Irmão Carlos é um artista inquieto e presença constante no cenário musical baiano. Músico, produtor musical e agitador cultural, Carlinhos, para os mais próximos, às vezes parece que é onipresente, quando menos se espera olha ele lá! Da sua cachola saíram projetos como o “Domingo de Cabeça pra Baixo – Faustão Falando Sozinho”, onde no primeiro domingo do mês rolava shows no Espaço Cultural Dona Neuza; a Incubadora Sonora; além de oficinas diversas. Atualmente tem se dedicado ao seu Estúdio Caverna do Som e divulgar seu primeiro álbum solo homônimo (após três com O Catado), lançado em 2017, e que inclusive figurou entre os melhores álbuns do ano nos sites El Cabong e Som do Som. Pensa que parou por aí? Abaixo ele fala sobre seus novos projetos, sobre o álbum e muito mais.
Musicalmente seu álbum solo soa mais diversificado do que seus trabalhos com o Catado, há desde os elementos eletrônicos da abertura com “W Raimundo”, o blues e elementos reggae de “Virando a Página”, onde a letra diz: “Eu não mudei o meu caminho, só desviei um pouco pro lado”. Foi algo consciente essa busca de diversidade ou simplesmente aconteceu?
R: O desvio foi consciente. Era uma necessidade pessoal “mermo”. Coisas q eu já vinha experimentando e que talvez não coubesse no trabalho com O Catado, embora lá também não tenhamos limites. É um momento em que eu venho flertando mais com a música eletrônica, com sintetizadores e onde eu volto a beber das minhas raízes de fato: os timbres e a liberdade dos anos 80, que eu adoro. Como costumo dizer, eu uso a black music como terreno e as sementes que eu planto são diversas. Daí essa permissão de conversar com o blues, o reggae o punk e o “raulseixismo” que é a minha base.
E o que poderia falar das participações dos músicos convidados, como eles influenciaram no resultado final?
R: As participações, na verdade, foi um convite que fiz a uma turma que eu gosto muito como pessoas e dos trampos, e que também se amarram no meu trabalho e também gostam de mim como pessoa, como produtor e tudo mais. A exceção foi Junix, que eu não conhecia pessoalmente. Nos conhecemos (virtualmente) no processo… Fez tudo na casa dele mesmo. Topou participar sem pestanejar e mandou ver nos synths e guitarras em “Flutuar é uma Vontade”. Essa faixa conta também com o marcante “game rife” de Andel Falcão.
A turma da IFÁ Afrobeat: Átila, Fabrício, Alexandre, DubMan, já temos uma relação de amizade e somos fãs dos trabalhos um do outro, o que resultou em diversão, criatividade, gastação e trabalho ao mesmo tempo. A música foi “Engrenagem da Ilusão” e coisa aconteceu tão natural, que Fabricio (baixista) e Jorge Dubman (baterista), até gravaram outra música “Me Engasguei Outra vez no Jantar” que não tava no script deles, e a música só ganhou. Ela também conta com rifs e timbres de guitarra de alto nível do um amigo e parceiro de trabalho, Alexandre Tosto, que também fez toda identidade visual do disco e é responsável pelo sucesso da campanha do crowdfunding.
Eric Assmar foi uma tarde na Disneylândia. O Slide de vidro, que ele tinha uma grande estima, quebrou acidentalmente, mas ele não deixou a bola cair… Pegou uma garrafa pequena de cerveja e deu no que deu: Um arranjo sensacional!
Em “Virando a Página” eu conto com o groove dos amigos e ex músicos do Catado: Valter Neto e Alan DuGrave, que também chegaram em clima de festa. Tarde de diversão!
O disco tem também Diego Moreno nos teclados, Jonatas Fernandes no Baixo, Normando Mendes no trompete, Vinícius Freitas no sax Barítono, Léo Couto no sax tenor, Bruno Nery no Trombone, Everaldo Pequeno no trompete e Enio nas guitarras e Iphone.
Você já havia gravado a canção “W Raimundo” com o Catado, o que levou a escolhê-la para abrir o álbum, mas com uma nova roupagem?
R: “W Raimundo” eu tive as mãos e ideias de Enio, que fez tudo num Iphone e guitarra, seguindo caminhos de coisas que me influenciaram e certamente a ele também. Ouvimos algumas coisas na hora de criar e o que mais marcou foi o disco “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, dos Titãs. A estética de “W Raimundo” abrindo os caminhos do álbum é uma reverência a esse discaço dos Titãs.
A faixa “Seu Lugar” tem uma pegada bem groove, funk, incluindo metais, mas no refrão ela dá uma mudada para algo que até lembra Reginaldo Rossi, o que poderia falar a respeito?
R: Ela é uma canção que fala de luta, conquista, respeito e define bem a minha visão do conceito de meritocracia. O arranjo surgiu naturalmente, o funk era a base mesmo, mas o “bregão” não foi pensado, acho que Reginaldo bateu lá na hora e se meteu no arranjo ajudando a gente.. Essa música foi toda arranjada e executada pela turma que toca comigo nos shows: Danilo Figueiredo no baixo e vocais, Silvio de Carvalho nas guitarras, Allan Villas Boas na bateria e Marcus Felipe nos teclados. Eu também fiz uns detalhes de teclados e arranjei o sopro, que foi muito bem executado por Bruno Nery e Everaldo Pequeno.
Você costuma dizer que a música de Irmão Carlos é pra dançar quando se está de pé, mas também pra pensar quando estiver deitado. Em suas letras há sempre alguma frase bem “afiada”, como artista você sente essa necessidade de passar uma mensagem?
R: Sempre me preocupo com a mensagem. Afinal essa é a função da arte. Existe no mercado a música de entretenimento que não precisa ter nenhuma mensagem, além de um refrão fácil que vende rápido e apodrece em seguida. Quando se fala em arte, aí sim tem uma missão… Essa não tem prazo de validade, e sempre tem uma preocupação e um objetivo. A gente escuta “Ouro de Tolo” , lançada em 1973, e hoje ainda é atual. Você lembra qual foi a música, que tocou em todos os trios, todos os dias, no carnaval de 2016? Certamente não por que já estragou!
Suas letras também captam situações do cotidiano, às vezes de uma forma engraçada e usando uma linguagem do dia-a-dia, é uma forma de aproximação com o público ou um estilo mesmo?
R: É porque acredito na verdade como maior apelo no meu trabalho. Não consigo cantar algo que não sinto. Tenho que sentir o que expresso. E a forma como eu falo é que me identifica. Meu sotaque é minha contribuição baiana na minha música. Me vejo como um artista universal. Embora goste do Muzenza e dos discos mais velhos do Olodum, eu não me permito regionalizar.
Luiz Gonzaga, Michael Jackson e James Brown são geniais, mas só um é regional. Já a bossa nova não foi regionalizada. Raul Seixas nunca se permitiu regionalizar, embora tenha flertado com diversas linguagens, mas a imprensa sempre se refere a ele como o “roqueiro baiano”. Tem algo errado nisso. Entende?
Ao mesmo tempo, há o uso de imagens surreais: “E se os prédios fossem construídos pra dentro do chão…O disco voador no céu agora vai andar no fundo do mar…E o avião andar no chão e o carro começar a voar”.
R: Ah! Aí eu forço o pensamento a sair da zona comum. Repensar novos caminhos. Na verdade essa é minha versão de “A Cidade de Cabeça pra Baixo” de Raul Seixas hauehueahu.
“Engrenagem da Ilusão” é uma das minhas preferidas do seu álbum solo, inclusive por causa da letra que fala justamente dessas “ilusões” do dia-a-dia que alienam as pessoas, incluindo a maneira como as pessoas se relacionam com o futebol. Tem alguma canção que você tem um carinho especial, seja em seu álbum solo ou com O Catado?
R: Engrenagem é um punk rock, em essência, plantado no groove. De fato é um protesto, embora bem humorado. Acho que bom humor e ironia é a base até pra reclamar.
Tenho um carinho especial sempre por uma música em cada época. Acho que no mesmo dia eu já mudo de preferência. aheuheauhu
Você também geralmente aborda assuntos relacionados a videogame em suas canções, se considera um aficionado? Tem algum jogo favorito?
R: Adoro as monofonias dos videogames mais velhos. Adoro Atari. Melhor de todos, sem dúvida!
Como foi o processo de captação de recursos através de crowdfunding para a prensagem do álbum?
R: Alexandre Tosto, guitarrista da Scambo, me deu a ideia e mesmo eu retrucado, sem acreditar que daria certo, ele me convenceu. Acabou desenvolvendo e executando toda a campanha e o resultado foi um sucesso. Além de descobrir que tenho muitos fãs e amigos/fãs, fiquei de cara quando uma empresa de Capivari-SP veio patrocinar esse disco aqui na Bahia: O Estúdio de masterização Absolute Master. Eu mandei o disco pra masterizar, paguei, adorei o resultado, e em seguida eles entraram em contato querendo me patrocinar e o fizeram. No dia do lançamento a turma veio a Salvador curtir o show e tudo mais. Já as empresas locais não dão a mínima.
Seus outros álbuns com O Catado foram todos gravados, produzidos, mixados por você. Porque para o álbum solo resolveu deixar o trabalho de masterização com o pessoal do Absolute Master?
R: Isso! Sempre faço tudo, mas esse eu senti a necessidade de uma visão externa pra finalizar. Pesquisei alguns estúdios de master e fui certo neles. Adorei o resultado.
Já tô compondo outro disco… Em breve vem coisa nova. Spoiler Oo!
Em algum momento de sua carreira você pensou em mudar para São Paulo, algo que bandas como Maglore e Vivendo do Ócio, dentre outras, fizeram? E o que pode falar da cena alternativa em Salvador atualmente?
R: Nunca pensei em mudar, até dezembro do ano passado, quando fui lá hauehuaehua! Brincadeiras a parte, fui na SIM São Paulo (Semana Internacional de Musica) e pirei com a cidade e com o mercado. Curti muito! De fato as dificuldades lá existem, mas as oportunidades também. Mas hoje tenho minha carreira como produtor musical e meu estúdio aqui, funcionando muito bem. Ainda não vejo essa necessidade, na real.
Salvador sempre foi foda! Sempre tivemos grandes bandas. Só não tínhamos informação, gerenciamento… Trabalhávamos na paixão. Hoje vejo que a turma tá andando cada vez melhor. Meu disco “Irmão Carlos” foi Eleito um dos melhores discos nacionais de 2017, pelo Som do Som, importante site de música nacional e o sétimo melhor da Bahia por um júri especializado, pelo site El Cabong. Ficou também entre os 20 primeiros da Bahia por escolha do público… Digaí!
Além das bandas que você já citou, temos a trinca de selos baianos distribuindo pro Brasil e pro Mundo muita coisa boa sendo produzida por aqui. Os selos são: Big Bross Records, Brechó Discos e São Roque Records. Basta clicar no Anuário do “Aqui Tem Rock Baiano” e ver. Se o povo de casa finge que não vê, o povo de fora enxerga de longe! Esse anuário foi citado por Thunder Bird em seu canal, onde ele fala sobre o rock da Bahia.
Como anda o projeto “Domingo de Cabeça pra Baixo – Faustão Falando Sozinho” e o Estúdio Caverna do Som?
R: Os projetos estão em stund by, mas a cabeça não pára. Vem coisa nova vindo. Não tenho formatado ainda, mas as ideias tão borbulhando. O estúdio continua no caminho certo, produzindo muita coisa: Discos, Eps e singles como o álbum “Reação” da Pastel de Miolos, que também tá na lista dos melhores discos baianos de 2017, Forró da Gota (Novo álbum), Ojá, que chegou a final do Festival Educadora FM, Callangazoo (EP finalizando), Dimazz (Novo álbum), Bilic (EP). Coletâneas como “Outro Jeito-Da Bahia Pro Mundo”, onde rola uma conexão com as bandas do interior do Estado, como Calafrio e Limbo junto com as soteropolitanas Exo Esqueleto, Tabuleiro Musiquim, Funfun Dudu, Lo Han, dentre outras pedradas. “Incubadora Sonora” onde me conecto com novos artistas da cidade como Coquetel Banda Larga, Zuhri, Mc Dyou, Búfalos Vermelhos e a Orquestra de Elefantes e por aí vamos. Novos artistas solo que acho que vão dar caldo e que tão estreando na música: Theedo, Axel Adrian… Iniciando 2018 co-produzindo, com Tati Trad, o EP de estréia da banda Lisbeth. Agora inicia-se também uma parceria com a Amavi Fotografia, pra um novo serviço de audio visual, o Caverna Live, que já começa com Ivan Motosserra e Coquetel Banda Larga. Vejam nosso canal no youtube…E não posso deixar de citar o melhor disco de rock, pra mim, da Bahia em 2017, o da Jato Invisível “Veiculando Neuroses”.
Você continua compondo no trânsito? E flutuar é uma vontade?
R: O trânsito é sempre um lugar bom pra criar. A gente tem tempo e matéria-prima.
Além dele tenho outro lugar que gosto muito: o banheiro.
Sim! Flutuar é uma vontade sempre. É tanto peso que a gente carrega sem perceber, que quando consegue se libertar de algum pequeno problema, a gente percebe o quanto aquilo incomodava, né? A fé remove montanhas. A minha fé no groove e no rock remove muitas montanhas que carrego, sempre que dá! Meditação, terapia e drogas psiquiátricas também ajudam!
Quando poderemos ver o show de Irmão Carlos em Feira de Santana novamente?
R: Assim que chamar! Let’s go!
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