‘A Morte do Demônio: A Ascensão’ mantém DNA independente mas finca os pés no cinema comercial


A Morte do Demônio: A Ascensão

Assustador, tenso, pesado, sangrento, enervante, nojento, claustrofóbico, divertido, insano. Estes são só alguns dos muitos adjetivos que podem ser direcionados ao novo filme da franquia Evil Dead, que acaba de chegar aos cinemas. Menos comicamente surtado e provocativo do que na trilogia inicial, o que realmente impressiona neste novo filme é seu “delicado” subtexto.

Pela primeira vez, desde que o visionário criador Sam Raimi teve a ideia genial de fundir no primeiro filme da franquia (lançado em 1981), dois subgêneros de sucesso do cinema de horror da década de 70 – possessão demoníaca e zumbis -, temos um roteiro mais elaborado e que trabalha muito bem o desenvolvimento de seus personagens principais, a ponto de não só nos importarmos mais com eles, mas de vislumbrarmos também as possíveis metáforas e alegorias inerentes a nova narrativa proposta.

Numa “evolução natural”, já esboçada na excelente refilmagem de 2013, os aspectos mais cômicos, descompromissados e trash da trilogia inicial são deixados de lado para darem espaço a uma proposta mais séria e mais clichê. Afinal, o cinema atual visa muito mais o lucro e é muito menos inocente do que era há quarenta anos atras. Manter a galhofa e até mesmo a despretensão temática dos primeiros filmes poderia causar estranheza e até mesmo inviabilizar a obra no atual contexto econômico e social em que vivemos.

Neste spin-off, que leva a ambientação pela primeira vez a uma grande cidade, somos apresentados a uma família que está se despedaçando aos poucos. O pai acaba de abandonar o lar, deixando sua esposa Ellie – em uma interpretação icônica e visceral da Alyssa Sutherland – vivendo com seus três filhos adolescentes em um prédio caindo aos pedaços e que, assim como Ellie, está prestes a ser demolido. Importante notar que esta é metaforicamente apenas uma das muitas similaridades entre Ellie e o prédio.

A Morte do Demônio: A Ascensão
Nell Fisher em ‘A Morte do Demônio: A Ascensão’

Morando no mesmo apartamento, porém imersos cada um na solidão de seu próprio mundo, a família age como se tudo estivesse bem. O único parente mais próximo seria uma irmã/tia ausente que resolve aparecer de surpresa, por também estar precisando de ajuda. Uma ajuda que nem sequer chegará a será verbalizada, diante da percepção de que sua irmã carrega fardos bem mais pesados que os dela.

É nessa dinâmica familiar frágil e de conexões incompletas e superficiais que, em sua bolha de imaturidade e teimosia, um dos filhos abre as portas para um demônio antigo entrar. A entidade sedenta, por sua vez, encontra o palco perfeito para instaurar e potencializar o caos e o desespero, acelerando assim o processo de deterioração das relações fraternais e amorosas, fazendo com que a família imploda em cada um de seus poucos e já abalados alicerces.

Obviamente, este filme não é um drama familiar, então toda essa complexa contextualização é exposta rapidamente no primeiro ato com extrema eficiência e agilidade, graças ao roteiro certeiro e a direção enérgica do excelente Lee Cronin, que parte desse desenvolvimento sólido de personagens para em seguida mergulhar no mais puro horror, levando os antigos e novos fãs da franquia por uma montanha russa de sensações, esbanjando todo tipo de gore em meio a possessões exageradas que se alastram e se manifestam por torturas físicas e psicológicas em banhos de sangue intermináveis, quase não deixando espaço para respiros ou alívio algum.

A sensação de opressão constante é reforçada por um trabalho cenográfico “poluído” e repleto de detalhes ameaçadores na composição de cada frame, que casados com um design de som extraordinário, brinca o tempo inteiro com o direcionamento de barulhos esquisitos por todos os lados e frequências que um sistema surround é capaz oferecer, garantindo uma imersão total, principalmente se apreciado em uma boa sala de cinema.

A Morte do Demônio: A Ascensão
Nell Fisher, Alyssa Sutherland, Morgan Davies, Lily Sullivan e Jayden Daniels em ‘A Morte do Demônio: A Ascensão’

Importante salientar o trabalho de maquiagem grotesco e o uso dos bons e velhos efeitos práticos, recorrendo a poucos e quase imperceptíveis efeitos computadorizados quando necessário. Porém, enquanto a tensão sobe numa crescente constante rumo a caótica carnificina final, quase esquecemos das questões mais sutis que foram colocadas lá no início da trama. Mas o alívio pós créditos finais nos leva a revisitar mentalmente o filme com mais calma, algo que é bem fácil de fazer pois ele é imageticamente muito forte, então as metáforas e simbologias sutis voltam a se fazer presentes.

Quando uma família não se reconhece mais, quando os filhos não reconhecem mais os seus próprios pais e precisam lidar sozinhos com as ausências, abandonos e mudanças bruscas de comportamento, isso pode acabar abrindo brechas para influências negativas internas e externas, causarem toda espécie de ruídos, frustrações, inseguranças e medos.

+++ Leia a crítica de ‘Midsommar, O Mal Não Espera a Noite’, de Ari Aster

Como todo bom filme de Terror, esta é uma produção que utiliza as características fantasiosas de seu gênero para apontar problemas reais, mesmo que se valha de vários clichês decentemente reimaginados para nos dizer que, enquanto o mal surge do subsolo e ascende até flutuar triunfante acima das águas límpidas de um belo lago, o bem, que vivia num andar elevado, precisa descer literalmente submerso em uma enorme poça de sujeira e sangue para sobreviver, afinal, ascensão e queda são apenas dois lados da mesma moeda.

Poster de A Morte do Demônio, Ascensão

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

Título Original | Ano: Evil Dead Rise | 2023
Gênero: Terror, Horror, Drama
País | Idioma: EUA | Inglês
Duração: 1:37h
Classificação: 18 anos
Direção: Lee Cronin
Roteiro: Lee Cronin
Elenco: Alyssa Sutherland, Lily Sullivan, Morgan Davies, Gabrielle Echols,  Nell Fisher e outros
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes

 


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