‘Essa Gente’ aproxima o leitor do autor ao trafegar com glamour, acidez e sentimentalismo sobre as mazelas, hipocrisia e achismo de uma gente que se perdeu sabe-se lá onde.
Essa Gente é o mais novo romance do cantor, compositor, escritor e ficcionista Chico Buarque, e pode-se dizer que esse é o romance que mais se aproxima do íntimo do artista. Detalhes que vão desde a busca pela inspiração nas ruas do Leblon, ou seja, pelo tom vocálico em ambos nomes, Manoel Duarte, o personagem do livro, também tem essa força vocálica em seu sobrenome.
Duarte é um escritor em decadência, separado da esposa, e vive seus árduos dias em busca da tão sonhada inspiração para terminar seu livro. A rotina no Rio de Janeiro, a brisa das praias, os vizinhos de condomínio que vivem a afortuná-lo e o acumulo de dividas preenchem as lacunas dos dias dele. A pindaíba financeira e afetiva faz ele ricochetear entre ex-mulheres, putas e o filho adolescente com quem não consegue manter um diálogo afetivo.
O livro está entre os romances mais amarulentos e instigantes de Chico. A narrativa é contada através de pequenos capítulos como se fosse um caderno de diário, o que permite idas e vindas na história. Mais um enigmático roteiro criativo, que se apresenta mais como um quebra-cabeça de um conto policial, mesclando sua escrita e o eu lírico para contar os dramas e a rotina de um escritor à beira de um colapso mental, jogado a farrapos no caos e violência generalizada que faz o Rio de Janeiro sangrar e se consumir em flagelos de conflitos sociais.
Chico Buarque adota uma escrita urgente, glamorosa para fazer críticas sofisticadas ao fascismo e elitismo colonialista que domina e governa nossos tempos modernos. Passagens literárias que remetem ao Chico combatente da ditadura militar em composições melodiosas.
Existe um ponto em comum entre suas canções e sua narrativa em Essa Gente, que é um romance simples e multifacetado, sua história principal pode ser o reflexo de um Rio de Janeiro ou do próprio país, que vive de contradições, superficialidades e hipocrisias de uma elite soberba, ignorante e sem cultura.
Duarte é o espelho que reflete o que muita gente se tornou, seres apáticos emocionalmente e boçais intelectualmente, panorama de um país que vem caindo com suas próprias mazelas. Existem semelhanças entre Duarte e Chico. Um tem um pouco do outro, mas Duarte é tudo aquilo que Chico não foi.
Essa Gente também pode ser a deformidade que corrói os desfavorecidos ao buscarem ser aquilo que acreditar que a elite é. Essa Gente pode ser a representação de todos nós. Já o Leblon é tudo aquilo que o Brasil queria ter sido. Serve como cartão postal para a narrativa corrosiva de Chico, em denunciar as maldades e atrocidades de um desgoverno que consome e rasga direitos de cada um de nós e se esquece de seus deveres. Essa denúncia não poderia vir em melhor momento e de ninguém menos que Chico Buarque de Hollanda.
É um romance forjado no hoje e no agora, possui uma narrativa divertida e um tanto crua, onde o lado poeta ganha vida para entregar tortuosas vielas literárias. E partindo desse novo olhar, cria-se uma nova perspectiva onde o leitor é apresentado a vida e rotina diária dos principais personagens, que parecem estar submersos em um cotidiano de pura violência, com humilhação de porteiros, espancamento gratuito de mendigos por “filhinhos de papai”, bullying sofrido pelo filho de esquerdistas na escola, ruas alagadas em dias de chuvas e a falência material e moral de uma cidade que já foi cartão postal de uma nação.
Um grande livro de Chico Buarque, talvez o melhor até agora. Uma obra que veio para desempenhar um papel literário muito importante e apresentar afetos, princípios e valores para que “Essa Gente” não volte a fazer o que fizeram e estão fazendo com o Brasil.
FICHA TÉCNICA:
Título: Essa Gente
Capa: Raul Loureiro
Temática: Drama, Romance
Editora: Companhia das Letras
Autor: Chico Buarque
Ano: 09/11/2019
Páginas: 200
Idioma: Português
Dimensões: 15.50 X 22.50 cm
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