ENTREVISTA | Drowned Men


Drowned Men foto entrevista Urge
Foto por Flávio Charchar

Formada em 2018, a banda mineira de Belo Horizonte Drowned Men já conta em sua curta trajetória com os singles My Velvet Blue e Beyond the Rage (2019), o EP Ashes (2019) e o recém lançado álbum Bats (2020).

As influências perpassam a densidade do Pós-Punk oitentista de bandas como The Cure – cujo titulo de uma canção inspirou o nome da banda, uma contração de Drowning Man, faixa do álbum Faith -, elementos do gótico através de aspectos soturnos, e até mesmo as ambiências reverberantes do The Savages e Interpol.

Mas sua música não se contenta em ficar restrita a um círculo, incorporando também, de forma indireta, elementos do Punk e do Grunge. O quinteto traz ainda referências da literatura fantástica e romântica, com citações a autores como John Fante e Alice Carrol.

A música da banda propõe uma viagem em que elementos nostálgicos surgem por vezes. E apesar do tom de matizes geralmente soturnas, sua mensagem é positivamente clara. As letras usam de metáforas com elementos sombrios para falar de problemas cotidianos que assolam tanto o individual quanto o coletivo, adentam ambientes que muitos evitam, sem se afogar neles. Como um olhar no espelho e perceber os reflexos mais escuros, mas sem permitir que eles tomam conta e assumam o controle.

Nessa entrevista a banda fala também sobre o lançamento físico do álbum, a participação no Caxias Music Festival, e até faz um faixa a faixa, comentando um pouco sobre cada cação do álbum “Bats”.

Drowned Men é: Adriano Bê (vocais), Adriano JS (baixo), Gabriel Martins (bateria), Joey Blasmain (guitarra) e John Silva (guitarra/ backing vocal).

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Por que Drowned Men? E por que o Pós-Punk?
: O nome foi uma sugestão minha, inspirada na música “The Drowning Man”, da banda The Cure, e o gênero Pós-Punk é simplesmente algo que amamos e que se manifesta naturalmente; nunca foi algo planejado ou intencional.

O que poderiam falar sobre o processo de gravação de “Bats”?
Gabriel: Foi um processo muito excitante, quando chegamos no estúdio pra gravar, já tínhamos cerca de 90% das músicas prontas e tínhamos liberdade pra adicionar ou retirar elementos das músicas durante o processo de gravação. Tanto o processo de gravação, quanto de composição é muito empolgante pra gente, é uma construção coletiva. E trabalhar com o Lucas Gomes (Estúdio Neuma) deu a liberdade que a gente precisava pra criar.

A capa do álbum de vocês é uma das mais belas do ano, de quem é a arte e como surgiu a ideia da imagem? E um ponto bem curioso, embora a música de vocês surja associada a tons mais escuros, é interessante essa dualidade com a capa predominantemente branca e cinza.
Gabriel: Essa eu vou deixar pra Quel Batista, nossa produtora, que é a responsável pela arte e o conceito.
Quel: essa capa foi um dos trabalhos que eu mais gostei de fazer. O nome do álbum foi definido antes de pensarmos a identidade visual. Um dia andando pela rua, voltando do trabalho, passei por baixo de algumas castanheiras – comuns aqui em BH – cheias de morcegos. E me peguei pensando em como eles voam baixo e nunca batem na gente, risos. De certa forma, essa característica de eles se orientarem pelas vibrações sonoras veio muito a calhar. O ballet sempre esteve na minha formação artística e no ballet, mais do que ouvir a música, sentir as vibrações sonoras é muito importante pra construção de uma composição. Unindo os dois conceitos, acabamos chegando à bailarina como uma representação elegante dessa característica dos morcegos. A escolha de cores foi bastante natural e achei que, pela delicadeza desse trabalho, o branco e a escala de cinza seriam ideais. O tecido usado pela bailarina da foto (Jéssica Marques) teve a ideia de transmitir “a insustentável leveza” das coisas e dos sentimentos sombrios que permeiam a temática do disco. Por fim, o olhar apurado do Flávio Charchar, fotógrafo e amigo pessoal, captou perfeitamente o conceito. E aproveito para dar a boa notícia, BATS vai ganhar uma versão física – já em produção – com projeto gráfico da Rita Aprile, do nosso selo Howlin’ Records e já adianto que ficou lindo.

Sendo cinco integrantes, cada um com influências e referências diversas, como conseguem conciliar e condensar tudo isso na música da Drowned Men? Percebemos, por exemplo, que embora o Pós-Punk seja a base, há muito mais coisas acontecendo na música de vocês.
Bê: Quando eu entrei a parte instrumental da banda já existia, e fiquei fascinado com as músicas que eles estavam criando! A sonoridade era extremamente Pós-Punk (tudo o que eu sempre quis encontrar e fazer), mas, ao mesmo tempo, dava pra perceber muitos outros elementos nessa química, como as ambiências do Shoegaze e a energia do Punk e do Grunge (outras influências e referências assumidas dos guitarristas, por exemplo). E esse caldeirão resultou em algo extremamente rico e peculiar, e quando escutei quis imediatamente fazer parte disso!

Vocês têm uma faixa chamada “Ask the Dust” (Pergunte ao Pó) título do romance de John Fante, outra chamada “Alice” com referências ao livro de Lewis Carrol. Além da Literatura, o que mais é fonte de inspiração para as letras da Drowned Men? Quais outros autores destacariam? Percebemos elementos do Romantismo em algumas letras.
Bê: Literatura, quadrinhos, cinema, experiências pessoais… Tudo é fonte de inspiração na hora de se criar esse universo “fantástico”! Sempre fui um nerd apaixonado por ficção, e adoro tudo que seja capaz de nos transportar pra esse outro lugar, porque a realidade, às vezes, já é um lugar tão difícil… E sim! Adoro a intensidade dos escritores românticos, ou mesmo o humor e o sarcasmo de escritores como Oscar Wilde ou Luís Fernando Veríssimo.

John: “Ask the Dust” nasceu de um poema escrito por mim e musicado pelo Bê. O título do poema/música foi justamente inspirado no romance do John Fante, que é um autor que admiro. Eu sou um aspirante a escritor e sou apaixonado pra caralho por literatura, estou sempre escrevendo (mentalmente ou no papel) contos, ensaios, reflexões, etc.

Sem dúvida, a música e a literatura são para mim essenciais e me ajudam a suportar a vida. Acredito que a literatura tem esse poder de salvar a gente e nos fazer companhia naqueles momentos dos quais ser humano nenhum escapa: solidão, medo, insegurança e tantas outras mazelas da existência.

Além dos autores citados pelo Bê, eu gosto muito do Rubem Fonseca, Roberto Piva, Sylvia Plath, Florbela Espanca, Bukowski, Leminski, Dostoevsky, Kerouac, Camus, Orwell, Aldous Huxley, García Márquez e tantos outros. Eu poderia ficar aqui falando de literatura a vida inteira, como pode ver.

Há, não só no aspecto musical, mas também visual, uma relação com elementos do Gothic Rock, até o próprio título do álbum (morcegos) está ligado a aspectos noturnos e soturnos. É algo que todos vocês se identificam?
Bê: Muito!! Como já disse acima, somos fascinados por esse universo fantástico, sombrio e misterioso, e a projeção disso, da nossa identidade, nas nossas músicas e no modo como nos vestimos e nos comportamos foi algo muito espontâneo e natural; um reflexo mesmo da nossa personalidade, e de quem somos!

Gabriel: Sim, com certeza! Gostamos muito dessa estética elegante que o gótico traz visualmente pra banda, ao mesmo tempo que o elemento Punk tá sempre ali pra não deixar a coisa engessada.

À parte de todo o lado terrível e triste com perda de tantas vidas, mas analisando o impacto da Pandemia em relação a divulgação do álbum, há dois pontos: o impedimento de poder apresentá-lo ao vivo, no palco; o outro é o fato das pessoas estarem mais em casa, conectadas, no computador, poderem prestar mais atenção no que tem saído em termos de lançamentos. Como vocês avaliam?
Gabriel: Num primeiro momento – e acho que esse é um sentimento geral de todo mundo que lançou algum trabalho nos primeiros meses de 2020 – a sensação foi de frustração por ver tudo que tava planejado ser adiado e posteriormente, cancelado. Já que o que a gente imaginava que fosse passar logo (a pandemia), ainda hoje permeia a vida de todos. Por outro lado, a necessidade de adaptação era geral, não só os artistas, mas também o público precisou mudar sua forma de consumir arte e cultura. Sendo assim, um novo cenário foi criado e nele nós descobrimos que poderíamos alcançar pessoas do Brasil inteiro e até de outros países, ou seja, isolados sim, mas nunca sozinhos.

Já que falamos de pandemia, de que forma ela atingiu a rotina de vocês enquanto banda? E enquanto indivíduos?
Gabriel: A Pandemia “chegou” ao Brasil exatamente na semana em que o nosso lançamento estava marcado, esse foi o primeiro impacto, adiar o show na semana da estreia para uma data dois meses à frente. Como a Pandemia avançou pelo país, a nova data também caiu e precisamos repensar se realmente valia a pena manter o show de lançamento no teatro num cenário tão incerto. Então a gente se reuniu por vide chamada e tomamos a decisão necessária de cancelar efetivamente o lançamento. O próximo passo foi pensar em como colocar o show de BATS no mundo com segurança, agora no contexto digital. Não queríamos ser só mais uma live no mar de lives que surgiu na internet. Foi então que a Quel, nossa produtora, teve a ideia de realizar o lançamento na Galeria Resistor, em uma live gravada e transmitida em VHS, tudo analógico. Achamos que o formato casou perfeitamente com a nossa proposta e a equipe da galeria, principalmente o Rafael Carneiro na direção de arte e o Leo Lachini no áudio, fizeram um trabalho incrível, a repercussão foi muito positiva. Agora, como indivíduos, acredito que a Pandemia atingiu a todos nós em certa medida, principalmente pela saudade da família, dos amigos e de estar juntos. Então a gente teve o cuidado de manter o contato e estar sempre atentos a como todos estavam nesse período, porque antes de sermos uma banda, somos todos amigos próximos.

Embora vocês tenham lançado o álbum recentemente e ainda estejam fazendo todo o trabalho de divulgação, já vislumbram algo relacionado às próximas canções?
: Com certeza! Estamos sempre criando e produzindo, e não vemos a hora de trabalhar todo esse novo material que está surgindo! Já temos planos pra um segundo disco, que já tem nome e identidade, mas pra descobrir tem que acompanhar a banda nas redes sociais (risos).

É apenas impressão nossa ou há realmente uma cena fervilhando e com várias bandas novas surgindo em BH? Só o Adriano Bê faz parte de três projetos (Drowned Men, Ecos no Escuro e Kaust).
Bê: Não há uma cena “consciente”, mas realmente há muita coisa boa sendo produzida, não só aqui em Belo Horizonte, mas em todo o País. Fazemos parte de um grupo de Facebook de bandas brasileiras de Pós-Punk e ficamos muito felizes e surpresos de perceber como este gênero está mais vivo do que nunca, com muitas bandas e artistas produzindo materiais realmente incríveis e cheios de criatividade e alma.

Apesar dos pesares, ainda há certo preconceito com bandas nacionais que cantam inglês, em algum momento vocês tiveram receio quanto a cantar em outra língua? Como vocês percebem o retorno do público em relação a isso?
Bê: Talvez devido à maioria das nossas referências, entendemos desde o início que deveríamos cantar em inglês, mas felizmente os feedbacks têm sido incríveis, e não me lembro de nenhuma crítica em relação a isso, até o momento. Mas, com certeza, cantar na sua língua pátria é um facilitador, e adoraria que mais pessoas entendessem sobre o que estamos cantando.

Vocês acompanham a cena Pós-Punk nacional? Quais bandas destacariam?
Bê: Sim! Como é um gênero que amamos, estamos sempre procurando conhecer bandas novas, até como forma de articularmos apresentações conjuntas ou outros tipos de parcerias. Particularmente, tenho escutado bastante coisa e não gostaria de deixar ninguém de fora, então, por hora, vou citar só as recentes Ego Eris, de Recife, e The Secret Shelson’s Band, de São Paulo. (Mas só em São Paulo mesmo tem dezenas de bandas que eu escuto e admiro, umas mais recentes e outras nem tanto! rs).

Gabriel: O Bê citou algumas, mas são realmente muitas bandas boas, eu sou muito fã do The Completers, fiquei fã da Astma que conheci pelo Cauê Xopô, integrante da banda, e de uma banda, que acho que é muito pouco falada, que é a Fragor, lá do Pará. Tem Pós-Punk de norte a sul, isso é incrível no nosso país!

Em duas entrevistas o John (guitarrista) citou Iorigun, banda de nossa cidade (Feira de Santana) como referência. Ficamos curiosos em saber como conheceu a banda.
John: Salve Iorigun! Primeiramente gostaria de repetir: que banda do caralho! Ouço sempre. São geniais! Conheci a banda através do nosso batera, Gabs. Lembro que ele havia trocado mensagens com os caras e no dia colocou o som pra gente ouvir no carro, na volta pra casa depois do trampo. Se não me falha a memória, a música era “Fight To Forget”. Já de cara a música bateu

Gabriel: Essa você pode colocar na minha conta! haha. Brincadeiras à parte, eu mostrei o som pra banda e acho que todo mundo acabou curtindo. Troquei ideia com o Iuri algumas vezes e sempre que rola, espalho a palavra da Iorigun pra alguém. Quem sabe um dia a gente faça essa ponte BH-Feira de Santana, seria massa.

Vocês participaram do Caxias Music Festival como rolou o convite e como foi a experiência?
Gabriel: O Caxias Music Festival é um festival que temos acompanhado de perto e sempre quisemos tocar. Enviamos o nosso material para a curadoria e o convite veio por meio do Armando Louder, um dos curadores do Festival e criador da plataforma Plainsong, onde já estávamos cadastrados e por esse motivo ele já conhecia e tinha curtido nosso som. Então as coisas casaram muito certinho. Preparamos uma apresentação especial com uma iluminação massa, uma captação bacana, pra fazer jus ao que estava sendo feito no Teatro Raul Cortez. Nossa vontade é que, quando tudo isso passar, a gente possa tocar numa edição presencial, com plateia, lá em Caxias. Quem sabe?! Ah, a íntegra do show já está disponível em nosso canal do Youtube.

Finalizando, o que vocês têm escutado atualmente? Digo, algo que descobriram recentemente e se tornou “um vício”.
Bê: Pie Izquierdo!! Banda argentina de Pós-Punk instrumental que descobri esses dias… Os discos são recentes (de julho pra cá), e recomendo principalmente o “Malos Nombres II” e o “Tape End”, que são do mês passado. Embriagante!!

Gabriel: Na verdade, eu tenho jogado muito videogame e ouvido muitos podcasts sobre jogos, então eu diria que um vício é o podcast 99 vidas. Mas falando em música, eu tenho aproveitado o isolamento para revisitar umas paixões antigas no grunge, e assistido a alguns shows como Pearl Jam, Alice in Chains, Nirvana, os clássicos.

John: Acho que a última descoberta que fiz e que ouço frequentemente é a banda “The Completers” lá do Sul. Puta som criativo. É uma inspiração pra mim, com certeza.

Joey: The Twilight Sad, Nox Novacula, Sweethead e Muzz são bandas que eu descobri há pouco tempo e tô viciadasso!


Faixa-a-faixa de “Bats”:

“At Night”
Bê: Bem… Vou falar enquanto letrista, rs. Música que abre o disco. É sobre esses “vampiros” transitando entre nós, e é meio que uma brincadeira com a gente, da banda: NÓS somos esses vampiros!! rs

“Ask the Dust”
John: Quando escrevi “Ask The Dust” tentei colocar no papel o sentimento de “não tem escapatória”. Tipo, a gente luta, se cansa, se importa demais com o que fazer, o que vai ser amanhã, perde o sono por coisa que, se olharmos de forma ampla, não importam de verdade. Meio que a ideia do absurdo segundo Camus, uma existência de Sísifo sabe? A gente, a grosso modo, só faz tudo o que faz pra preencher o tempo entre o nascer e o morrer, mas tudo bem, não precisa ser triste e fatalista, “a luta acabou” não significa perder ou desistir, mas sim, é uma forma de dizer “tudo bem, não tenho que lutar mais, deixa rolar”. É, paradoxalmente, uma melancolia boa, é ver a vida através de uma ótica realista: estamos nos afogando, mas entre um sufoco e outro, ainda é possível respirar. Dura pouco o momento de gozo, mas ele existe.

“Run Away”Capa do álbum BAts, do Drowned Man
Bê: Escrevi essa depois de reler “A Saga da Fênix Negra”, dos X-Men! rs. Mas sempre escrevo de forma metafórica, vaga e aberta, então é sobre a morte ta mbém, relacionamentos abusivos, etc.

“Stay”
Bê: Essa eu acho que é a mais explícita do disco! rs. É basicamente sobre perda e dependência, e é sobre… alguém!! rsrsrs

“It’s Getting Dark Again”
Bê: Letra inspirada naqueles filmes de terror “gore”, tipo Halloween e Sexta-Feira 13.

“Alice”
Bê: Sou fascinado por esse livro e essa história (“Alice no País das Maravilhas”), e acho esse universo muito sombrio e bizarro!! E é sobre o underground, né? O universo underground, seja na música ou qualquer outro campo de expressão artística, é sempre mais legal!! rsrs

“Starts With a Fire”
Bê: Essa é basicamente sobre conflito psíquico e adoecimento mental. Como eu sou formado em Psicologia, sou fascinado por esses temas também.

“Vampires Never Die”
Bê: Outra sobre vampiros! Mas também é sobre a inevitabilidade de algumas coisas, e a inutilidade de se lutar contra isso.

“Bats”
Bê: Bats é sobre obsessão, e o morcego da letra é só uma metáfora pra isso. É uma das letras que eu mais gosto, sobretudo por ter um significado muito pessoal pra mim…


OUÇA BATS:

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