosas, como os 33 segundos de “Box Stars, Part One”, que lembra muito o Guided By Voices, outro ícone Lo-Fi .

Aliás, a variedade do registro se manifesta também em outros formatos, como o Power-Pop irresistível de “Sick Of Goodbyes” (nos moldes de Elliott Smith), que tinha todos os ingredientes para se tornar um grande hit, ainda mais na época (estamos falando de 1998, quando o rock ainda tinha grande apelo comercial). O refrão gera empatia imediata ao repetir o título da canção de forma gloriosa “I’m so sick of goodbyes, goodbyes” [Estou tão cansado de despedidas, adeus]. Como não se identificar?

Mark Linkous, do Sparklehorse
Mark Linkous, do Sparklehorse, em apresentação

O miolo do disco é recheado por duas músicas magníficas e totalmente opostas. A primeira delas, “Chaos Of The Galaxy/Happy Man”, é um medley que simula alguém ouvindo rádio, tentando sintonizar as estações e ajustando o volume. Nesse contexto, a canção se desenrola com partes quase inaudíveis e outras em que o volume fica em níveis normais.

No meio desse caos está o trabalho de guitarras mais criativo do álbum, uma magnífica combinação de riffs e solos que potencializa os efeitos da melodia simples e do refrão banal (e, ao mesmo, dotado de alta carga simbólica): “I just wanna be a happy man”. Mark declarou que optou por gravar a faixa desse jeito pelo fato dela ser pop demais, o que a tornaria somente mais um hit radiofônico descartável se fosse registrada de modo convencional – depois ele acabou concordando em gravá-la num formato normal para um single, só que ela ainda assim não fez sucesso.

“Hey Joe”, por sua vez, é um cover inspirado de um clássico de Daniel Johnston (Linkous, inclusive, viria a produzir um disco de Johnston em 2003), um hino que exalta a esperança e que devia ser tão importante para Mark que os versos finais finalizaram a postagem de anúncio da morte do cantor no site oficial sparklehorse.com, em 2010: “There’s a heaven and there’s a star for you”.

O disco caminha com vigor para o final, passando pelo modo “canção de ninar” de “Come On In” – com versos que fazem pensar se não foram diretamente impactados pelo episódio da parada cardíaca em Londres: “Now I lay me down to sleep/ I pray my soul to keep/ If I die before I wake/ I pray my soul to take” -, por uma belíssima e pungente reflexão sobre a solidão (“Maria’s Little Elbows”) e por uma declaração de amor arrebatadora e original (“Hundreds Of Sparrows”).

“Junebug” encerra os trabalhos de forma assustadoramente intimista, dando o tom para o disco seguinte, o brilhante e subestimado – provavelmente por ser mais convencional, com menos barulhos e efeitos que seus antecessores, além de ter sido produzido em um estúdio normal – It’s a Wonderful Life, de 2001, que conta com participações especiais de gigantes como PJ Harvey e Tom Waits e tem preciosidades como a faixa-título e “Apple Bed”.

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Durante o restante dos anos 2000, Linkous fez mais um disco do Sparklehorse e dois em parceria – o mais ambicioso deles, Dark Night of The Soul (2010), com Danger Mouse, demorou muito a ser lançado devido a problemas legais com a gravadora EMI, e conta com participações de David Lynch, Black Francis, Flaming Lips, Julian Casablancas, Iggy Pop e outros craques. Linkous passava por períodos de depressão intensa de tempos em tempos, e usava a arte como uma forma de terapia.

Em 06 de março de 2010, Mark deu um tiro de rifle no próprio peito numa rua da cidade de Knoxville. Ele tinha somente 47 anos, e com sua segunda e definitiva morte entrou na galeria dos gênios problemáticos do mundo da música, deixando uma obra pequena e encantadora, e que arrebanha cada vez mais fãs com o passar dos anos devido à sua originalidade, autenticidade e pureza artística.


Capa de 'Good Morning Spider', do Sparklehorse

INFORMAÇÕES:

LANÇAMENTO: 20 de julho de 1998
GRAVADORA: Capitol Records
FAIXAS: 17
TEMPO:  52:19 minutos
PRODUTOR: Mark Linkous
DESTAQUES:  “Pig”, “Painbirds”, “Sunshine”, “Sick Of Goodbyes”, “Hundreds Of Sparrows”
PARA QUEM CURTE: Lo-Fi, Daniel Johnston, Guided by Voices, Eliott Smith, Eels
CURIOSIDADES: Após o lançamento de ‘Vivadixiesubmarinetransmissionplot’, o Sparklehorse saiu em uma turnê europeia abrindo para o Radiohead, que elogiou como sua nova banda favorita | Durante esta turnê, em 1996, Linkous sofreu uma overdose quase fatal, que lhe deixou sequelas físicas e psicológicas.


https://youtu.be/S_iCswJlN5M

 

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