Marcar a data com os amigos. Juntar uma grana. Aguardar ansioso pelo dia. Pegar o ônibus na Rodoviária e seguir em direção a novas descobertas em vinil na capital.
Estou quebrando a linha temporal mentalmente ou estou me sentindo o Dr. Manhattan.. Estou de volta a algum ano do início dos longínquos anos 90, narrando algo que não dá pra dizer que era comum, já que a grana era curta, mas algo que acontecia sempre que possível: ir até Salvador garimpar discos com os amigos.
Do ponto de vista de hoje, mais que garimpar discos, embarcávamos numa aventura entre amigos que sempre acabava rendendo causos engraçados para serem contados posteriormente numa mesa de bar ou numa reunião entre amigos, sempre com misto de saudade e “tristeza boa”. Se existe tristeza boa? Claro!
É esse olhar para o passado com essas lembranças de um passado de dureza financeira mas cheio de vontade de fazer com que coisas mínimas significassem tanto, principalmente por estar com amigos. No fim, tudo era uma celebração entre amigos, sempre de forma única.
Foi numa dessas aventuras que esbarrei de forma totalmente inusitada no segundo álbum do Harry numa pequena loja do centro da capital e com um preço bem convidativo.
Já havia conhecido e me apaixonado pelo Harry através de seu álbum de estreia. Então nem precisava escutar o disco para ter certeza que gostaria dele.
Se escutei antes de comprar? Não me recordo.
Se me recordasse de ter escutado, não me recordaria das impressões que tive, pois o disco que eu ouvia na loja geralmente era diferente do que eu ouvia em casa. A percepção sempre mudava, inclusive quando escutava na casa de amigos e em casa. Ah, o equipamento! Sim, com certeza. Meu saudoso 3 em 1 Gradiente era meu fiel da balança, ainda que de fidelidade sonora ele tivesse muito pouco, olhando em retrospecto.
Lançado pela Stiletto…ah, a Stiletto. A sensação que bateu foi de um disco melhor produzido que Fairy Tales (1988) e com uma mixagem que enfatiza os riffs de guitarra. Isso eu só fui entender muitos anos depois.
Na época a sensação foi de que a banda meio que havia abrandado o lado mais eletrônico, abrindo espaço para uma sonoridade mais de guitarras. E essa sensação já surgiu em faixas como a própria faixa que dá nome ao disco, “Vessel’s Town”, uma faixa de pegada Punk Rock. A sequência com três faixas começando com a letra “S” é outro detalhe que chama a atenção.
A verdade é que o disco não desceu tão bem quanto esperado nem na primeira audição e nem nas seguintes. Dentro de sua proposta é um álbum bom, marcado pela irregularidade e repetição de algumas fórmulas que funcionaram muito bem no primeiro álbum e aqui nem tanto, além da repetição de BPM. Mas se vê uma banda olhando mais para frente.
Sem dúvidas que há faixas boas do Harry: o lado Industrial de “Saviour” e o TecnoPop de “Stories” , “Zombies” e “Emotional Spasms”; e ótimas: o EBM de ”Stephanie Jenssen”- desde sempre a melhor faixa do álbum, talvez por seu lado mais eletrônico ou pelo clima nostálgico -, e a épica “Questions to a Good Man”, que remete a Depeche Mode. Acho que faz falta aquele Harry mais melancólico, que surge justamente nas faixas lançadas na versão bônus do álbum.
Reouvindo Vessel’s Town, a sensação é de que “Warning” tem uma pegada que remete totalmente aos Ramones, bastando tirar o lado eletrônico e acrescentar guitarras e mais velocidade e que o instrumental de “Bronco Brain (Rides Again)” soa um Depeche Mode fase início de carreira, com arranjo econômico e melodia simples que surge ocasionalmente.
+++ Leia a entrevista com o Harry
Bem, não me recordo om precisão onde foi parar, se vendido para o amigo que, paulatinamente, comprou quase toda a minha coleção de vinis (com quem quase não tenho mais contato e por isso fica a dúvida) ou se pra outro, mas o mais importante que sua trajetória física é a carga sentimental que o mesmo proporcionou, seja lá atrás ou agora.
Esse LP tem a venda na Retro Wave Discos, procure no Instagram essa loja 😉
Obrigado pela dica David. Já não compro mais vinis, somente CD’s e olhe lá. Abraço.