Formado pelas irmãs Lilian e Laiane Soares, e Jean Machado, o grupo de Curitiba surgiu após o fim da banda Simonami, que chegou a lançar o álbum “Então Morramos”, em 2013.
Faziam parte da Simonami os três membros que formariam a Tuyo. Em 2017 o trio lançou o EP de quatro faixas,”Pra Doer”. O lançamento rendeu resenhas positivas e cativou um bom público, que se identificou de pronto com a proposta musical do trio, principalmente, pelas letras de tom confessional. A participação das irmãs no programa global The Voice Brasil, em 2016, também ajudou a divulgar o trabalho do grupo.
Após várias apresentações ao redor do país e uma boa dose de expectativas, lançaram já no final de 2018, “Pra Curar”. Conceitualmente o álbum sugere uma continuidade ou complemento das ideias iniciadas no EP, musicalmente expande a sonoridade do grupo, com um uso mais intenso da eletrônica, e repete o lirismo, agora falando de “frustrações existenciais.
Com matizes essencialmente acústicas, o grupo elabora canções que optam pela delicadeza e certa simplicidade, ao tempo que incorporam influências folk, entram também elementos de música eletrônica, pop e também da MPB, tudo envolto uma aura de melancolia pungente onde destacam-se o belo trabalho vocal das irmãs Soares.
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O nome Tuyo sugere uma troca artista/ouvinte. Quando vocês chegaram a esse nome, já havia uma ideia musical estabelecida, um caminho definido a seguir?
R: No início, nós sentíamos a necessidade de um lugar pra colocar nossas músicas, um espaço que fosse permitido colocar tudo que a gente estava produzindo. Todos os demônios em forma de letra, harmonia e as coisas que íamos descobrindo no decorrer do tempo. Acredito que essa coisa de caminho definido a seguir é ilusória demais. Claro que existem os planos pra Tuyo e os sonhos com a trajetória, mas o começo foi despretensioso. Veio mais da necessidade de vomitar coisas do que de um plano intencional do que a Tuyo ia ser, de como iríamos dizer essas coisas e qual seria a nossa linguagem. As coisas tomam forma no processo. Olhando pra trás, a gente enxerga o caminho que se definiu até aqui.
Recentemente vocês lançaram o álbum “Pra Curar”, poderiam falar um pouco sobre o conceito dele e de que forma se distancia ou se relaciona com o EP “Pra Doer”. E, de forma geral, o que mudou na Tuyo entre um e outro?
R: Tanto o EP quanto o disco fazem parte de um mesmo ciclo. Um encerrando e iniciando o outro. Os conceitos da escrita não se distanciam tanto, no “Pra Doer” a gente fala muito de frustrações românticas, no “Pra Curar” expandimos um pouco mais pras frustrações existenciais, cavando mais as inquietações interiores do nosso corpo no mundo. Na estética, acho que as coisas só foram tomando mais forma e fomos explorando mais os elementos que a gente já curtia no “Pra Doer”. A mudança da Tuyo está nisso: em ter tempo e espaço pra destrinchar os temas que nós três carregamos, de dor, conflito e caos, podendo juntar com tudo que a gente curte tocar e ouvir.
Após um EP e um álbum, vocês acham que já encontraram sua própria música e o que vier depois serão desdobramentos ou é um processo constante de mudança?
R: Ah, a gente tá sempre nos processos, né. Acho que não tem isso de encontrar nossa própria música. Hoje a gente toca assim, fala sobre o que queremos falar e o que a gente usa funciona pra nós. Mas é tudo muito incerto, muito líquido. Amanhã pode ser que tudo mude, que a gente encontre outros processos, outros lugares pra descobrir dentro do som que a gente faz ou fora dele.
O resultado alcançado do que vocês lançaram está dentro daquilo que vocês tinham em mente ou aconteceram mudanças ao longo do processo de gravação?
R: A gente não via a hora de colocar esse disco pra fora. Foi bonito demais ver um trampo desse tamanho ter saído de nós. Muitas músicas do disco a gente já tocava nos shows, então foi gostoso poder dar pra elas um fonograma foda. Poder ouvir elas do jeito que a gente queria ouvir. Colocar elas no mundo assim. Parimos um filho. Mais bonito ainda é ver o pessoal que cantava junto nos shows curtindo as músicas agora no fone em casa, na rua… Esse disco é um retrato bonito de todo o processo que a gente viveu, desde a composição das letras e das prés até chegar a master quentinha nas nossas mãos. Foi um trabalho que envolveu uma equipe foda demais.
As letras da Tuyo são contundentes e possuem um tom confessional, causando identificação imediata no ouvinte devido a honestidade e entrega emocional que permeia cada frase, por outro lado, a sonoridade da banda é lo-fi e etérea. Como essa deliciosa discrepância entre letra e musica surgiu? Foi algo estudado ou intuído?
R: Não vemos como discrepante a letra da sonoridade. Existe uma vulnerabilidade nas duas coisas e por isso elas se conversam, mas não foi estudado. As coisas surgem da nossa necessidade de dizer e de tocar, e tudo o que a gente tinha na mão. O violão e os equipamentos emprestados. A gente pegou as coisas que tinha e fez o som que foi possível, pra não deixar de dizer o que queria. Lo-fi vem daí também, né. Não é estudado, é a urgência que faz o rolê.
A canção ” :'(” versa sobre não enxergar a própria beleza, embora exista a consciência de que ela é percebida pelo outro. Como vocês lidam com as inseguranças e medos da sua arte?
R: Às vezes, nesse mundo louco da música, é mais difícil lidar com ego do que com insegurança. Mas o negócio é sempre estar atento, perceber você e o outro. Sempre conversar sobre essas questões entre as bandas, entre os amigos. Ainda mais na galera independente, você enxerga as semelhanças. Insegurança e medo sempre vão existir, mas elas diminuem um pouco quando você vê mais gente no corre sincero.
Vocês acham que hoje, mais do que nunca, as pessoas buscam e projetam na música (e nas artes em geral) uma resposta ou um lugar de conforto para seus sentimentos e até que ponto a música da Tuyo pode ser essa resposta?
R: Música sempre foi válvula de escape e sempre foi ponto de encontro também. Em todas as artes, claro.
A música da Tuyo não é resposta pra nada. Não tamo aqui pra salvar ninguém. Maaaas é muito doido chegar num show e ser testemunha desse evento que é se expor coletivamente. A arte tem isso, esse lugar que proporciona o encontro. No show, você vê o resultado desses encontros com você mesmo e com o outro.
A gente não canta pra salvar e pra confortar ninguém, a gente canta pra vomitar nossos demônios. E a consequência disso é poder ver uma das coisas mais bonitas: outra pessoa que você não conhece ter a experiência dela, só dela, com essa mesma música que a gente vomitou.
Como artistas vocês demonstram uma grande preocupação com a mensagem que passam para o seu público, isso em todos os sentidos. Até onde vai a responsabilidade do artista?
R: A gente precisa ter o cuidado de se comunicar um com o outro, de se relacionar com quem ouve a gente. Porque, a partir do momento que a gente canta, a música já não é mais sobre nós, é sobre quem tá cantando e ouvindo ela. Sobre a história dela e não nossa. Claro que existe muita troca nisso. Quem faz música também precisa ter sensibilidade pra ouvir e compreender quem recebe essa música. A gente tá falando de coisas muito íntimas, de traumas. Tem que existir sensibilidade e compreensão pra essas coisas.
É perceptível que hoje existe um reconhecimento de crítica e público a respeito da banda. Quando foi que vocês perceberam que esse projeto estava começando a dar certo e quais os maiores desafios iniciais?
R: Sinto que a Tuyo só começou a dar certo porque a gente começou a se levar a sério, entender que não podia mais ser nosso segundo emprego. A gente tinha que arriscar mesmo, mas não deixava de ser um tiro no escuro. O desafio era ter essa coragem de sair do garantido pra um lugar em que tudo é muito incerto.
O processo de gravação e de shows são situações completamente diferentes e com desgastes e prazeres diferentes, vocês tem preferência por algum dos processos?
R: É bonito viver esses processos, mas acho que justamente por eles serem diferentes não dá pra escolher. O show é o resultado de tudo, é o encontro de tudo, vem aquele prazer de tocar junto, a dor de revisitar as músicas, a curiosidade de conhecer quem ouve a gente. E a gravação carrega essa coisa de conceber, escolher os elementos, pensar junto. É tudo gostoso demais.
Fazer música, gravar e distribuir parece algo bem mais fácil atualmente do que antes. Os artistas hoje até parecem mais “próximos” de seu público, devido as redes sociais. Ao mesmo tempo, os espaços nas mídias convencionais parecem tão ínfimos. Como analisam esse cenário?
R: Acho que as sociedades são organismos vivos, em funcionamento, sendo alterados e alterando o espaço em que vivem. Os tempos, presente, passado, futuro vão ser sempre antagônicos em algumas coisas, convergentes em outras e é isso aí. Às vezes, a gente dedica um tempo pra essas reflexões mas talvez, por conta do tamanho, da efemeridade do nosso tempo fazendo música, em comparação ao tempo que leva pras sociedades se moverem, valha mais a pena empenhar a energia nos fenômenos de beleza que esse cenário oferece. As conexões e a democracia que a internet providencia (citamos a internet porque acreditamos que ela é a responsável pelos fenômenos mencionados na pergunta). Poxa, que beleza! Que maravilha um objeto tão importante, vital pra construção das nossas abstrações estar tão mais acessível. Isso significa que talvez a gente engula a mídia convencional com farofa e os periféricos invertam as pirâmides através desse atalho maravilhoso que é a arte. Talvez o maior fenômeno sejam os periféricos alcançando privilégios através do prestígio que os objetos de arte providenciam pro artista sob algum holofote. Enfim, longa discussão, excelente pergunta.
Dentro do cenário nacional e internacional, com quais artistas/bandas vocês se identificam seja musicalmente ou em termos estéticos?
R: Nos top da Tuyo estão Fabriccio, Tássia Reis, Baco Exu do Blues, Thundercat, Nick Hakim…
Vocês tem feito vários shows pelo Brasil, um país marcado pela diversidade, como vocês observam a maneira como o público recebe e interage com a música da Tuyo?
R: A gente ainda leva muito susto com isso. Sair da internet pra ter esse encontro ao vivo muda muita coisa na nossa cabeça. Porque a gente tá aqui da nossa casa fazendo música e soltando bem tranquilinhos, não dá pra ter uma super noção de onde nosso som chega. Aí, de repente, vamos até essas pessoas e rola uma comoção, um carinho, uma troca absurda. O pessoal cantando “Terminal” junto com o Machado é muito foda.
O que acharam do show em Feira de Santana, no Feira Noise?
R: Foi uma delícia! A gente ainda tá processando essa novidade de chegar num lugar tão distante da nossa cidade (Curitiba) e encontrar pessoas que curtem o nosso som, que ouvem a gente. Feira Noise é incrível demais! Uma honra ter participado.
Tem algum artista com quem vocês gostariam ou pensam em trabalhar um dia?
R: Poxa, tem uma penca de artistas. Mas acho que quem ganha por unanimidade na Tuyo é o Siba. Claro que o som dele acaba sendo muito distante do nosso, mas a gente sonha, né? A gente é tudo cria do som dele.
Vocês anunciaram via Twitter que já possuem material para um próximo disco, o que poderiam adiantar a respeito?
R: O que já dá pra dizer é que vai rolar muito mais letra do Machado e da Lio com certeza.. vai rolar muito mais dessa mescla de composições.
Finalizando, quais as metas para o futuro e qual recado gostariam de deixar para os fãs da Tuyo?
R: A meta agora é tocar mais, tocar muito. Temos uns planinhos de soltar mais músicas pelo ano, com artistas que a gente curte muito. Em 2019 também tem plano pra clipes e, no meio de tudo isso, tem o novo disco pelo projeto da Natura Musical, que já estamos começando a pensar. Tem muuuuita coisa!
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:: Discografia:
– Tuyo (2016)
– Pra Doer EP (2017)
– Pra Curar (2018)
:: Mais sobre a banda: Facebook | Bandcamp
:: LEIA TAMBÉM: ENTREVISTA COM RENATO MALIZIA
:: Ouça “Pra Curar” na íntegra:
Entrevista bacana, que transmite uma leveza no forma de lidar com a música. Parabéns Luciano pelo trabalho do site em apoiar/divulgar o cenário independente da boa música brasileira. Parabéns também pelo belo trabalho da banda, mostrando que muitas vezes o “menos é mais”.
Valeu, Ângelo. Obrigado pelas palavras, elas nos incentivam a levar essa bagaça adiante.