‘Divaldo, O Mensageiro da Paz’ acerta em cheio ao focar na desmistificação do espiritismo


Um dos maiores equívocos em filmes de temática religiosa e em cinebiografias em geral é tentar atribuir ao protagonista características idealizadas ou forçosamente complacentes e benéficas para com o mesmo a fim de que o público tenha a falsa percepção de estar diante de alguém que facilmente possa ser endeusado ou santificado. Outro aspecto indigesto é a característica comum a quase todas as obras do gênero no que tange a tentativa de doutrinação e conversão do espectador para a religião X ou Y.

Felizmente isso não ocorre no filme sobre o renomado médium baiano, Divaldo Franco. A produção sabiamente soube fugir dessas batidas narrativas e nos surpreende com um roteiro emocionalmente inteligente e com as doses exatas de humor e drama suficientes para que esta obra se destaque com louvor em relação a outras cinebiografias espiritualistas lançadas anteriormente, podendo ser apreciado por um público bem mais amplo e diversificado.

O grande diferencial desta produção é que ela escapa do didatismo barato ao nos convidar a enxergar o mundo pelos olhos do protagonista, utilizando o próprio aprendizado e evolução do Divaldo, enquanto personagem, para apresentar ao público em geral como funciona o espiritismo na prática.

Quais as necessidades, implicações e como os fenômenos mediúnicos naturalmente se dão e de que forma as interações entre o corpo físico e o espiritual acontecem, são algumas das questões abordadas em meio a história de vida do Divaldo.

Outro acerto do roteiro é a opção por apresentar o personagem em três momentos distintos de sua jornada: na infância, na juventude e na vida adulta. Esses recortes contribuem positivamente para o ritmo do filme, atribuindo agilidade e fluidez a trama, pois torna interessante redescobrir o mesmo personagem a cada novo momento retratado, evidenciando fatos que atestam seu crescimento moral e como ele passa a lidar com os fenômenos que o cercam.

A infância em Feira de Santana, cidade natal do Divaldo, apresenta uma criança insegura, sem compreender a natureza de suas “visões”, tendo que lidar com bullyng enquanto busca entender o seu dom através da igreja católica, penando por não obter as respostas necessárias e temendo a sua própria condição.

Na juventude, acompanhamos a mudança para Salvador, a busca por emprego e seus primeiros contatos com uma casa espírita. As primeiras reuniões mediúnicas, a primeira palestra, as aulas práticas sobre doutrinação, obviamente emolduradas por uma série de incertezas e equívocos pertinentes ao início de toda prática espírita.

Posteriormente, já adulto, vislumbramos um Divaldo mais firme em seus propósitos, e mais consciente sobre a doutrina espírita e sobre seu papel no mundo enquanto procura resolver problemas espirituais particulares que o perseguem desde a tenra idade.

+++ Leia a crítica de ‘Sombras da Vida’, de David Lowery 

Do ponto de vista técnico, além do ótimo roteiro, podemos destacar a direção sensível do Clóvis Mello, que entendeu como ninguém o real propósito de um filme com esta temática. A qualidade e o nível de entrega de todo o elenco impressiona, bem como a fotografia impecável do Jean Crépon e a belíssima e tocante trilha sonora, fazem deste filme o melhor exemplo de como um projeto biográfico pode e deve deixar de olhar apenas para o protagonista a fim de alcançar uma abrangência na qual a mensagem adquira uma importância muito maior do que a do próprio mensageiro.


FICHA TÉCNICA:

Gênero: Drama, Biografia
Duração: 1h59min
Direção: Clovis Mello
Roteiro: Clovis Mello, Marina Moretti, Luciana Toffoli
Elenco: Regiane Alves, Bruno Garcia, João Bravo, Marcos Veras, Guilherme Lobo, Laila Garin, Francisco Gaspar e outros
Data de Lançamento: 12 de setembro de 2019 (Brasil)
Censura: 12 anos
IMDB:Divaldo

 


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