Em sua quarta e mais recente temporada, a série da Netflix, Stranger Things, “resgatou” a canção “Running Up That Hill (A Deal With God)”, de Kate Bush. Lançada em 1985, no álbum Hounds of Love, quinto da cantora (o segundo a alcançar o topo da parada britânica). A faixa foi o primeiro single do álbum, fez sucesso na década de 80, e se tornou um dos hits da cantora inglesa, cujo timbre vocal tinha em Tetê Espíndola sua correspondente nacional.
Após tocar na cena em que Max (personagem de Sadie Sink) está aprisionada, a canção ganhou o título de ‘Max’s Song’, e voltou com uma força inimaginável, impulsionando o número de audições nas plataformas digitais e fazendo com que Kate, mais de três décadas após o lançamento, batesse vários recordes, e entrasse nas paradas de vários países.
É um feito realmente inusitado e que mostra o poder que uma canção pode ter e como ela pode ser alavancada numa cena de um filme/série. Stranger Things já havia conseguido catapultar “Should I Stay or Should I Go”, do álbum Combat Rock (1982), do The Clash, na segunda temporada.
“Running Up That Hill” ganhou uma versão em 2003, há quase 20 anos atrás, pela visão da banda britânica Placebo. A versão da banda de Brian Molko é mais lenta e com as guitarras substituindo os sintetizadores da versão original, e com um clima um tanto minimalista e sombrio, com a voz de Molko em falsete e arrastada. Ela foi lançada no álbum de covers, e também saiu como bônus em algumas edições de Sleeping With The Ghosts (2003). Além de Kate Bush, nesse álbum de covers o Placebo faz versões para canções dos Pixies, The Smiths, T-Rex, Depeche Mode e outros.
Com o “retorno” da canção, o site Guardian perguntou a vários artstas, incluindo o vocalista do Placebo, Brian Molko, sobre a ideia de fazer a versão:
“My first exposure to Kate Bush was the video for Babooshka when I was a preteen. I’d never seen anything like it: who is this person from outer space, singing an incredibly strange song? I was completely captivated by this beautiful woman who had such charisma and seemed so unique”.
Molko falou ainda que descobriu que o irmão mais velho tinha o álbum The Kick Inside (1978), de Kate Bush, e foi apresentado a “The Man With the Child in His Eyes” e “Wuthering Heights”. E que quando Hounds Of Love saiu “explodiu sua mente por completo”.
O vocalista também falou sobre a opção de ter reduzido a velocidade da canção:
“Me ocorreu que o ritmo da música estava um pouco rápido para a gravidade da letra. Já tínhamos o hábito de fazer covers de nossas músicas favoritas dos anos 80, então sugeri que fizéssemos Running Up That Hill, mas que reduzíssemos o ritmo o máximo que pudêssemos sem que se tornasse um canto fúnebre, e obviamente queríamos mantê-lo eletrônico com sons do início dos anos 2000. Conheci Kate uma vez em uma festa: era coisa de gravadora e havia uma fila ordenada para falar com ela. Quando cheguei à frente, a primeira coisa que ela me disse foi: “Gosto do seu cover da minha música. Isso foi o suficiente”.
Voltando aos anos 80, em janeiro de 1986, a Revista Bizz publicou a resenha do álbum Hounds of Love, feita pelo jornalista José Emilio Rondeau:
“Como apresentar esta Kate aos que só conhecem aquela Kate superficial e cansativa de “Wuthering Heights”? Dizendo que ela faz o rock progressivo (no sentido de evolutivo) mais instigante e mais apavorante desde Peter Gabriel? Que – como Gabriel – Bush atingiu um ponto de miscigenação musical tal que em cada faixa deste disco convivem diversas culturas? Poderia dizer todas essas coisas, mas nenhuma delas sequer se aproximaria de uma descrição acurada de o que é ouvir Hounds of Love. O lado 1 é um debate filosófico sobre as várias manifestações de amor. O lado 2 é uma peça conceitual sobre reencarnação. E isto é rock and roll! Só ouvindo”.
Recheada de referências à cultura pop oitentista e com esse enorme poder que a série tem demonstrado, fica a questão: qual canção será a próxima “bola da vez”?
Assista abaixo uma apresentação da versão de “Running Up That Hill” ao vivo com o Placebo.
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