Revisitando ‘8 Mile – Rua das Ilusões’ 20 anos depois



Completando 20 anos de lançamento, o sucesso de crítica e público 8 Mile – Rua das Ilusões se estabelece como um marco cultural ao quebrar a bolha que limita a cultura do Hip-Hop e mostrar ao mundo que por trás de milhões de álbuns vendidos e inúmeras controvérsias, existe também um ser humano como qualquer outro.

Existem sete formas de arte no mundo: a Música, a Dança, a Pintura, a Escultura, a Arquitetura, a Literatura e o Cinema. A ordem dessa lista varia de teórico para teórico, porém uma posição nunca muda: o Cinema sempre é a sétima arte. Portanto, é argumentável que o cinema seja uma forma de arte superior, visto que todas outras podem ser apreciadas através dela. É possível ver uma pintura em um filme, porém não é possível ver um filme inteiro em uma pintura, por exemplo.

Dessas relações, o Cinema e a Música sempre foram as mais próximas. Ainda quando os filmes eram mudos, as trilhas sonoras já eram usadas para realçar a faceta mais emotiva do enredo. Já no fim da década de 1920, com a transição para o cinema falado, os musicais logo emergiram e com a tão apelativa incorporação de músicas e coreografias nos enredos, esse gênero passou a dominar a indústria até a década de 1960. Foi também nesse período que o contrário passou a acontecer, com a incorporação dos filmes às músicas por meio dos videoclipes, formato que foi popularizado pelos Beatles na Inglaterra e aprimorado ainda mais nos anos 1980 e 1990 com a MTV.

Eminem em 8 Mile - Rua das Ilusões
Eminem em ‘8 Mile – Rua das Ilusões’

Foi justamente nesse contexto que Eminem alcançou a fama de forma meteórica com o lançamento de seu álbum The Slim Shady LP, em 1999. Com toda a controvérsia que já circundava seu nome, impulsionada ainda mais pela MTV, Eminem se tornou um fenômeno impossível de ser ignorado, seja por amor ou por ódio.

Aqui, em sua semi-biografia, acompanhamos a trajetória de B-Rabbit, um rapper branco que mora no lado “errado” da rua que dá título ao filme e sonha alcançar o estrelato nesse gênero musical tradicionalmente negro em meio a conflitos pessoais com sua mãe, sua namorada e os inimigos do bairro. Juntamente com o diretor e o roteirista do filme, o cantor não incorpora apenas canções ou coreografias ao filme, mas toda a cultura do Hip-Hop, não do ponto de vista de um observador externo, mas sim do íntimo de alguém que vive o que canta, e apenas vive porque canta.

Em sua estreia no cinema, Eminem abandona toda irreverência e absurdismo do Slim Shady, personagem que ele assume em muitas de suas músicas, e presta atenção à verdadeira natureza do Eminem/Marshall Mathers de forma sóbria, e acaba por entregar uma das atuações mais profundas e comoventes da memória recente.

Eminem não é o único que brilha aqui. Sua colega de elenco, Brittany Murphy (1977-2009), mais conhecida por As Patricinhas de Beverly Hill, performa com excelência esse papel vagamente baseado na ex-mulher do cantor, Kim Scott. Assume assim a extremamente árdua tarefa de dar vida a uma personalidade tão odiável, sem cair no atraente erro de ignorar a importância da personagem na formação do protagonista, tanto na realidade quanto na dramatização. O mesmo se repete com a personagem da mãe de Rabbit, interpretada por Kim Basinger, de L.A. Confidential, do mesmo diretor, e Batman (1989), embora infelizmente os elogios à atuação não possam ser estendidos nesse caso.

Ainda nos pontos negativos, o maior problema de “8 Mile” está no tempo do filme. Não em sua duração ou ritmo, que são de fato impecáveis, mas sim no recorte temporal que é feito em cima de uma história tão extensa e intensa como a do rapper. Ao escolher se passar exclusivamente no período que antecede a fase musical do artista, e se concentrar no tempo das batalhas de rimas, o roteiro acaba por definir seu clímax nessas breves disputas que nos fazem bater cabeça e vibrar mesmo sabendo o previsível seguimento da história, mas que acabam por ofuscar o profundo estudo de personagem/vida em favor de alguns momentos mais eufóricos.

Em síntese, “Música é um reflexo do si”. É o que expressa o rapper em seu sucesso “Sing For The Moment” , parceria com a banda Aerosmith. Essa frase define e contrasta simultaneamente toda carreira do artista, que muitas vezes se camufla na persona do Slim e de seu apelo cômico para falar sobre sua conturbada vida pessoal.

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Entretanto, é naqueles momentos em que Eminem abandona seu alter ego que vemos seu verdadeiro reflexo. E é desse modo que 8 Mile – Rua das Ilusões se estabelece como o simulacro da essência do artista, ao copiar o que já é uma cópia. Afinal, a vida imita a Arte e aqui, a Arte imita o que já é Arte.


Poster do filme 8 Mile - Rua das Ilusões

MAIS INFORMAÇÕES:

Título Original | Ano:  8 Mile  | 2002
Gênero: Drama, Musical
País: EUA
Duração: 1:50 h
Direção: Curtis Hanson
Roteiro: Scott Silver
Elenco: Eminem, Brittany Murphy, Mekhi Phifer, Kim Basinger, Evan Jones, Omar Benson Miller, Michael Shannon, Anthony Mackie e outros
Data de Lançamento:21 de março de 2003 (Brasil)
Censura: 16 anos
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

 


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