“Uma história de ciúmes travestida de um drama implacável e sombrio, e a difícil relação entre dois irmãos”
Várias são as produções que retratam as relações conflituosas de irmãos sendo sempre muito bem recebidas. Em muitas delas, o roteiro apresenta algum problema que necessita da colaboração de ambos. Diante desse impasse, irmãos são obrigados a esquecer suas diferenças e unir suas qualidades, aprendendo um com o outro a lidar com todas as adversidades que tem pela frente, em uma jornada de descoberta do outro e aceitação de sua condição.
I Know This Much is True, recente produção da HBO, não se utiliza dessa premissa para contar a relação conflituosa de anos entre os gêmeos Dominick e Thomas Birdsey, ambos vividos por um excepcional Mark Ruffalo. Baseado no livro de mesmo nome, a nova minissérie apresenta um drama pesado, onde não há tempo para lágrimas.
Dominic e Thomas Birdsey nasceram em uma família cheia de segredos. Sua mãe, uma submissa Melissa Leo, nunca revelou a identidade de seu pai real. Seu padrasto controlador e abusivo (John Procaccino) escolhe Thomas, em particular por ter uma aura mais leve, para servir de exemplo punitivo. Décadas depois, Dominic é relativamente estável em comparação com Thomas, que desenvolveu esquizofrenia e que vive entrando e saindo de instituições há anos. OS irmão cresceram em Three Rivers, Connecticut, uma antiga cidade industrial construída pelos imigrantes que se reuniram lá nas primeiras décadas do século XX, incluindo Domenico Tempesta o avô siciliano dos gêmeos.
Já no primeiro episódio, temos a apresentação do tipo de narrativa que vai permear por toda a minissérie. Trazida para a TV pelo diretor Derek Cianfrance, responsável também pela adaptação, I Know This Much is True se apresenta como muito difícil. Há momentos em que a “fadiga da compaixão” se instala, particularmente no episódio final. Mas ver os atores fazerem o que fazem de melhor, com Cianfrance dando a eles espaço para isso, faz do programa um verdadeiro banquete.
A performance de Ruffalo é excepcional, faz com que esqueçamos literalmente que ele é o mesmo ator interpretando dois personagens completamente diferentes. É um desempenho tão altamente qualificado que a “habilidade” em si é invisível. Por mais doloroso que seja o tema da série, assistir Ruffalo enfrentar um enorme desafio como esse sem mostrar nenhum esforço é emocionante e gratificante. O ator emagreceu 9 quilos para interpretar Dominick e convenceu os produtores que houvesse um intervalo de sete semanas para que engordasse 18 quilos para retomar as gravações, dessa vez como Thomas. Fato mais que imprescindível para evidenciar os caminhos de vida que os gêmeos tomaram durante a sua trajetória.
A diferença entre Dominic e Thomas não é apenas superficial. Por mais que tente disfarçar, Dominick sofre a sua maneira, é perceptível o peso que ele carrega, é uma pessoa disfuncional. Ele tem muitos traumas dos quais não consegue se curar, e devido a todos esses problemas afasta todos ao seu redor, criando uma barreira intransponível. Já Thomas, se rendeu e desistiu de tudo, ele é o verdadeiro coração da historia, nas palavras do protagonista.
Ruffalo tem atuação soberba interpretando dois personagens distintos, cada um em sua personalidade, expressões corporais e posturas distinta, incluindo o timbre de voz. É sempre bom ver um ator voltar à boa forma depois de tantos anos fazendo o mesmo papel.
O elenco ainda tem Kathryn Hahn que interpreta a ex-esposa de Dominic; Dessa, ligada a Dominic através de lembranças dolorosas e amorosas; Imogen Poots é Joy, a nova namorada de Dominic, uma mulher muito mais jovem e menos inclinada a simpatizar com o humor dele. Rob Huebel é muito engraçado como Leo, o melhor amigo de Dominic, um aspirante a ator e vendedor de carros usados. Completam o elenco Rosie O’Donnell (Lisa Sheffer) como a assistente social responsável por Thomas, Archie Panjabi (Dr Patel) como a terapeuta que acompanha os dois irmãos e Juliette Lewis (Nedra Frank), tradutora da língua italiana completamente imprevisível.
Há que se elogiar bastante o ator Philip Ettinger por interpretar os irmãos Dominick e Thomas quando adolescentes entrando na vida adulta, entrega uma performance com a mesma desenvoltura de atores veteranos não deixando nada a dever a Mark Ruffalo, mas com menos tempo de tela.
Utilizando o formato 35 mm para as filmagens, Derek Cianfrance capta com sua câmera as cores sombrias das cidades da Nova Inglaterra: desde folhas encharcadas, a tranquilidade e a escuridão sombria dos bosques e cachoeiras que se localizam depois de cemitérios.
A câmera se mantem muito próxima do ponto de vista de Dominick, em muitas vezes filmando não apenas em close-ups, mas com todo seu rosto preenchendo a tela, muitas vezes deformado pela angustia latente de Dominick, mas também por uma raiva que teima em não desaparecer.
Mais um trabalho muito sensível de Cianfrance atrás das câmeras, assim como em Namorados para Sempre, a câmera muito próxima de Michelle Williams e Ryan Gosling, enquanto ambos travavam batalhas para manter seu casamento, exemplo captado com maestria numa das cenas em um quarto de motel espelhado. Cianfrance prioriza a realidade, muitas vezes monótona de várias conversas, com repetições e pausas, como nos diálogos entre Dominick e Lisa Sheffer. Mesmo sendo uma abordagem discreta, consegue captar pequenos pedaços de comportamento de seus comandados, como expressões faciais, como forma de captar um material com potencial melodramático. O diretor tem um cuidado mais que preciso com seus atores, é como se não houvesse filtros de seus atores.
Há de se destacar também na minissérie o trabalho complexo e muito emocional de sua trilha sonora. Composta por Harold Budd (músico que já colaborou com Brian Eno, Robin Guthrie e outros), a sensibilidade da música ambiente de imprimir profundidade nos acordes traz um desconforto ao espectador, é como se a música potencializasse toda a angustia vivida pela família Birdsey, passando do sentimental ao doloroso em uma mesma cena. Já no primeiro episódio temos uma amostra de como a trilha sonora vai se desenvolver.
Embora a historia possa parecer a vida real de algumas famílias, a série é baseada em um livro, e sendo assim, tudo que passa ao longo dos seis capítulos, em um tom bastante realista, nos leva a ter essa sensação. Durante a produção da minissérie, o diretor e ator trouxeram à tona sentimentos sobre entes queridos falecidos, no caso de Ruffalo, o irmão falecido em 200o, e a irmã de Cianfrance, em outubro do ano passado. A minissérie faz uma homenagem aos dois entes falecidos. E esse clima familiar permeia todo o programa, pode não ser uma tarefa fácil, mas ao fim da jornada, todo o sacrifício valeu a pena, mesmo que com um leve sorriso ao fim do ultimo episódio.
>>> NOTA: 9.0 <<<
NOTA DOS REDATORES:
EDUARDO JULIANO: –
EDUARDO SALVALAIO: –
MARCELLO ALMEIDA: –
MÉDIA: 9.0
LEIA TAMBÉM:
RESENHA: PREACHER| 2ª Temporada
RESENHA: THE OUTSIDER | 2020
:: FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Temporadas: 01 (minissérie)
Duração: 60 minutos (06 episódios)
Direção: Derek Cianfrance
Roteiro: Derek Cianfrance, Anya Epstein e Wally Lamb
Elenco: Mark Ruffalo (Dominick e Thomas Birdsey), John Procaccino (Ray Birdsey), Melissa Leo (Ma), Imogen Poots (Joy Hanks), Philip Ettinger (Dominick e Thomas Birdsey jovens) e outros
Data de Lançamento: 10 de maio de 2020
Censura: 16 anos
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes
No Comment