“Brigas de lado, o passado como lição, a tecnologia como aliada, e uma banda disposta a dar continuidade na carreira”
Toda banda famosa brasileira viveu seus momentos de glória e também de frustrações, passou por conflitos, teve o grande álbum de carreira, e lançou trabalhos menos aclamados. Com a paulistana Ira! não foi diferente. Sempre lembrada quando se fala da importância do Rock Brasil 80’s, a banda foi uma das responsáveis pela valorização e pelo fortalecimento do movimento musical nacional.
Mesmo saindo dos 80’s – talvez não muito prontos para entrar numa época onde a tecnologia cada vez mais abraçava a música – e fiéis à sua sonoridade, o grupo seguiu adiante com mudanças de integrantes no baixo e bateria (o baterista André Jung e o baixista Ricardo Gaspa, músicos de longa data, permaneceram até 2008). Os discos vieram, apesar de alguns não chegarem tão impactantes como os trabalhos iniciais de carreira. Álbuns como Você Não sabe Quem Eu Sou (1998) e Entre Seus Rins (2001) até possuem hits em potencial, mas passaram despercebidos por público e crítica.
Apesar de diversas comparações com o The Jam (principalmente), desde 1985 o grupo tem mostrado características próprias e vontade de amadurecer, trazendo elementos que ajudaram a edificar a carreira, mesmo com lançamentos medianos: a guitarra do exímio Edgard Scandurra, a cozinha poderosa, letras sobre relacionamentos amorosos ou expondo as feridas da sociedade, a energia nos palcos, a voz rouca peculiar de Nasi Valadão (que ganhou carinhosamente o apelido de Wolverine).
O novo disco de canções inéditas chega treze anos após Invisível DJ (2007). Após brigas, separação e, sobretudo, em tempos tão atípicos como estes atuais, com informações novas a todo instante. Um trabalho depois de tanto tempo pode passar em branco, mesmo com o reconhecimento que a banda obteve em 35 anos de atividade.
Apesar de manterem-se fiéis às suas raízes, a magia de criar hits como em Vivendo e Não Aprendendo (1986) ou a fusão de gêneros de Psicoacústica (1988) ficaram em débito. Em contrapartida, o novo álbum tem bons momentos e algumas faixas podem colocar o grupo em cômoda situação para os tempos modernos.
A guitarra de Scandurra pode parecer tímida aos ouvidos dos velhos fãs, porém continua afiada. Os riffs permanecem poderosos, o Ira! não larga o Rock de lado (e até já cantou ironicamente que estava farto do Rock”And’Roll lá em Psicoacústica). Os fãs mais antigos da banda se sentirão á vontade com a banda seguindo a cartilha do Pós-Punk em “Respostas”. Na incisiva “Eu Desconfio de Mim” pode-se até pensar na influência de outra grande banda brasileira, Titãs (contemporâneos e igualmente importantes para o Rock BR). Por sua vez, o Rock regado a violinos que foi marca do quarteto paulista lá em 1985, aqui torna-se presente na faixa “O Homem Cordial Morreu”.
O destaque maior do disco nem é Rock. Numa roupagem que une o acústico e traz atabaques, violinos, violões dedilhados e coro de vozes, “Mulheres à Frente da Tropa” mostra o grupo antenado com os dias atuais fazendo homenagem a mulheres como Marielle Franco, Dandara e Preta Ferreira. Um dos trechos da canção frisa: ‘Elas não temem (elas não temem) o covarde opressor (o covarde opressor) / Elas não fogem (elas não fogem) do perigo da dor (do perigo da dor) / Pontas de lança (pontas de lança) da revolução / Dedico à vocês (dedico à vocês) essa canção’. A crítica oportuna que o grupo realizava nos 80’s sobre a não conformidade da época está preservada nos tempos atuais e funciona certeira.
O grupo convidou a cantora Virginie Boutaud (ex-integrante da banda Metrô, também dos 80’s). Em perfeita sintonia com Nasi, ela garante a genialidade da balada romântica “Efeito Dominó”, cantando trechos em francês (inclusive Virginie faz as gravações diretamente de Toulose, na França). Bárbara Eugênia, já conhecida pelo trabalho com Scandurra e participação em alguns de seus shows, também colabora na composição da ensolarada e descontraída “Chuto. Pedras e Assobio”.
Quando a letra precisa ser sincera e se encaixa como um próprio relato sobre a vivência dos integrantes, ela chega na faixa “A Nossa Amizade”, onde Nasi expõe sua amizade com Scandurra e o espaço que cada um precisa para respirar: ‘Alguns metros de distância/ Agora é assim’.
Nasi (voz) e Edgard Scandurra (guitarra e voz), junto com os recentes integrantes Johnny Boy (baixo) e Evaristo Pádua (bateria), apostam nas plataformas digitais, olham para os fãs do passado sem largar a modernidade de lado e ensinam para essa geração mais nova quem um dia foi o Ira! Um novo começo, diríamos?
>>> NOTA: 7,0 <<<
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NOTA DOS REDATORES:
Eduardo Juliano: –
Isaac Lima: –
Marcello Almeida: –
MÉDIA: 7,0
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:: FAIXAS:
01. O Amor Também Faz Errar
02. A Nossa Amizade
03. Respostas
04. Mulheres À Frente Da Tropa
05. Você Me Toca
06. Efeito Dominó
07. Chuto Pedras e Assobio
08. Eu Desconfio de Mim
09. O Homem Cordial Morreu
10. A Torre
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