Gordi transforma seus conflitos internos e anseios em arte


Sophie Payten

Em novo álbum a cantora reflete sobre o peso do tempo e o preço de assumir conflitos afetivos abstrusos.

Sophie Payten cresceu em uma casa de católicos e sempre foi aconselhada a seguir carreira na Medicina. Sempre ouvindo para deixar seus interesses próprios para fazer o bem. Algo que significava ignorar suas dores e mágoas e se esconder do seu verdadeiro eu. Mas a artista enclausurada por traz dos ensinamentos bíblicos se revelou e  para o mundo seu verdadeiro eu e sua verdadeira vocação para arte.

Nativa da pequena cidade de Canowindra, Nova Gales do Sul, Sophie Payten é o nome da cantora conhecida artisticamente por Gordi. E é ela que está por traz de um dos mais belos álbuns de Indie-Pop e Folk-Rock desse ano. Um disco que lembra muito Bon Iver e já agrada nos primeiros instantes de audição, sendo possível perceber o talento e domínio de composição e voz que a cantora possui.

Our Two Skins, seu segundo álbum de estúdio, é carregado e motivado por desilusões amorosas, medos e incertezas que cercam a artista. Canções pop que invadem o sentimentalismo e grudam na alma como uma elegia aos conflitos internos. A voz da cantora é outro ponto de destaque, marcante, vibrante que vem do fundo da alma, que torna o álbum uma viagem visceral pelas lacunas do Indie-Pop que adoramos ouvir.

O novo trabalho não perde em nada para o disco que o antecede, o excelente Reservoir (2017), pelo contrário, a cantora vem mostrando amadurecimento em suas composições e firmando o caminho que pretende seguir na sua música. E podemos dizer que ela está no caminho certo.

“Aeroplane Bathroom” já chega abrindo a porta para proposta do disco, uma canção pop com tom de elegância e melancolia para agraciar os mais apurados ouvidos. A cantora trafega por todos seus traumas, conflitos e aponta a direção que essa obra vai seguir: “Porque eu não consigo arrumar minhas coisas/Neste banheiro de avião/Eu me pergunto por que não me vi antes/Em luzes nuas e noites sem dormir/Estou tentando lembrar/Mas o conteúdo do meu peito está lá no chão”. Uma canção de arrepiar e inundar a alma com tamanho sentimentalismo e poesia.

A seguir embarcamos na eletrizante e dançante “Unready” e é necessário frisar como as canções trazem semelhanças aos primeiros discos do Bon Iver. A faixa aterrissa nos terrenos dos desalentos e desassossegos do espirito: “Oh, o chão debaixo dos meus pés estava frio/Eu não estava te procurando/Estava à frente”. Como se a cantora fosse uma protagonista de uma cidade pequena e emergisse das próprias sombras para dizer todas as coisas não ditas.

O álbum segue sua linha transitória e vai entregando uma canção mais bonita que a outra. Como diria no linguajar popular: “uma porrada atrás da outra”. É o caso da nostálgica e sincera “Sandwiches”, uma mistura saborosa de ritmos que conduzem a audição em perfeita harmonia. A cantora dedicou a canção a sua avó. O que causa aquele sentimento de ansiedade pelo que pode vir na próxima faixa.

A cantora consegue transitar em vários terrenos e se aproximar cada vez mais de um variado público. Essa dualidade torna o trabalho mais minimalista e simplista. As canções soam com naturalidade. Não tem aquela coisa forçada. Aqui tudo é muito bem trabalhado e bonito de ouvir.

“Radiator” é outra “pedrada”, levada por piano, dá espaço para voz de Gordi crescer a cada nota tocada. A canção disserta sobre um amor que não pode ser retribuído. O álbum em seu contexto como um toldo vai te fazer lembrar melodias de Elliott Smith, além do já citado Bon Iver.

Outro ponto a destacar na obra da cantora são os elementos eletrônicos que são empregados de formas harmoniosas com as guitarras. Como se fizesse parte de um processo fragmentado que agem como uma introdução para dar vida as canções. O disco contou com a co-produção de Chris Messina (Hand Habits, Bon Iver) e Zach Hanson (Owen, S. Carey), isso pode explicar a sonoridade do álbum.

O conjunto de elementos eletrônicos com guitarras e sintetizadores constroem a base para a cantora explorar os limites de sua obra e voz. Algo que vem sendo trabalhado desde seu primeiro álbum. Aqui ela consegue contextualizar tudo com uma elegância e maturidade plausível de muitos elogios. É daqueles discos seletos que vão ganhado formas e vidas e crescem a cada audição.

Our Two Skins é um álbum ousado, verdadeiro e belo. Ouça a enternecedora “Look Like You” e tire as próprias conclusões. Uma obra sinfônica arquitetada nas lápides da melancolia. Aquele álbum para ouvir ao cair da noite, sozinho trancado em seus próprios pensamentos. É uma obra que consegue canalizar toda euforia, ansiedade e confusão em uma mente acolhida em dias de pura solidão. A cantora se revela para o mundo e compartilha com ouvinte emoções oriundas da trajetória de sua vida. Um álbum temático sobre abandonar o casulo e mostrar para o mundo o seu verdadeiro eu. Canções confortantes para serem ouvidas e reouvidas nesse tempestuoso ano de 2020, onde os dias parecem não ter fim.

DESTAQUES: “Aeroplane Balthroom”, “Unready”, “Sandwiches”, “Radiator” e “Look Like You”.


LEIA TAMBÉM:

OU NÃO: BECCA MANCARI | Indie-Folk expandindo e explorando territórios
RESENHA: THE 1975 | Notes on a Conditional Form


OUÇA O ÁLBUM:


ASSISTA AO VIDEOCLIPE DE “ALREADY”:

Previous Neil Young denota sentimentalismo com canções de amor em disco "esquecido"
Next CHARGE DO DIA

No Comment

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *