Grinderman, a banda
Nick Cave começou sua aventura no meio musical no fim década de 70 com seus conterrâneos do Birthday Party, tornando-se inesquecíveis suas performances possessas sob os pavimentos sonoros ensandecidos de sua banda. Com o fim dos Birthday Party, em 1984, seguiu em carreira solo, tendo como acompanhantes os Bad Seeds junto com Mick Harvey (ex-guitarrista do Birthday Party), Blixa Bargeld (Einsturzende Neubaten) e Barry Adamson (ex-Magazine). Com os Bad Seeds, Nick sedimentou sua carreira e se firmou como artista, lançando treze álbuns, em que se destacam ‘Your Funeral My Trial’ (1986), ‘Tender Prey’ (1988), ‘Let Love In’ (1994) e ‘Murder Ballads’ (1996).
Como uma família, o Bad Seeds foi crescendo, incorporando mais integrantes. Entre saídas e entradas, a banda chegou a ter sete componentes, enquanto a música de Nick ia se tornando cada vez mais sofisticada, deixando pra trás a crueza de seus primeiros trabalhos. Em 2003, Blixa, um dos fundadores dos Bad Seeds, deixa a banda. Mick Harvey, outro fundador, também segue o caminho para se dedicar a sua carreira solo. Com perdas de tamanho vulto, Nick passa a tocar com apenas três partes do Bad Seeds: Warren Ellis, Martyn P. Casey e Jim Sclavunos. Nasce o Grinderman, nome tirado de uma canção de John Lee Hooker.
Com o Grinderman, Nick se diz mais livre, comenta que as músicas saem com mais facilidade. Se antes o cantor tinha Mick Harvey como parceiro nas composições, agora tem Warren Ellis. De quebra, ele se aventura pela primeira vez nas seis cordas, com o incentivo de seus companheiros. Visualmente, outra mudança, o Grinderman incorpora um visual no melhor estilo texano: bigodões e chapéu de caubói.
Grinderman, o álbum
‘Grinderman’ veio à tona depois de duas sessões em estúdio. Na primeira, a banda preparou as versões demo em cinco dias no London’s Metropolis Studios. Na segunda e definitiva, Nick já com as letras prontas e a banda com as idéias musicais definidas, os quatro entraram em estúdio com o produtor Nick Launay, que já havia trabalhado nos dois álbuns anteriores de Nick Cave and the Bad Seeds, saindo de lá com um álbum onde crueza é a palavra mais adequada para descrevê-lo. Os momentos de agressividade, a mudança no modo de cantar, as letras mais diretas de Nick, mostra uma dinâmica diferente daquela trabalhada com os Bad Seeds. É um novo caminho, motivado pelo próprio conceito em que se encerrou a banda.
Com apenas quatro membros, Nick faz com o Grinderman uma viagem de volta ao seu começo, evoca momentos viscerais à época do Birthday Party ou mesmo de seus primeiros trabalhos. ‘Get it on’ tem guitarras lo-fi ásperas, batidas abafadas e Nick cantando de forma raivosa. A escrota ‘No Pussy Blues’ prossegue com a crueza da abertura, guitarras ensandecidas, descontroladas, batidas tribais e Nick tentando de tudo para convencer uma garota a aceitar seus intentos libidinosos, chegando a recorrer a Marcel Marceau e Yeats.
Depois de duas cheias de violência e brutalidade, era de se esperar uma pausa. Chegamos à densa ‘Eletric Alice’ e seus efeitos assustadores, que remete inevitavelmente a ‘Your Funeral My Trial’. ‘Grinderman’, a canção, segue mais densa e tensa que sua antecessora com Nick afirmando que é um ‘Grinderman’: ‘Yes I’m the grinderman, yes I am, any way I can”.
Com o decorrer das faixas, percebe-se que o álbum não se constitui apenas de crueza e guitarras raivosas; há nuances como na ótima balada ‘Man on the Moon’, que retoma os momentos mais calmos do cantor com sua antiga banda, assim como em ‘Chain of Flowers’, ou com o clima de cabaré de ‘Go Tell the Women’. Mas com a stoogeana ‘Love Bomb’, o Grinderman volta à carga com a avalanche sonora de uma guitarra carregada de wah-wah e distorção, um baixão suingado e uma bateria nervosa. Aí os velhinhos nos fazem lembrar aquelas bandas de jovens de vinte e poucos anos cheios de testosterona e raiva, só que com uma densidade musical que só se adquire com anos de estrada e esse é o diferencial da música do Grinderman.
Se este é o futuro de Nick Cave, se o cantor não mais voltará a tocar com os Bad Seeds, só o futuro dirá. Até aqui, independente de nomes, de componentes, de caminhos musicais, a carreira de Nick continua incólume, adquirindo uma vitalidade que só fez bem e que pode vir a gerar novos rebentos até mais luminosos que este primogênito do Grinderman.
NOTA: 8,0
:: FAIXAS:
01. Get It On / 02. No Pussy Blues
03. Electric Alice / 04. Grinderman
05. Depth Charge Ethel
06. Go Tell The Women
07. (I Don’t Need You To) Set Me Free
08. Honey Bee (Let’s Fly To Mars)
09. Man In The Moon
10. When My Love Comes Down
11. Love Bomb
GRINDERMAN 2
Nick Cave e seus amigos bigodudos gostaram da experiência (e do visual) com a alcunha do Grinderman, o animal feroz é solto mais uma vez três anos depois do primeiro disco.
A primeira coisa a chamar a atenção é novamente o uso de um animal na capa. Para não criar um mal entendido, quando me refiro ao animal feroz estou falando da banda mesmo, da crueza do seu som, da ferocidade e acidez das guitarras, características que se espalharam de tal forma que contaminaram até mesmo o último álbum de Nick Cave com os Bad Seeds.
Grinderman 2 segue o mesmo processo de gravação do antecessor: se enfurnam em estúdio por cinco dias e vão improvisando, inclusive nas letras, até chegar ao formato final das canções. Por isso a sensação em alguns momentos de uma jam regada com altas doses de blues. Como não poderia deixar de ser, o aroma exalado é de rock de garagem.
Apesar do lado esporrento predominar, vide a trinca inicial com “Mickey Mouse and ‘The Goodbye Man”, “Worm Tamer” e “Heathen Child”, como no álbum anterior, Grinderman 2 alterna com momentos mais calmos, e se dá ao luxo de apresentar uma das canções mais acessíveis (musicalmente falando) de Cave, “Palaces of Montezuma”, com letra de humor ácido.
Não há maior diversidade, nem expansão dos horizontes, há um andamento mais lento em algumas canções, mas o álbum segue a mesma cartilha do anterior, reduzindo as canções ao essencial, adicionando doses generosas de guitarras sujas e efeitos de wah-wah. No fim, o Grinderman acaba mesmo é se confundindo com Nick Cave and the Bad Seeds, e o inverso já havia acontecido, talvez a consequência disso venha dar num álbum coletivo, o que seria realmente surreal.
Alguns afirmam que o Grinderman é fruto de crise de meia idade de Cave e cia, talvez seja mesmo, afinal, à medida que envelhecemos, tendemos a olhar para o passado com certa saudade e às vezes desejamos revivê-lo com a visão, a maturidade dos dias atuais mas com o vigor da adolescência; ou talvez seja apenas negação ao processo de envelhecimento.
Seja qual for a resposta, seria bom que alguns músicos em crise de meia idade resolvessem seguir por esse caminho de total despojamento e bom humor do Grinderman.
NOTA: 7,2
*OBS: Os textos acima são re-edições de publicações do blog www.lovenomore.wordpress.com
:: FAIXAS:
01. Mickey Mouse And The Goodbye Man
02. Worm Tamer
03. Heathen Child
04. When My Baby Comes
05. What I Know
06. Evil
07. Kitchenette
08. Palaces Of Montezuma
09. Bellringer Blues
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