Se você espera aquele tipo de filme de aventura recheado de batalhas épicas em meio a cenários deslumbrantes ou invasões de castelos (tipo O Senhor dos Anéis), embates contra dragões e criaturas ferozes ou intrigas ao estilo de Game of Thrones, é bom saber de antemão que não é essa a pegada aqui, de O Cavaleiro Verde, produção do estúdio A24.
O filme conta a história do jovem Gawain (Dev Patel),( jovem com aspirações de se tornar um cavaleiro mas que acredita não possuir os requisitos para tal), sobrinho do rei Artur e membro da corte da qual fazem parte os Cavaleiros da Távola Redonda.
Durante a Ceia de Natal em que toda a corte está reunida, um misterioso e assustador Cavaleiro Verde, criatura invocada pela mãe de Gawain através de um feitiço, propõe um jogo a todos os presentes: ele se prostrará para que aquele que aceitar o jogo lhe qualquer tipo de golpe com seu machado; aquele que o fizer deverá encontrá-lo dali a um ano na Capela Verde para ter a mesma retribuição. Tarefa assumida por Gawain de forma não muito decidida, mas mais influenciada pelo diálogo travado com o tio momentos antes.
A história de Sir Gawain e o Cavaleiro Verde já teve diversas adaptações tanto para o cinema quanto para a TV, o que difere o trabalho de Lowery de tudo que o antecedeu é a maneira como a narrativa se desenvolve, optando por imagens e gestos, as ambientações quase oníricas ao longo da jornada de Gawain e, claro, os efeitos especiais deslumbrantes que cumprem de forma mais que eficiente sua função de engrandecer a narrativa, seja na figura do Cavaleiro Verde, ou na cena com as mulheres gigantes, à cargo da empresa de efeitos Weta Digital, fundada por Peter Jackson. A trilha sonora é envolvente, às vezes minimalista e assustadora, às vezes espalhafatosa, e como não poderia deixar de ser traz canções com canto no estilo medieval.
O Diretor David Lowery (de A Ghost Story) faz aqui uma livre adaptação de uma das histórias arturianas mais conhecidas, “Sir Gawain and the Green Knight”, romance de cavalaria do século XIV, de autor desconhecido, e contado originalmente em forma de poema. Inicialmente previsto para ser lançado em 2020, o filme teve a sua estreia adiada até julho deste ano, nesse ínterim, o diretor resolveu refazer toda a edição por não ter ficado satisfeito com o resultado final.
A versão apresentada por Lowery oscila entre o detalhismo extremado e o minimalismo nas informações que são apresentadas ao espectador. Essa escolha obriga a uma grande atenção em relação a tudo que acontece em tela e também aos diálogos.
Ao mesmo tempo, para quem pouco ou nada sabe a respeito da história, vários acontecimentos podem parecer descabidos ou sem sentido, gerando a sensação de incompletude, já que a obra passa a não bastar em si mesma, sendo suficiente buscar respostas além do próprio filme. Essa opção por deixar muitas questões em aberto, assim como outras escolhas talvez relacionadas ao custo de produção, não diminui o longa, permite interpretações e discussões pós-filme.
A cena de abertura emoldura de forma perfeita a proposta a ser seguida ao longo do filme. Num primeiro plano, um homem dormindo recostado a uma parede próximo a alguns animais; num segundo, fumaça e chamas começam a surgir numa construção ao longe ao mesmo tempo que vozes agitadas. Um casal apressado surge e a câmera muda sua direção deslizando para adentrar um aposento e apresentar o personagem principal do filme. Sem palavras, apenas com o uso de imagens e movimento de câmera, o diretor está claramente dialogando com o espectador, convidando-o para um jogo onde o detalhe das imagens e dos gestos serão importantíssimos para melhor absorção da obra, mesmo que seja necessário assistir uma segunda vez. Como exemplo, o sutil aceno com a cabeça feito por Merlin para Artur, na cena em que o Cavaleiro Verde surge. E os diálogos são todos incrivelmente reveladores e essenciais para o entendimento da narrativa, vide o que se segue quando Gawain é perguntado do motivo de o cavaleiro ser verde.
O personagem de Gawain construído pelo roteiro, de autoria do próprio Lowery, e interpretado por um Dev Patel irretocável, falta-lhe várias das qualidades que são atribuídas aos cavaleiros. Ao longo de sua jornada ao encontro do Cavaleiro Verde e até mesmo antes, sua condição de cavaleiro é constantemente questionada por algum personagem, e até mesmo ele tem dúvidas se possui alguma das qualidades de um cavaleiro, já que em muitos momentos não demonstra coragem ou um comportamento nobre, ao contrário, entrega-se constantemente ao vício da bebida. Gawain não é o exemplo perfeito e acabado de um cavaleiro clássico das histórias medievais, mas um ser humano com vários defeitos e sobre o qual se impõe várias cobranças pela sociedade, amplificadas pela condição de sobrinho do rei.
Dois pontos que merecem toda atenção. 1 – o simbolismo envolvido na atitude de Gawain decapitando o “convidado” indesejado, que mesmo evocado a partir de bruxaria, pode ser tomado como uma representação da natureza; dentre as várias possibilidades, Gawain teve a atitude bem típica diante da presença do diferente, do que não conseguem entender, ainda que desde o princípio soubesse que aquilo que fazia com o outro aconteceria consigo dali a um ano, que teria um retorno. 2 – os minutos finais do filme, cerca de vinte, acontece praticamente sem diálogos, com uma sucessão de eventos posteriores ao encontro de Gawain com o Cavaleiro Verde; num retorno ao que o filme havia proposto em seus minutos iniciais: uma narrativa onde os diálogos se resumem quase estritamente ao essencial, mais composta por imagens, numa experiência bastante contemplativa e que pode não agradar a todos.
FICHA TÉCNICA
Título Original | Ano: The Green Knight | 2021
Gênero: Fantasia, Drama
País: EUA, Irlanda, Inglaterra, Canadá
Duração: 2:10h
Direção: David Lowery
Roteiro: Lucio Besana, Roberto De Feo, Paolo Strippoli, Milo Tissone e David Bellini
Elenco: Dev Patel, Alicia Vikander, Joel Edgerton, Sean Harris, Sarita Choudhury e outros
Data de Lançamento: 30 de julho de 2021
Censura: 16 anos
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes
TRAILER DE ‘O CAVALEIRO VERDE’:
Melhor filme desse ano, na minha opinião