‘Tumbleweed Connection’: No Velho Oeste com Sir Elton John


Elton John e Bernie Taupin
Elton John e Bernie Taupin

Como um bom guri nascido nos anos 80, fui criado à base de muito Elton John. O cara estava por tudo, tocava nas FM’s diariamente e aparecia na TV e nas revistas dia sim e outro também. Pelo menos é assim que eu me lembro daqueles anos de vídeos ultra coloridos e inflação de 1.000% ao ano. Eu só não entendia como ele era careca nos anos 70 e tinha cabelo 20 anos depois…

Bem, tratamentos capilares a parte, era minha missão como “aborrecente” detestar qualquer música que meus pais apreciassem. Reginald Dwight (o nome de batismo do pianista) não tinha a menor chance com este jovem fã de qualquer barulho saído de Seattle.

Mas vamos combinar: o Elton dos 80 e 90 já não era mais o mesmo, em comparação com sua versão original, surgida no finalzinho dos anos 60. Babas como “Sacrifice” tocavam nas rádios de Easy Listening tupiniquim. Mesmo quando a princesa Diana morreu, em 1997, o relançamento de “Candle in the Wind” não fez meu coração de pedra de 16 anos entender e, muito menos, gostar daquele som.

Foi a partir do lançamento do filme Quase Famosos (2000), do diretor Cameron Crowe, que a minha percepção a respeito de Reginaldo começou a mudar. Semiautobiográfica, a fita mostra a história de um jovem jornalista de 15 anos cobrindo a vida na estrada de uma banda americana em 1973.

A cena dos membros do grupo fictício Stillwater fazendo as pazes após uma briga interna, sem trocarem uma palavra um com o outro, dentro do ônibus de turnê repleto de groupies, apenas ao som de “Tiny Dancer” (com todo mundo cantando junto) me fez perceber — com muitos, muitos anos de atraso — que, sim, Elton John era o cara!

O mesmo Crowe voltou a utilizar uma música do pianista em outro de seus filmes, Elizabethtown (2005). “My Father’s Gun”, uma preciosidade de 6 minutos e 20 segundos de pura emoção, é tocada quase na íntegra no longa, o que me levou a conhecer mais de perto o álbum em que a faixa foi lançada: Tumbleweed Connection.

O disco, que completou 50 anos de lançamento em 2020, é um achado para apreciadores de um Rock mais puro e cru, apesar de contar com músicos de estúdio de primeira, arranjos bem acabados e toda a classe de um jovem e inspirado Elton aos teclados.

Embora tenha escrito as canções de três discos praticamente em uma mesma levada — além do material de Tumbleweed Connection, as composições dos LP’s Elton John, de março de 1970, e Madman Across the Water, de 71, nasceram praticamente no mesmo período —, o álbum anterior contava com canções mais doces e introspectivas, com arranjos orquestrados e mais elaborados.

Para Tumbleweed, no entanto, John reservou faixas mais “para cima” e com uma temática de faroeste — cortesia das letras do fiel escudeiro Bernie Taupin, fascinado pela história norte-americana. A relação da dupla de compositores é bem explorada no filme Rocketman (2019), de Dexter Fletcher.

Seja trabalhando com uma pegada mais deprê, seja colocando o povo para dançar, o fato é que Elton estava em chamas. Suas composições de início de carreira são nada menos que espetaculares, e Tumbleweed é uma prova contundente disso. O disco soa como um greatest hits do começo ao fim. Há artistas consagrados por aí que não contam com a quantidade de canções de qualidade que apenas esse álbum tem. Já Elton John, bem… Ele lançou dois no mesmo ano!

O  álbum começa com “Ballad of a Well-Known Gun”, um Rock stoneano que, além do impecável piano de Elton, destaca a guitarra cheia de personalidade de Caleb Quaye — que tem no currículo gravações ao lado de Lou Reed, Joan Baez e Beach Boys, só para citar alguns. “Come Down in Time”, a segunda faixa, é uma baladona totalmente Elton John, como tantas outras com sua marca registrada lançadas ao longo da carreira.

A afirmação pode parecer óbvia, mas há algo na forma como o músico estrutura suas canções que fazem com que elas soem tipicamente como algo criado por ele — e que torna suas composições inconfundíveis. A esse respeito, Caleb afirma no livro Captain Fantastic: The Definitive Biography of Elton John in the ‘70s, de David John DeCouto: “Reg foi treinado de modo clássico na Royal Academy, então ele sempre tinha essas canções firmemente estruturadas, lideradas pelo piano”. Apesar disso, o pianista disse que “Come Down in Time” foi a primeira canção composta com aquele tipo de progressão de acordes, um tipo de música que os cantores de Jazz costumavam gravar, ainda de acordo com o livro de DeCouto.

O disco ainda conta com participações femininas que dão um sabor especial às canções. “Love Song”, de Lesley Duncan, contou com a própria cantora e compositora britânica nas gravações, em um belo dueto ao lado de John. A faixa foi registrada ao vivo no estúdio, com os dois lado a lado. Até a marcação do tempo, feita com os pés por Elton, pode ser ouvida — o produtor do disco, Gus Dudgeon, microfonou as botas do pianista para garantir que elas tivessem destaque na gravação.

O clima despojado também aparece em alguns erros mantidos no registro — perceba como Duncan comete um pequeno deslize em uma das notas do violão entre o 33º e o 34º segundo da canção. Esses pequenos detalhes trazem um frescor não só a “Love Song”, mas ao álbum como um todo. A total falta de artificialidade e o privilégio a um som mais orgânico tornam Tumbleweed Connection um disco único na carreira de Elton John.

Em “My Father’s Gun”, ninguém menos que Dusty Springfield — de sucessos como “Son of a Preacher Man” — empresta sua voz no coro que faz parte do arranjo. Apesar de insegura durante a gravação, a cantora contribui de maneira essencial para garantir o clima épico da faixa. Inclusive, ela fez questão de garantir que o seu nome fosse incluído nos créditos do disco, o que ela geralmente evitava fazer quando participava de gravações de outros artistas.

Outros destaques são “Amoreena” — que, reza a lenda, é a faixa favorita de John no disco —, e a animada “Burn Down the Mission”, que finaliza a versão original do álbum no mais alto astral.

Na versão de luxo lançada em 2008, a gravação original de “Madman Across the Water”, com mais de oito minutos de duração, tem espaço de sobra para o brilho do então desconhecido guitarrista Mick Ronson — que logo depois se uniria a David Bowie para a gravação de Ziggy Stardust and the Spiders From Mars e produziria Transformer, de Lou Reed.

O disco foi um sucesso, alcançando o número 2 na parada britânica e o 5º lugar na Billboard 200. Foi eleito um dos 500 melhores álbuns de todos os tempos pela revista Rolling Stone e conta com versões alternativas das faixas originais, como demos e apresentações gravadas na BBC, na já citada reedição de 2008.

O grande lance de Tumbleweed Connection é que um disco dificilmente voltará a ser gravado da forma como ele foi. Em primeiro lugar, só tinha gente que tocava bem demais — até porque, naquela época, os caras tinham que ser realmente bons, não dava para corrigir nada no computador.

A espinha dorsal da banda (além de John, o batera Nigel Olsson e o baixista Dee Murray) também estava muito bem ensaiada, com todas as músicas já tendo sido tocadas ao vivo — o período em que o trio se apresentou no Troubadour, em Los Angeles (fazendo oito shows em seis noites consecutivas), foi essencial nesse processo.

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Além disso, seu astro vivia o auge criativo e a liberdade de, finalmente, ter deixado a sombra familiar que tanto o atormentava — apesar de John ainda estar longe de se livrar de todos os seus demônios. E, por fim, a parceria do pianista com Bernie Taupin possibilitou a criação de uma coleção de canções notável, que deveria constar de todas as compilações de maiores sucessos de sua carreira. Ou alguém aí teria coragem de deixar alguma faixa do disco de fora?

Com a despedida de Elton dos palcos — ele tocou o que foi possivelmente seu último show na Inglaterra no dia 25 de junho, no Festival de Glastonbury — ficam os registros em estúdio de um dos maiores artistas de todos os tempos. Tumbleweed Connection é, sem dúvida, um dos mais importantes deles.

Tumbleweed-Connection-Elton-John-Capa

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

 

ANO: 1970
GRAVADORA: Uni / DJM
FAIXAS: 10
DURAÇÃO: 46:56
PRODUTOR: Gus Dudgeon
DESTAQUES: “Ballad of a Well-Known Gun”, “Love Song”, “My Father’s Gun”, “Amoreena”
PARA FÃS DE: Rock’n’Roll, The Rolling Stones, Rock setentista

 

 

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